COLUNAS
Sexta-feira,
11/10/2002
Manuscritos perdidos
Nemo Nox
+ de 4500 Acessos
Você escreve um livro, passa parte da sua vida dedicado àquela obra, e então, vupt!, o manuscrito se perde. Esta tragédia é mais comum do que se pensa, não acontecendo somente hoje com escritores distraídos que não fazem backup do que digitam no computador.
O célebre dramaturgo Jean-Baptiste Molière (1622-1673), além de autor e ator de peças de teatro, era também um expert em cultura clássica, e passou alguns anos dedicando-se a uma tradução do livro Da Natureza das Coisas, do poeta latino Lucrécio. Molière era também um homem vaidoso, e não dispensava a peruca cacheada tão em moda na sua época. Um dia, porém, descobriu que seu criado vinha usando as páginas da sua tradução para fazer os rolos de papel necessários para manter a peruca em ordem. Enfurecido, queimou o resto das páginas e abandonou a tradução.
O polêmico poeta Lord Byron (1788-1824) escreveu uma autobiografia de quatrocentas páginas e confiou-a ao amigo Thomas Moore para que a publicasse depois de sua morte. Quando Byron faleceu, porém, Moore e John Hobhouse, outro amigo de Byron, resolveram queimar o livro em vez de o publicar, para poupar a família do poeta de um possível escândalo por causa do conteúdo da autobiografia. Byron deveria ter escolhido seus amigos com mais cuidado.
Num episódio do mesmo gênero, a esposa do falecido explorador e literato Sir Richard Burton (1821-1890) resolveu queimar sua tradução de The Scented Garden (O Jardim Perfumado), obra erótica árabe do século XVI. Apesar da oferta de trinta mil dólares (uma fortuna na época!) que recebeu pelo manuscrito, preferiu transformar tudo em cinzas, juntamente com as anotações e os diários do marido, reunidos em quarenta anos de viagens e pesquisas. Tudo em nome da moral e dos bons costumes.
Em 1919, T.E. Lawrence (1888-1935) já tinha completado oito dos dez volumes de seu Lawrence da Arábia. Numa viagem de trem entre Londres e Oxford, parou para tomar um café na estação de Reading. Lá deixou, esquecido debaixo de um banco, o saco que continha os manuscritos. Quando se deu conta e telefonou para a estação, alguém já tinha levado o saco. Os originais nunca apareceram, e Lawrence teve que recomeçar do zero. Os primeiros volumes só foram publicados em 1922.
John Steinbeck (1902-1968) estava quase no fim de seu manuscrito de Ratos e Homens quando seu cãozinho Toby resolveu roer o livro, deixando-o inutilizado. Steinbeck teve que reescrever vários capítulos, mas achou que isto só serviu para melhorar o resultado final. Quando o livro foi lançado e recebido com entusiasmo pela imprensa, ele anunciou que iria promover Toby à crítico literário.
Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Nemo Nox é editor do blog Por um Punhado de Pixels e do site Burburinho, onde este texto foi originalmente publicado.
Nemo Nox
Washington,
11/10/2002
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
Nôwo e mayúskulo akôrdo ortográphiko de Ana Elisa Ribeiro
02.
Bienal do Livro em Minas e o acesso à cultura de Pilar Fazito
03.
A fotografia cínica de Maurícius Farina de Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Nemo Nox
em 2002
01.
O apanhador no campo de centeio - 8/7/2002
02.
Dilbert - 7/6/2002
03.
Um Bonde Chamado Desejo - 22/10/2002
04.
Os Impossíveis - 11/9/2002
05.
Modelos de beleza - 28/10/2002
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|