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Quarta-feira, 18/12/2002
Mary McCarthy
Helena Vasconcelos
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+ 1 Comentário(s)

New York, ou mais propriamente Manhattan, a que, um dia, há já muito tempo, Dawn Powell chamou "a ilha feliz" , é uma estrela brilhante, musa de artistas, cenário de vidas turbulentas, trágicas, impetuosas e plenas de rasgos criativos. Nesse palco mágico que reflecte os sonhos e os grandes pesadelos, é fácil ouvirem-se vozes de incontáveis narradores que na pintura, no jornalismo, na fotografia, na literatura, na vida social, (de Edith Wharton a Dorothy Parker, passando pela quase esquecida Isabel Bolton), ardentemente reproduziram e viveram esse ambiente vibrante e enérgico, contribuindo para o mitificarem e tornando-se, elas próprias, parte do mito..

E, evidentemente, houve Mary McCarthy.

Mary McCarthy é, talvez, uma figura pouco conhecida mas exerceu uma profunda influência na mente colectiva americana. Dela, o que se diz é que teve uma vida "escandalosa", desenvolveu uma amizade forte com essa grande figura do pensamento que foi Hannah Arendt e manteve um longo litígio com Lillian Hellman que durou até à morte desta última.

Mas McCarthy não se tornou uma das escritoras e pensadoras americanas mais importantes do século XX, apenas por causa destes "fait divers". Apesar de ter nascido no seio de uma família abastada, as suas primeiras experiências de vida foram dramáticas. Quando tinha seis anos, o pai e a mãe morreram num intervalo de vinte e quatro horas, vítimas de uma epidemia de gripe espanhola. O estilo de agradável que levara até aí, em Minneapolis, desapareceu para sempre. Ela e os irmãos, entregues pelos avós paternos, que eram católicos, ao cuidado de uns tios que lhes deram condições verdadeiramente "dickensianas", passaram cinco anos de verdadeira tortura até à salvação, na pessoa do avô materno, que era protestante e casado com uma judia. Em Seattle, onde passaram a viver, Mary ingressou num elegante colégio católico privado, onde rapidamente se transformou numa "raridade". O seu comportamento e desempenho levaram uma das freiras a fazer a seguinte apreciação da sua precoce aluna: "É exactamente como Lord Byron: brilhante mas pouco consistente".

VASSAR COLLEGE E NEW YORK
Mary foi uma adolescente rebelde que tinha poucas amigas, o que não é de admirar, uma vez que fazia troça de quem não soubesse responder nas aulas e mantinha sempre um ar de inequívoca superioridade. Mais tarde, quando mudou para a escola pública, perdeu a fé e decidiu-se por uma "vida livre" e pela viagem para leste, para o muito sofisticado e "moderno" Vassar College, onde a nata das mulheres americanas aprendia a pensar pela própria cabeça.

A 21 de Junho de 1933 casou com o actor John Johnsrud mas foi sol de pouca duração. Mary, que admitiu francamente ter sido infiel ao marido e que conhecera entretanto John Porter, ao lado de quem marchara no desfile comunista do 1º de Maio, em 1936, pediu o divórcio e iniciou a sua carreira literária no meio efervescente de Nova Iorque antes da segunda Grande Guerra, enquanto, segundo as suas próprias palavras, "dormia com tantos homens que não conseguia contá-los". Para uma mulher que perdera a virgindade aos catorze anos, no banco de trás de um atrelado, essa era a oportunidade para experimentar a liberdade sexual em pleno. Há quem diga que Mary, num estilo muito semelhante ao que mais tarde será aproveitado por escritores dos anos oitenta para descreverem o ambiente literário nova-iorquino (como Jay McInerney ou David Leavitt), ganhou o seu lugar ao sol graças "às camas por onde passou". No entanto a sua capacidade intelectual evidenciou-se rapidamente em vários sectores do universo cultural americano. Ela esforçou-se e trabalhou arduamente para que reparassem nela: desejava ardentemente ser admirada e, como já acontecera em Vassar, a sua grande preocupação era a de ser notada, de sobressair entre iguais. Tinha a certeza de que, depois disso, tudo viria por acréscimo. De acordo com as suas próprias palavras, o que lhe importava não era a fama mas sim que fosse "amada por toda a gente". Nunca esqueceu um conselho de uma das suas orientadoras em Vassar: "Aprende a viver sem amor se quiseres viver com amor", um conceito que, para ela, lhe fornecia uma perspectiva inteiramente nova de ver o problema. No seu famoso conto "The Man In The Brooks Brothers Shirt" , McCarthy conta como uma mulher, muito semelhante a ela própria, acaba por ter relações sexuais com um desconhecido, depois de uma noite de embriaguez. Quando acorda não se recorda da forma como chegou aquele estado e experimenta uma horrível sensação de humilhação e perda.

