COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
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13/8/2002 | | |
13h22min | |
| Caro Evandro, artesanato já virou arte há muito mais tempo do que aos olhos da universidade brasileira. É arte desde que, como trabalho manual não industrializado, pode expressar “beleza, engenho, habilidade, técnica”... uma das definições possíveis da arte. Do mesmo modo que um produto industrializado pode também expressar tais qualidades. Acho que a atenção a essas formas artesanais se justifica haja visto o perigo de extinção não documentada de tais manifestações.///
O debate sobre arte erudita versus popular é antigo, e já freqüentou aqui o Digestivo. Apenas para citar um dos artistas que você mencionou, o teatro de Shakespeare estava absolutamente enraizado nas tradições populares da época. E era encenado, aos gritos e gargalhadas, para a gentalha analfabeta, não para eruditos posudos. O tempo – e, vamos reconhecer, o esnobismo dos que vêem “arte” apenas como algo pouco acessível – deu ao inglês a pátina de artista erudito e reconhecido, mas sabemos todos que nem sempre foi assim. Como Mozart também produziu “música leve”, divertimento que era fundo musical para o almoço de nobres entediados. Para mencionar outro artista citado, Villa Lobos pôde compor seus “Choros” apenas porque, em seu tempo, o choro popular estava vivo e nas ruas, dispensando portanto o registro da universidade, que hoje se faz necessário para que outros artistas possam conhecer tais manifestações e criar “arte superior” baseada, inspirada, e – em alguns casos - até mesmo copiada das mesmas.///
O legado cultural ocidental é por vezes elitista mesmo. Só que, invertendo seu argumento, por isso mesmo é que deveria ser transmitido às artesãs que, nas suas próprias palavras, “moram longe”. Longe do acesso às manifestações que os eruditos houveram por bem ter como “superiores”, e que só podem continuar a sê-lo caso as artesãs continuem longe da erudição e perto de sua miséria do dia-a-dia. Que acadêmicos façam dessa separação a matéria-prima para suas dissertações e ensaios só é possível por causa de tal distância. Acabemos com a mesma e a embromação estará com os dias contados.///
Última observação: segundo você, Evandro, chegará o tempo em que as peças de cerâmica serão expostas em museus e idolatradas. Esse tempo já chegou, e para constatar basta visitar qualquer bom museu do erudito Primeiro Mundo para constatar como os caquinhos de cerâmica pré-históricos, antigos, medievais, são encarados com o respeito que merecem e como a inspiração que ofereceram aos eruditos de todos os tempos.
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13/8/2002 | | |
13h25min | |
| Deixei o tema do socialismo, que me pareceu claramente deslocado no seu texto, para um comentário a aparte. Não vejo como “um país cujos estudiosos se preocupam mais com Patativa do Assaré do que com Villa Lobos só pode ser ...... socialista”. Sem pretender esgotar todos os exemplos, a informação disponível nos mostra que os países socialistas valorizaram e transmitiram a cultura erudita como poucos. Caso da ex-União Soviética e dos países do Leste Europeu. Cuba também é um caso interessante por mostrar como a informação cultural soviética permitiu a valorização da dança e da música clássicas mas não impediu a valorização da música popular e folclórica. Em outras palavras, tanto “Villa Lobos” quanto “Patativa do Assaré”. Concluindo, acredito não se sustentar a atribuição de “socialismo” à preocupação com a promoção e o estudo da cultura popular.
