COLUNAS
Terça-feira,
7/1/2003
Qual o destino da música instrumental brasileira?
José Maria da Silveira
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Apesar da ausência de espaço para divulgação da música instrumental, alguns poucos artigos tratam do assunto com um forte tom autoral, a partir das preferências ou do conhecimento particular de quem os escreve. Em geral os artigos são saudosistas e quase todas apresentam um forte viés carioquista. Discutem a música instrumental do passado, relembrando a importância do baterista Edson Machado, Rafael Rabelo, Luizinho Eça, Victor Assis Brasil ou de João Palma. Revivem influências perdidas no tempo, algumas realmente importantes, como o caso do Maestro Moacir Santos e o magnífico "Ouro Negro", outras nem tanto, como Tamba Trio ou do Quarteto Novo. "Eu ouço pessoas mortas", diz o menino do filme "Sexto Sentido". Este é o mote desses artigos. Ao mesmo tempo, passam a impressão de que nada está acontecendo: os jovens se afundaram no narcisismo, na postura individualista, no ruído, na preguiça e talvez nas drogas, diz sobre quase todos os assuntos nossa elite pensante, inclusive a musical carioquista. Enquanto isto, a imprensa e a máquina do mundo inventam tendências e influências.
Todavia, o carioquismo me veio à mente pela mão do Robinho do violão, o gaúcho Yamandú. Disse que não gostava de Sampa, pois lá era mais Jazz. Ouvi curioso, pois apesar de saber que Tom Jobim é a referência e não a bossa nova, o que ocorreu em São Paulo desde os anos oitenta (Lira Paulistana) é justamente o oposto: buscou-se de forma persistente um novo que combinasse o talento e a enorme competência de músicos com sólida formação técnica, com música de todo o tipo, inclusive jazz.
Fez-se Música das palavras, na experiência do grupo Rumo; música atonal e teatral, com Arrigo e muitos hermetismos pascoais (Zabembum-á, o disco básico da música instrumental deste país). Buscou-se aprimorar os hits de Egberto (Frevo, Raga, Baião Malandro) e principalmente, incorporar de forma criativa a música regional e aí é que Tom Jobim está presente, com Matita Perê e Urubu, seus discos mais criativos. Paulista é a música com ares exotéricos do Mané Silveira e o Bonsai Machine; a new age sofisticada e Ulisses Rocha (Água) - ainda que venda mais nos EUA - como também o chorinho ragtime de Silvério Pontes e Zé da Velha.
Guinga é a referência central nessa discussão. Em seus 5 discos (e mais um maravilhoso da Leila Pinheiro, parece que rejeitado por ela), Guinga introduziu várias músicas de morro malandro para "disfarçar" sua forte filiação ao que se faz em Sampa. Nada mais Guinga que Mônica Salmaso e o grande violonista Paulo Bellinati. Nada mais Teco Cardoso e Ulisses Rocha que Guinga. Filho de Hermeto e Guinga, paulista é o quarteto Maogani. O argentino Nelson Aires é carioca quando reverencia Tom Jobim em suas zambas e rancheiras jazzisticas.
Em 2002 recebemos na Estação Santa Fé - uma pizzaria com boa música em Campinas - o grande Paulo Moura e veneramos seus solos acompanhados por músicos locais. Reverenciamos o Cd de Carlos Malta e a Minas Gerais de "Todo Coreto". O Quinteto Villa Lobos tem até um oboé piracicabano no meio para que se confunda com o "Sujeito a Guincho" do Luca Raele. Grande paulista é o paraense Waldemar Henrique e seu caboclinho falador. Cartola paulista o é nas versões jazzisticas de Leni Andrade e seus excelentes acompanhantes cariocas.
Apesar dessa forte circulação musical entre os profissionais, a maioria dos músicos e principalmente os menos conhecidos, se apresentam apenas em sua área de influência. Os discos são divulgados ouvido a ouvido, em função de contatos pessoais. Conversando em uma viagem com uma professora da UFF (Niterói) notei que tínhamos vários gostos em comum: ela e o marido também adoravam violão e como eu, admiravam o duo Barbieri-Schneiter. Só que ela nunca havia ouvido falar de Paulo Bellinati e consequentemente em Monica Salmaso. Que dizer de Ivan Villela, Paulo Freire e do Grupo Ânima...
Como morador de um bairro ao lado da Unicamp devo ficar satisfeito em saber que músicos fantásticos como Rafael dos Santos, Paulo Freire, Ivan Vilella e o genial Marcelo Onofri se apresentam em Campinas? Que tenho o privilégio de ouvir Isa Taube ou Bel Padovani cantar maravilhosamente em um teatro improvisado em um bairro de Barão Geraldo, pela boa vontade, amor à musica e voluntarismo do Álvaro Tucunduva? Como economista me restaria aceitar que existem pólos de música instrumental de respeito e que seria como um tipo de arranjo produtivo local que permitira ao Grupo Ânima vender 35 mil discos e não ser conhecido no Brasil? Mas vender é o ponto? O ponto é minha tristeza em saber que um contingente enorme de admiradores de boa música estão sendo privados desta experiência e que eu tenha que conhecer um grupo de Brasília pelos meus amigos que trabalham no governo.
Não queremos que Mônica Salmaso vire superestar pop, tire o espaço da neo-convertida a cantora Maria Rita e repita os mesmos "sem roteiro tristes périplos". Queremos que ela cante Dori e Dorival por que sua voz foi feita e desenvolvida para brilhar com eles. Queremos que cante Guinga, Marcelo Onofri, Benjamim Taubkin e não uma composição recauchutada que o Duda Mendonça do ramo indique. Menos ainda queremos que ela abandone tudo, que o Paulo Bellinati mude para os Estados Unidos, que Marcelo Onofri volte para Viena e que o Ânima toque nas Universidades Americanas, perdendo o elo com Nelson da Rabeca ou com o Urucuia. Fundamentalmente, não queremos que percusionistas do brilho de um Caito Marcondes e sanfoneiros como Toninho Ferraguti tenham necessidade de emprestar seu talento para dar respeitabilidade aos sertanejos-pop e pagodeiros.
A solução para o dilema "pop ou morte" está em ligar esses mercados e criar novos: Brasília, Rio, São Paulo e Campinas são o centro de tudo. Curitiba, Ribeirão Preto, Porto Alegre, Belém, locais não sufocados pelo máquina de devorar regionalismos - sabemos do que falamos, não é Ministro Gil? - os caminhos de expansão. Salvador espera, mas Fred e seu chorinho bahiano estão lá para garantir a conexão.
Quais os veículos? Cartas para a redação.
José Maria da Silveira
Campinas,
7/1/2003
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