Naomi Wolf na sua obra de análise das manifestações sexuais femininas na infância e juventude, "Promiscuities" faz uma referência alargada à obra de Mary McCarthy que, à semelhança de Simone de Beauvoir, Elizabeth Barrett Browning, Doris Lessing, entre outras, recorda a sua iniciação sexual como uma experiência que implica um "esquecimento", uma perda de consciência que ela acredita ser típica do sexo feminino. Esse "criar de um vazio" na memória que estará relacionado com uma tentativa mais ou menos consciente de apagar uma recordação desagradável ou, pelo menos, incómoda, é passível de ser encontrado em obras como "Memories of a Catholic Girlhood" (1957) ( um relato em forma de autobiografia) e, mais tarde em "The Group" (1963), sob a forma de romance. Esta obra, de cariz mais sociológico do que propriamente ficcional, baseia-se nas experiências na Universidade de Vassar e foi considerada como um retrato muito interessante de uma determinada sociedade, embora tenha sido criticada por alguns que a consideravam como um relato cheio de mexericos, desordenado e com o único intuito de chocar os leitores. Grande parte de "Memories of a Catholic Girldhood" apareceu originalmente na revista "The New Yorker", que encorajava grandemente a escrita de memórias durante os anos cinquenta. Trinta anos depois, um outro relato autobiográfico, "How I Grew" cobria mais ou menos os mesmos anos, de uma forma mais factual. (Na altura da sua morte, em 1989, McCarthy estava a trabalhar noutra autobiografia, "Intelectual Memories" ( publicada em 1992) que continuava a sua própria história, a partir do momento final de "How I Grew", focalizando, especificamente, as suas experiências sexuais.

"THE PARTISAN REVIEW"
As características conflituosas e até contraditórias dominantes da personalidade da escritora causavam-lhe algum desiquilíbrio que ela tentou compensar, levando muito a sério a sua conversão política, ao mesmo tempo que começava um romance com Philip Rahv, o editor em chefe da "The Partisan Review", a revista iniciada em 1934 e que mais influência teve no pensamento norte-americano durante três décadas e a cujas fileiras ela passou a pertencer, como crítica de teatro. As suas crónicas elegantes, sofisticadas e virulentas, cedo se tornaram imprescindíveis para a continuação do êxito da publicação.

David Laskins em "Partisans:Marriage, Politics and Betrayal Among New York Intelectuals" (Simon & Schuster) centraliza a acção nas mulheres da "The Partisan Review" e fala repetidamente de Mary McCarthy, de Elizabeth Hardwick e de Jean Stafford e aproveita para formular a seguinte questão, não isenta de preconceito: "O que é que acontece quando mulheres escritoras, ambiciosas e inteligentes, casam com homens escritores, inteligentes e combativos? Resposta: livros bons e casamentos maus." Laskins, que analisa detalhadamente as relações entre os membros desse grupo fechado e elitista, mostra o tipo de atmosfera que criaram e como devem ser apreciados e analisados uma vez que foram um complemento indispensável para a compreensão da personalidade, vida e obra de McCarthy. Dentro da redacção da "Partisan Review" as relações eram bastante íntimas e a opinião pública apelidava as pessoas que lá trabalhavam de "aventureiros e aventureiras sexuais". Para que conste, Stafford e Hardwick, partilharam o mesmo marido, o poeta laureado Robert Lowell, e, por sua vez, McCarthy e Hardwick foram ambas amantes do editor Philip Rahv. Foi este que enviou Mary a Edmund Wilson com a missão de o convencer a escrever para a revista. Mary conseguiu-o e, entretanto, fez de Wilson seu amante. Tinha vinte e cinco anos e Wilson quase o dobro. No dia em que se conheceram ela envergava uma estola de pele de raposa e um vestido preto coleante, um vestuário mais próprio para um casamento do que para uma reunião num escritório bafiento de uma revista. Mas o efeito foi profundo e duradouro. Mary largou Rahv e casou com Wilson, formando um dos casais mais "malditos" da época. Edmund Wilson, o grande amigo de Scott Fitzgerald, o crítico mais importante da sua geração, revelou-se como um "monstro", parte "minotauro, parte barba-azul", cujo fascínio, apesar da sua figura (era gordo, rubicundo) era sentido por todos os que com ele privavam.

