Juro que procurei por pessoas que tivessem visto o filme Chicago.
Amigos, colegas de trabalho, familiares. Uma das minhas companheiras de
escritório, geralmente fanática por cinema, me explicou, torcendo o nariz,
por que não havia visto ainda: "Ah... musical... Não é minha praia". Já para
meu irmão, aí no Brasil, eu nem preciso perder tempo perguntando. Uma vez,
notando minha paixão pelo querido Fred Astaire, e minha mania de colecionar
vídeos de seus filmes da RKO dos anos 30, me disse: "Não agüento esse
negócio deles pararem a ação para sair cantando. Que coisa chata!".
Curiosamente, Astaire voltou com força total à minha vida no final do ano.
Comprei um dos últimos filmes dele que ainda não havia visto daquela era de
ouro com Ginger Rogers, Carefree (1938). Guardei com carinho a fita
para assistir assim que termine de rever todos outros que já tenho,
incluindo Top Hat (também de 1938), que nem lembrava mais que começa
com o passeio de Astaire e Rogers de carruagem pela Whitehall, seguindo pela
Westminster Bridge e desembarcando no Battersea Park (ou será algum green em Wimbledon?) A chuva no parque é a deixa para Isn't it a Lovely Day?
Oh, Deus, que coisa boa. Foi a primeira vez que revi o filme desde que
passei a morar aqui e, acredite, me fez muito bem. Deu vontade de dar um
beijo em Londres.
Para este ano, em que Chicago, seguindo a trilha de Moulin Rouge,
concorre à consagração nos Globos de Ouro (oito indicações) e provavelmente
na festa do Oscar, cabe uma comemoração paralela para o gênero. Pouca gente
deve ter lembrado, mas foi em 1933, há exatos 70 anos, que Fred Astaire e
Ginger Rogers encarnaram pela primeira vez o casal de dançarinos mais famoso
da história do cinema. Foi em Flying Down to Rio, em que os dois nem
são as estrelas, mas roubam a atenção, ofuscando até mesmo a pirotecnia do
show de dança em aviões, em pleno ar, no final do filme. Nestes 70 anos, o
espírito de Astaire foi morto e enterrado, e mesmo que haja tolos como eu
que ainda o recordem, provavelmente a maioria dos jovens do planeta nunca
ouviu nem ouvirá falar dele. E se ouvir, será como eu ouvi falar de
outras estrelas do passado: Rodolfo Valentino, Gloria Swanson. Nada mais que
nomes, embalagens sem significado, apenas emaranhados de letras sem sentido.
A questão é: o musical que se vê no cinema hoje - o musical badaladíssimo
que entrou em voga no ano passado com a obra prima de Baz Luhrmann, Moulin
Rouge, e neste ano prossegue com Chicago - faz juz, ou representa uma
continuidade da arte de Astaire e Gene Kelly?
Certamente, a essência está lá. Chicago seria o primeiro musical de
sucesso na Broadway e no West End a tomar as telas do cinema e também fazer
sucesso desde Grease, em 1978. Muitos acreditam, ignorando o sucesso
de Moulin Rouge no ano passado, que o filme deste ano, com Richard
Gere, Renée Zellwegger e Catherine Zeta-Jones, tem tudo para ser o musical
mais bem-sucedido na noite do Oscar desde Cabaret, que deu o Oscar de
direção a Bob Fosse em 1973. Alguns porquês para as previsões otimistas: os
críticos aqui na Grã-Bretanha - e eu concordo com eles - acham que Gere,
Zellwegger e Zeta-Jones superam as expectativas nos seus respectivos papéis.
Um musical é obviamente muito mais do que um filme normal, na medida que os
atores têm que cantar, dançar... e acho que eles até se dão bem cantando e
dançando. Talvez Gere e Zeta-Jones tenham tido mais facilidade, afinal,
chegaram a fazer musicais no início de suas carreiras. Mas... Zellwegger?!
Uma missão improvável para a ex-Bridget Jones, que corria o risco de ser a
eterna Bridget Jones e provou que é mais do que dietas e cotas diárias de
cigarros.