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13/8/2002 | | |
13h46min | |
| Caro Helion. Já ouvi muito esse argumento de que o erudito de hoje é o popular de ontem. E isso serve, na melhor das hipóteses, como motivo para se deprimir com a degenerescência do nível intelectual do povo em geral. Mas não acato o argumento de forma alguma. Sei que Villa Lobos se inspirou no choro, mas criou com ele uma forma de arte infinitamente mais rica e superior. Nem sempre acontece de um artista erudito se inspirar em motivos populares para criar suas obras. Mas quando isso ocorre, não é uma prova de nada, mas apenas de que o ser humano tem essa capacidade de usar aspectos interessantes de coisas piores para fazer coisas melhores. Além disso, ninguém cria do nada. Mas nada disso é importante. O importante é que hoje apenas se "baba o ovo" do popular. Se Villa Lobos vivesse hoje, talvez fosse apenas um produtor cultural lançando CDs de choro e promovendo o gênero. Jamais teríamos ganhado todas as suas músicas geniais, pois ele tería gasto todo o seu tempo babando o ovo do choro. Outra coisa: muito bonito o que você disse sobre as artesãs, mas hoje em dia não existe a mínima chance de que o legado ocidental seja transmitido a elas, pois nossas universidades só estão preocupadas em puxar o saco delas e não em lhes ensinar nada. O artesanato vai aos museus e todo mundo acha que está vendo arte. Enquanto isso, as artesãs continuam isoladas, como resultado da própria preocupação em "preservar" sua "arte". Não existe quase nada de positivo na supervalorização do popular hoje. O popular sempre existiu e sempre existirá. E não precisa de ninguém para defendê-lo. E as pessoas que dizem defendê-lo estão apenas querendo congelá-lo no tempo. A função da universidade em um país normal seria estudar tudo que a humanidade já produziu, na ordem de importância do mais elevado ao mais baixo. Mas não existe mais muita gente nesse país que acredite em juízo de valor. Ninguém mais acredita que exista, em arte, algo melhor e algo pior. E ninguém mais consegue entender que, quando digo que artesanato não é arte, não estou ofendendo o artesão. E como não estou a fim de escrever um tatado de filosofia - ao menos por enquanto - não espero convencer ninguém que já tenha suas convicções muito consolidadas. Mas ainda acho que Bach é melhor que Pixinguinha, e não apenas diferente.
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14/8/2002 | | |
12h38min | |
| Caro Evandro, obrigado antes de mais nada pela sua resposta./// Você pode ter ouvido muitas vezes esse argumento de que “o erudito de hoje é o popular de ontem”. Não acho que isso seja sempre correto, mas de qualquer forma, nos casos em que se aplica, não se trata apenas de um cansativo argumento, uma vez que a repetição excessiva, e mesmo a vulgarização do mesmo, não o esvazia de seus elementos de verdade.///
Antes de examinar o seu exemplo, gostaria de descartar para meu argumento o debate sobre a “superioridade” ou a “maior riqueza” de Villa Lobos face à música popular, pois se trata de longa discussão, para qual não há parâmetros objetivos. E eu não advoguei nenhuma pretensa superioridade, da parte de um dos dois “pólos”. Acho que isso só se presta a polêmicas pouco frutíferas, e na qual os argumentos de natureza diretamente ideológica se superpõem às considerações de caráter propriamente artístico ou cultural.///
Não sei se você conhece a série francesa de CDs “Villa-Lobos par Lui-Même”, que reúne as gravações feitas por Villa regendo na França em fins dos anos cinqüenta (caso não conheça, posso fazer-lhe uma cópia). A caixa inclui a gravação de uma divertida conferência do maestro em 1959, “Qu´est-ce qu´un Chôros?”, na qual ele explica aos franceses o que é uma roda de choro, e como elas o influenciaram, inclusive imitando com a voz os diversos instrumentos e fazendo referências à cachaça e ao clima nelas reinante. Você consideraria isso uma “babação de ovo do choro”? Em caso positivo, estaria pronto a retirar de Villa-Lobos a designação de erudito, e de relegá-lo à vala dos socialistas medíocres?///
Muitos defensores do popular efetivamente gostariam de vê-lo como peça de museu. Mas não todos. Villa-Lobos, Mário de Andrade, Hermínio Bello de Carvalho, não estão entre estes. Um abraço, Helion
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14/8/2002 | | |
12h41min | |
| Sobre esta sua frase: “A função da universidade em um país normal seria estudar tudo que a humanidade já produziu, na ordem de importância do mais elevado ao mais baixo”. Se você me definir qual o “país normal” que já chegou a uma conclusão definitiva sobre esta seqüência “do mais elevado ao mais baixo”, eu dou a mão à palmatória. Não vale citar a Rússia stalinista ou a Alemanha hitlerista. Esses definiram claramente o que era “mais elevado” e “mais baixo”. Mas não acredito que sejam os modelos que você defende.