A "The Partisan Review" era um espaço muito especial, onde se desenvolviam opiniões e ideias e que só acolhia no seu seio gente muito especial, com convicções profundas e liberdade de espírito, sem quaisquer preconceitos ou receio de se manifestarem contracorrente. Mas foi Mc Carthy que disse numa entrevista : "Não existe nunca uma igualdade real nas relações de sexo- há sempre um que ganha." Na realidade, entre pessoas com um sentido de carreira tão forte e com ambições literárias tão avassaladoras, a rivalidade feroz foi a tónica dominante. Nos casamentos, os homens praticaram activamente a bigamia, provocando uma pressão tremenda no ambiente familiar. Quanto às mulheres que, ainda por cima, tinham de lutar contra as convenções sociais e se comprometiam com grande força e engajamento político, para além de serem escritoras, havia a tarefa de serem "esposas" e, por vezes mães. Stafford bebia e tinha crises de depressão, Hardwick resistia a tudo com feroz determinação, (o que não evitou que fosse afastada, por fim) e Mary mantinha inúmeros "affairs" e divorciava-se. No final da sua vida, Mary, numa espécie de acto de vingança, entreteve-se a redigir "checklists" das características dos homens com quem tivera relações sexuais ( que incluíam o homem com o qual ela perdeu a virgindade, condutores de camiões e barmans, para além do grupo dos intelectuais nova-iorquinos ), completos com notas comparativas das dimensões do seu "equipamento" ( "diferenças interessantes e espantosas no que diz respeito ao comprimento e à solidez", sic). McCarthy afirmou que, ao todo, deve ter tido mais de cem amantes que incluíram os seus quatro maridos, dos quais o mais importante foi, sem dúvida, Edmund Wilson. Este, obrigou-a a escrever, chegando a encerrá-la num quarto e a exercer violência sobre ela. Parece não haver dúvidas quanto ao facto de que, passados quatro meses de casamento, quando Mary já estava grávida, foi agredida por Wilson que lhe pôs um olho negro e a internou numa Clínica, com a desculpa de que ela era um caso psiquiátrico grave. Ela resistiu às suas exigências para que fizesse um aborto para, em troca, concordar em depositar todo o seu dinheiro na conta dele. Wilson afirmou que ela destruíra alguns dos seus papeis, pegando-lhes fogo. Várias testemunhas afirmam que Mary sofreu todo o tipo de humilhações e foi sujeita a uma terrível escalada de violência, que incluía noites de feroz conflito com sangue espalhado pela casa e "um rasto até à cama", segundo testemunhos. Se ela aguentou durante uns tempos foi, de acordo com a opinião de amigos, porque "queria batê-lo no seu próprio terreno, ao seja, no da escrita". Para além disso, Wilson era um amante capaz que excitava a fria e pouco sensual Mary. Nos diários de Wilson, há descrições explícitas das técnicas que utilizava, como por exemplo: "uma rotação contínua e suave com a minha língua , no interior dos seus lábios que a fazia ter orgasmos. Depois dobrava-lhe as pernas por cima da cabeça e penetrava-a." (Janeiro de 1943). Mas, no final, a pressão foi demasiado grande e o divórcio negociado, embora tivesse sido tudo menos pacífico. Mary saiu endurecida da contenda, ainda mais fria e analítica. "Quando Mary nos afagava o braço, era sangue o que jorrava dessa carícia" disse a escritora Eilleen Simpson. A sua intransigência tornou-se lendária, muita gente tremia sob o seu olhar inquisidor e impiedoso e, ainda hoje, as suas opiniões acerca das ortodoxias, cultos, seitas e facções dos anos 30 e 40 são consideradas como autoridade máxima. Nada escapou ao seu criticismo ácido, nem o comunismo nem os múltiplos movimentos feministas. Órfã, mulher, sem fortuna pessoal nem segurança de nenhuma espécie, ela aprendeu que a perspicácia e a inteligência eram as suas únicas armas de defesa. A rapariga que fora agredida pelo tio com lâminas de barbear por ter ganho um prémio na escola tornou-se finalmente numa mulher segura de si que defendia ferozmente a sua liberdade física e de pensamento, não se coibindo de expressar as opiniões mais contundentes, através do meio que lhe conferia um poder muito especial: a escrita.

