Nick Hornby já é um grande ícone da cultura pop. Depois do tremendo sucesso de Alta Fidelidade, primeiro livro do autor que estourou no mundo todo (virando filme e peça de teatro), muita gente duvidou que ele passaria pelo teste do segundo livro. Hornby já provou sua capacidade em Febre de bola e Como ser legal. É verdade que ele ainda não conseguiu fugir do estigma de escritor pop, mas nem podemos saber se não é assim que ele quer ser visto.
Não vou cair na tentação de escrever uma lista sobre as coisas que gosto e desgosto em Hornby (quem não entendeu a piada precisa ler Alta Fidelidade urgentemente). Mesmo porque esta resenha não trata somente deste escritor. É que Falando com o Anjo é uma coletânea. E isto já é um ponto favorável para Hornby (droga, eu prometi que não ia fazer listas). Através deste livro organizado pelo inglês, é possível ter acesso a diversos outros escritores das ilhas britânicas que, de outra forma, não leríamos com facilidade.
Além do que, o livro é todo dirigido para uma boa causa: ajudar a escola Treehouse, dedicada a crianças autistas, onde o filho de Hornby estuda. Mas não espere contos chorosos sobre crianças, solidariedade e finais felizes. O organizador conseguiu reunir um excelente time de escritores, jornalistas e até um ator para esta experiência.
Agora, vamos dar uma pequena olhada em cada participante e na sua contribuição:
- Robert Harris, é cunhado de Hornby. Trabalhou como jornalista na BBC e no The Observer. No conto Depoimento ministerial é impossível não perceber a influência dos anos na editoria de política, mas recheado de muito humor. O autor mostra o depoimento de um primeiro-ministro que tenta explicar ao parlamento as peripécias que o levaram a atacar violentamente um jornalista opositor, depois de rodar por algumas horas pela cidade num carro roubado junto com uma garota menor de idade.
- Melissa Bank já teve trabalhos publicados em diversos jornais e revistas norte-americanos. Também publicou seu primeiro romance, The girl's guide to hunting and fishing (O guia de caça e pesca para garotas), inédito no Brasil. Seu conto, Bar maravilha, é uma bela peça sobre ciúmes e paixão entre uma mulher mais velha e um jovem músico. Uma relação que tem tudo para ser baseada no medo e na desconfiança, mas segue calma e feliz.
- Giles Smith é um ex-músico e jornalista. Recentemente, publicou uma coletânea com seus artigos. Consegue dar uma visão diferente à agonia do corredor da morte, através dos olhos da cozinheira que prepara as últimas refeições dos condenados. Estes podem escolher o que quiserem e isso mostra um pouco da psicologia de cada prisioneiro.
- Patrick Marber é dramaturgo, tendo escrito diversas peças encenadas em Londres. Em "Peter Shelley", ele conta como um dos momentos mais esperados e temidos da adolescência, a perda da virgindade, pode ser algo natural e inesquecível quando não há nada planejado.
- Um dos melhores contos foi escrito pelo ator Colin Firth. Ele participou, inclusive, de uma montagem baseada no livro Febre de bola, de Hornby. Em O Departamento do nada, Firth narra a forte ligação de um menino com sua avó contadora de histórias. Ele passa por uma séria mudança quando sua avó morre. E agora, quem terminará a história?
- A escritora Zadie Smith ganhou o prêmio Guardian pelo seu livro White Teeth. No conto Eu sou o único, mostra a estranha relação existente entre dois irmãos. A mais velha, candidata a cineasta, vive trancada num quarto, com depressão. Seu irmão mais novo tenta alegrá-la mostrando um dos seus melhores amigos, o mais alto de todo o colégio, mas acaba passando vergonha. Uma história simples mas cheia de significados.
- Dave Eggers é jornalista e editor. A Rocco promete para breve lançar seu primeiro livro no Brasil, "Uma comovente obra de espantoso talento". O autor, no texto "Após ser jogado no rio e antes de me afogar" (parece fã de títulos gigantes), encarna um cão que ama correr. Como esporte, hobby e meio de auto-afirmação. Em um dia de chuva ele, como diz o título, cai no rio e morre afogado. Apesar de ser uma boa narrativa, o final piegas quebra a força do texto. Além do que, com este título, é difícil esperar alguma surpresa na história.
- Helen Fielding é a mais conhecida participante desta coletânea junto com Hornby. Ela é a criadora de Bridget Jones. E seu livro O diário de Bridget Jones foi adaptado ao cinema. Fielding cria uma viagem psicológica de uma mãe que, bêbada, cai no chão do banheiro de sua casa. Impossibilitada de se levantar, ela repassa sua vida atrapalhada, cheia de orgias e bebedeiras, e sua relação problemática com a filha. O texto aparece como um desabafo, já que a mulher, sozinha e imóvel, chega a pensar, em alguns momentos, que está à beira da morte.
- Roddy Doyle é irlandês. Romancista, foi quem escreveu o livro The Commitments, base para o filme de mesmo nome. Também é roteirista. Num conto comprido chamado O escravo, mostra uma história de uma iluminação ao estilo zen. É isso o que acontece quando um pai de família encontra um rato morto no chão de sua cozinha. Lembrando-se de vários momentos no passado e compreendendo a importância de sua família em sua vida, ele começa a rever muitos dos seus valores.
- Irvine Welsh é o autor de Trainspotting, famoso filme que mostra o mundo das drogas britânico. Escreveu diversas outras novelas como Ecstasy, Glue e Porno. Em Culpa católica (No fundo você adora), Welsh mantém sua história no mesmo cenário de violência e fantasia que marcaram Trainspotting. Ele também trata de um tema atual: as denúncias de abuso infantil na Igreja. O personagem Joe é um homofóbico violento que se apaixona pela irmã gêmea de seu melhor amigo. Sua homofobia é resultado do abuso que sofreu quando era coroinha. Enquanto transa com a irmã do amigo, morre de ataque do coração. E é condenado por São Pedro a comer o rabo de todos os seus amigos e conhecidos, até gostar da coisa e deixar de sentir culpa.
- John O'Farrell estudou com Nick Hornby e já escreveu alguns romances. Ele mostra a triste trajetória de um mímico que vê sua arte, seu prestígio e seu dinheiro, desaparecerem aos poucos. É a falta de compreensão que todo artista enfrenta, principalmente quando sua arte é menosprezada. Esta é a história de Caminhando contra o vento.
Finalmente, o próprio Hornby conta a estranha relação entre um segurança de museu, uma artista e um quadro pornográfico. Frente a uma obra que mostra Jesus criado a partir de minúsculos recortes de seios, o segurança começa a tornar-se um pouco dono da obra, ainda mais depois de conhecer a artista plástica que o criou, nutrindo um estranho "triângulo amoroso". Certamente, Jesusmamilo (isto não é um erro de grafia) é o melhor texto do livro, com um Hornby mostrando as esquisitices das relações humanas e os truques baratos que a vida prega em todos nós.
Sem querer me alongar mais, é interessante notar como é grande a relação entre literatura e cinema na Inglaterra. Na verdade, o ressurgimento do cinema britânico nos anos 90, influenciou e foi influenciado fortemente pela literatura. Mas este tema deve ficar para uma próxima vez.
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