COLUNAS
Segunda-feira,
2/9/2002
Paganini Diabólico
Nemo Nox
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Multidões pagavam preços exorbitantes para assistir as apresentações daquele músico magrelo e feioso. Comerciantes colocavam o nome do ídolo em produtos tão diversos como perfumes e botas. As turnês incluiam as cidades mais importantes da Europa, com destaque para Viena, Milão, Hamburgo, Paris e Londres, com lucros suficientemente grandes para que o artista ficasse milionário. Sem dúvida, o italiano Nicolò Paganini (1782-1840) foi uma espécie de popstar musical do século passado.
As apresentações de Paganini resumiam-se quase sempre a composições próprias, sons mágicos retirados do violino. O rosto esquálido contorcia-se, os cabelos negros cacheados agitavam-se, e o arco do violino fazia movimentos inalcançáveis para a maior parte dos músicos da época. Algumas vezes, pelo simples prazer de assombrar, Paganini sacava uma tesoura e cortava três cordas do violino, prosseguindo o concerto somente com uma, a corda sol.
As lendas não tardaram em aumentar o interesse por Paganini. Dizia-se que teria feito um pacto com o demônio para poder tocar daquela maneira, que as cordas de seu violino seriam confeccionadas com os próprios cabelos do diabo. Outra história dizia que sua habilidade vinha de anos de prática na prisão, condenado pelo assassinato da amante. Nesta versão, as cordas do seu instrumento seriam feitas dos intestinos da infeliz vítima. Algumas vozes tentavam diminuir o seu valor artístico, como o poeta irlandês Thomas Moore: "Paganini pode tocar divinamente, e algumas vezes realmente o faz, mas quando vem com seus truques e surpresas, seu arco em convulsões, sua música mais parece o miado de um gato agonizante." Os fãs, porém, eram mais numerosos e mais importantes que os críticos. Paganini foi escolhido para solista da princesa de Lucca, sagrado Cavaleiro da Espora Dourada pelo papa Leão XII, nomeado virtuoso da corte do imperador da Áustria, entre várias outras honrarias.
A obra-prima de Paganini, Veitequattro Capricci per violino solo, Op. 1, foi composta entre 1800 e 1810, e é um marco do romantismo. Não somente um exercício de virtuosismo, os caprichos são de uma beleza arrebatadora. A riqueza de recursos do instrumentista abriu muitas portas à criatividade do compositor, e Paganini usa todo tipo de idéias musicais nos caprichos. Combina movimentos de arco com pizzicatos, usa martellatos e stacattos, altera a afinação no meio da peça, e deixa-se influenciar por fontes tão diferentes como barcarolas venezianas, temas ciganos e contraponto barroco. Os vinte e quatro caprichos são ao mesmo tempo uma enciclopédia da arte do violino e uma deliciosa audição. E, para alguns, também prova de poderes diabólicos.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Nemo Nox é editor do blog Por um Punhado de Pixels e do site Burburinho, onde este texto foi originalmente publicado.
Nemo Nox
Washington,
2/9/2002
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