MARY McCARTY E O SEU TEMPO
Para compreender a posição de McCarthy é necessário situá-la no tempo específico. Nos finais dos anos vinte e princípios dos trinta, o grupo de intelectuais que incluía nas suas fileiras nomes como Sidney Hook, Lionel Trilling, Philip Rahv, Meyer Shapiro, Harold Rosenberg, Lewis Coser e Clement Greenberg tornaram-se cada vez mais politizados. A maior parte deles crescera no ambiente pobre dos bairros judeus e comungavam dos mesmos ideais. Quase todos apoiaram o socialismo soviético até meados dos anos trinta. Depois dos processos de Moscovo de 1936, as suas convicções foram abaladas pela crescente natureza anti-democrática do Estalinismo com as perseguições a intelectuais, os assassínios e traições. Transformaram-se, então, naquilo a que eles próprios chamavam de "radicais independentes" (os Estalinistas chamavam-nos "trotskystas").

Mary McCarthy, como mais tarde Norman Mailer e Saul Bellow, utilizavam as suas críticas e ensaios como meios para veicular as suas opiniões; revistas como "The Partisan Review", "The New Leader", "Dissent", "The New York Review of Books", "The New Criterion", e, mais tarde, por volta dos anos cinquenta, "Commentary", dirigido por Ellliot Cohen a cujas fileiras se juntaram personalidades como Hannah Arendt, Diana Trilling e Alfred Kazin, funcionavam como quartel-general de escritores que se interessavam mais pela crítica do que pela arte e eram treinados para colocarem de parte ilusões ou ficção para se concentrarem no debate de ideias que escalpelizavam para criar polémicas. Não tinham tempo nem disponibilidade para a ficção, a poesia, a pintura. Interessava-lhes criar uma escola de criticismo e o grupo lutava por "uma combinação de cultura e política que resistisse ao totalitarismo de qualquer política, pela combinação de elementos morais e culturais que conseguissem iludir qualquer tipo de absolutismo moral que eles desprezavam".

Foi talvez essa a razão pela qual surgiu o longo e destrutivo litígio entre McCarthy e Lillian Hellman. McCarthy afirmou numa entrevista televisiva que Hellman era uma autora mentirosa, desonesta e sobrevalorizada, acrescentando que "...tudo o que (ela) escreve é mentira, incluindo as palavras 'e' 'mas' e 'o/a'". Hellman iniciou um libelo contra Mary que durou quatro anos até à morte da autora de "The Little Foxes" e fez movimentar uma verdadeira industria nos "media". Figuras conhecidas como Norman Mailer, Jason Epstein, Diana Trilling, Saul Bellow, Susan Sontag e Stephen Spender, entre muitos outros, contribuíram para alimentar a polémica. Mary nunca se esquivou às controvérsias nem tão pouco hesitou em expressar as suas opiniões. Para além do apoio a Hannah Arendt, fez campanha contra a Guerra do Vietname, tendo voado até Hanói para exprimir a sua simpatia pelos Vietcongs, e atacou violentamente os "mitos e misérias do feminismo". Fez comentários pouco lisonjeiros a figuras da envergadura de Sartre e Simone de Beauvoir e escreveu sobre Veneza e Florença, "cidades que não resistiram aos seus ataques".

A sua reputação consolidou-se na época imediatamente a seguir à Segunda Grande Guerra quando a "The Partisan Review" a acolheu de novo e ela estava casada com Bowden Broadwater (a quem Simone de Beauvoir chamou "um marido insignificante") e tinha recuperado os hábitos de citadina intelectual em Nova Iorque. Bowden desempenhava o papel de dona de casa, cozinhava e tratava do pequeno Reuel enquanto Mary escrevia, viajava e se dedicava a múltiplas causas políticas, sociais e intelectuais. A sua fama estava solidamente estabelecida no início dos anos cinquenta, principalmente depois da publicação, em 1955, de "A Charmed Life" que a elevou ao nível de Jane Austen e George Eliot.

MARY McCARTHY E HANNAH ARENDT
"A maior falácia é a que pretende que a Verdade se apresenta como um resultado no final de um processo do pensamento; pensar é sempre algo que não tem resultados. Esta é a diferença entre ciência e filosofia; a ciência obtém resultados, a filosofia nunca" escreveu Hannah Arendt a Mary McCarthy numa das múltiplas cartas que fazem parte de um volume de correspondência absolutamente notável.