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14/8/2002 | | |
14h28min | |
| Caro Helion. Acho que você está exagerando o alcance de um espaço de comentários como esse. Eu não teria como provar completamente aqui a existência de juízo de valor na arte. Para isso é melhor você ler Hegel e Kant. Aliás, se você quiser abolir juízo de valor na arte, terá de fazê-lo com tudo o mais, pois o juízo é um conceito ontológico, ou seja, aplicável a tudo que existe, a tudo que é. Quanto ao que você disse sobre Villa Lobos, está tão absurdamente equivocado que mal dá pra acreditar. O puxa-saco é aquele que elogia e divulga uma suposta forma de arte até a exaustão e (isso é importante) muito além do que ela merece e sem usá-la na confecção de nada que a transcenda. Villa Lobos não foi nada disso.
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17/8/2002 | | |
13h33min | |
| Bem, Evandro, não pensei estar exagerando o alcance desse espaço. Achei que uma resposta cuidadosa minha poderia indicar, mais que uma crítica ou elogio “secos”, a seriedade com que tomei suas palavras e a possibilidade de que pudéssemos sustentar um debate. Evidentemente, não defendo a abolição do juízo de valor na arte, mas acho que a idéia de existirem formas culturais “mais elevadas” e “mais baixas”, como você defende, pode ser debatida sem necessidade de recorrer aos filósofos recomendados. É claro que tudo pode nos levar à filosofia, mas continuo achando que se pode travar esse debate aqui e agora, pois não me pareceu, inicialmente, que a citação de Hegel ou Kant fossem pressupostos para o debate sobre o seu artigo “Babação do popular”. Nele, você propõe relações diretas entre cultura e socialismo que merecem, segundo penso, maior discussão, mesmo que sem enveredar pelas referências filosoficas que me sugere./// Quanto a Villa Lobos, pensei ter deixado claro que me referia aos termos que você mesmo propôs, ao contrapor Villa à suposta “babação de ovo” da atualidade. Que também achei equivocados. Busquei indicar como Villa também valorizava e enaltecia as formas culturais que você denominou de “baixas”. Enão acho que quem faz isso seja necessariamente "puxa-saco", nem naquela época e nem hoje./// Enfim: mesmo concordando com a existência de ho que existe juízo de valor na arte, discordo da sua associação mecânica ou esquemática às diversas ideologias políticas.
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27/8/2002 | | |
18h55min | |
| Nao posso deixar de concordar com o ponto de vista defendido por Helion, pois a arte erudita tem o seu respeito e acredito que sempre tera, essa nao caira no esquecimento e nao nunca perdera o seu devido valor...Agora nao consigo entender o motivo pelo qual a arte popular nao pode ter o seu espaco e o seu valor?! Talvez a resposta seja por ser acessivel as pessoas, ao entedimento dessas e acabar com isso perdendo o charme de ser para os mais refinados e pomposos vista como arte. Penso que para poder se falar em arte deve-se ter a sensibilidade de conseguir apreciar essa, sem julgar de modo estanque o que eh realmente arte, e excluir sumariamente por nao se encaixar dentro de alguns padroes. Por tais motivo acho que a arte popular precisa ser vista como ela eh: arte. A arte deve ser vista como um todo. Abracos do seu leitor Alceu
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31/8/2002 | | |
10h03min | |
| Tambem nao entendo Evando essa babacao toda pelo popular, olvidando, outras coisas tao mais importante. Nao que ela nao tenha que ser colocada ou ter o seu espaco, muito pelo contrario, mas ter o espaco que realmente merece. Esses dias atras estava assistindo Tv com os meus filhos (eu sei que com a TV nao se pode esperar muito, mas...) e passou durante quase uma hora, em um programa que devia ser cultural, sobre algo que no juizo de valor deles era arte, "a tal da arte popular". Meus filhos assistiram comigo e sei que ali comecou a definicao para eles o que e arte. E dai, como comeco a falar de Shakespeare ou Manuel Bandeira para eles? Certamente, eles vao achar uma chatice. Eu acho que e possivel fazer um juizo de valor na arte e salva-la enquanto e tempo, pois muitos dos nossos filhos nao conhecerao as grandes obras e ficara um vazio enorme que certamente nao sera preenchido e fara com que eles nao entendam muita coisa nesse nosso mundo.Abracos. Francisco
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