A novelista e crítica de Seattle e a filósofa de origem alemã, encontraram-se pela primeira vez num bar em Manhattan, em 1944, através de amigos comuns e trocaram ideias por carta até à morte de Arendt. O pretexto foi uma nota de apreço escrita por Hannah pelo romance satírico de Mary "The Oasis". As duas mulheres eram conhecidas por possuírem um intelecto formidável e, na realidade, a amizade que as uniu foi algo de extremamente gratificante. Durante a crise maior de Hannah, quando o seu livro "A Report on the Banality of Evil" suscitou uma acesa controvérsia por acharem que ela culpava mais as vítimas do Holocausto do que Adolf Eichmann, o chefe da GESTAPO para os assuntos judaicos, McCarthy levantou-se em defesa da sua amiga, escrevendo artigos a defenderem os pontos de vista de Arendt. Mary McCarthy foi uma espécie de mentora de uma geração de mulheres que lhe admiravam a força, a capacidade para escrever "melhor do que ninguém" e uma total liberdade, tanto física como intelectual. McCarthy possuía, não só uma inteligência fora de comum como também um "ego" formidável. Apesar de ser mulher não abordava nenhum dos temas tradicionalmente "femininos" e escrevia sobre si própria sem o mínimo de complacência e sem os sentimentos de altruísmo ou de sacrifício que pareciam apropriados às mulheres. É importante frisar que McCarthy se assumiu como uma artista que "trabalha" e o seu "trabalho" consistia em controlar a sua própria experiência, não só para a converter em "mito" mas também para comentar a sua fabricação desse mesmo mito através da crítica.

OS ÚLTIMOS ANOS
No início dos anos sessenta, Mary conheceu o seu quarto e ultimo marido, James West, um diplomata americano que a acompanhou para o resto da vida e manteve um fascínio absoluto pelo "glamour" que parecia segui-la por todo o lado. Finalmente livre de preocupações financeiras, Mary dedicou-se de alma e coração à escrita e a uma vida bem sucedida, a que não faltavam jantares, recepções e inúmeras intervenções em debates, colóquios e conferências.

Mary morreu no dia 25 de Outubro de 1989 depois de um mês no hospital, durante o qual foi mantida viva artificialmente. O cancro da mama que a devorava tinha alastrado para os pulmões. Quando, em 1979, numa entrevista lhe perguntaram se a escrita tinha sido, para ela, uma compensação pelas múltiplas perdas, ao longo da sua vida, ela respondeu: "Essa espécie de material psicoanalítico não me diz nada e serve apenas para retirar todo o mistério das nossas experiências e para subentender que possuímos um tipo de conhecimento que na realidade não temos". Por detrás de uma atitude considerada por muitos como desapiedada e fria, escondia-se um conhecimento profundo, irónico e lúcido de si própria e do mundo.

Bibliografia: "SEING MARY PLAIN. A LIFE OF MARY McCARTHY" , Frances Kiernan, W.W. Norton & Company, New York. London, 2000

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Publicado originalmente na Revista Storm, editada por Helena Vasconcelos em Portugal. (Foi mantida intacta também a grafia original.)


Helena Vasconcelos
Lisboa, 18/12/2002

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
18/12/2002
14h07min
Se na época de T.S. Eliot sentia-se como nunca que o homem havia perdido a grandeza, imagine nossa situação: se ser ególatra em nossos tempos é condição sine qua nom para se ser alguém! Nossa capacidade de compreender está na reserva: “não pode ouvir: porque quer falar”. ( Nietzsche ). Porque exaltar a fama póstuma na figura de apenas uma mulher indisciplinada, degenerada e acometida por rompantes de cio? É isso que a pode tornar digna de memória, sua sexualidade exacerbada? Se não, o que então? Mas O QUE ela produziu? Pessoas que querem viver o “glamour” são chatas, intrometidas e ansiosas. Mary McCarth, E. Wilson & Cia representam aquilo que Luckács chamou de o “carnaval do fetiche interior”. Também sintetizam muito do que há de tacanho e pequeno-burguês em termos de cultura, com a devida coloração da sobriedade pomposa característica do ambiente norte-americano. E. Wilson, atrás de seus ensaios românticos e dos relatos idiotas de suas experiências sexuais e “Mary”, a pop star “Madona” de sua época, não formam um lindo par de animais empalhados?
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