Uma coisa ajudou a atriz. Ainda na seção "você sabia que...?", é realista
pensar que Zellwegger deve ter feito sua lição de casa e assistido a
primeira versão cinematográfica de Chicago, de 1928, estrelando
Phyllis Harver (alguém aí já viu esse filme?). E também o filme Roxie
Hart, de 1942, estrelado por Ginger Rogers e baseado na história de
Chicago. (E esse? Alguém pode me emprestar para eu assistir no vídeo?)
Na forma como a música e a dança se encaixam na narrativa da atual produção
que começam as grandes diferenças em relação aos musicais do passado. A
direção de Chicago ficou a cargo não de um diretor de sucesso de Hollywood, mas de um coreógrafo de musicais da Broadway, Rob Marshall. Aparentemente ciente
de suas limitações, ou buscando uma forma de tornar mais palatável para
pessoas como meu irmão a falta de sentido de uma pessoa cantando no meio de
um momento dramático da história, Marshall decidiu transformar os números de
dança em momentos de delírio do personagem de Zellwegger. Com isso, a dança
pode ser mostrada mais ou menos como é no teatro. Nos musicais antigos,
tinhamos a ação levando naturalmente à dança, ou longos e longos minutos em
que a dança levava à dança.
Em termos de roteiro, nada muito excitante, o que se encaixa no que sempre
foram os musicais - a história importa menos que a forma em que é contada. A
grande diferença é que, se antes tínhamos em quase todos os filmes do gênero
um componente inegável de celebração, de alegria, de otimismo, em Moulin
Rouge o sentimento predominante era a luxúria, o exagero, e em
Chicago, o cinismo. Uma sombra paira sobre os personagens de
Chicago durante todos os 113 minutos da produção. Roxie Hart
(Zellwegger) e Velma Kelly (Zeta-Jones) são assassinas, Billy Flynn (Gere) é
um advogado espertinho, e os atores parecem estar às vezes mais preocupados
em cantar e dançar bem do que em colocar um pouco mais de credibilidade em
seus personagens. Por isso, acho eu, o cinismo dos personagens acaba sendo
mais exacerbado. Acho que a melhor comparação seria com o trabalho dos
atores de Guerra nas Estrelas (1977). Na época, nenhum deles imaginava que
o filme ia estourar. Imaginava-se que não era algo para se levar muito a
sério (esse negócio de Força e cavaleiros Jedi, afinal, é uma grande
palhaçada), mas, no final, isso provocou uma certa leveza que acho que não
conseguiu ser repetida na atual trilogia ne Anakin Skywalker.
O cinismo, depois de Guerra nas Estrelas, virou sinônimo de "ter
personalidade" para muitos atores de Hollywood. Mas certamente isso não é
verdade. Talvez a fórmula até já esteja gasta, assim como provavelmente foi
gasta há muito tempo a fórmula de alegria e romance dos musicais mais
antigos. Em Flying Down to Rio, Astaire e Rogers se sobressaem com
seu encanto e ofuscam o estranho espetáculo de dança aérea no final. No ano
passado, Moulin Rouge e seus efusivos efeitos visuais se sobressaem
aos atores - você consegue lembrar de alguma música que eles cantaram
naquele filme? Eu não, só lembro que o filme me deixou tonto de tanta cor e
imagens sobrepostas. Em Chicago, o que vai ficar na memória? O visual
art deco e as pernas das atrizes? Triste forma de lembrar um filme.
Por isso gosto de Woody Allen: é a personalidade do diretor que está lá. Por
isso gosto de Fred Astaire: era a personalidade dele em seus filmes, o toque
de gênio, o perfeccionismo. Colocar um bando de astros de hollywood para
fazer um musical é simplesmente uma opção mercadológica - um filme com
Zeta-Jones, Gere e Zellwegger tem tudo para dar certo, porque eles são
conhecidos. Eles chegam, exercitam seu cinismo e enchem os bolsos de
grana.
O melhor, na minha opinião, seria buscar por atores realmente acostumados a
fazer musicais, os que estão em cartaz aqui em Londres, por exemplo,
encenando Chicago no teatro Adelphi, na Strand. Vantagens: eles
conhecem bem os personagens; estão cansados de dançar, sabem de cor e
salteado as letras das músicas e se esforçariam para mostrar que são bons
atores. Eles teriam algo para provar, entende? Desvantagem: eles não são
Aldebarãs e Antares do firmamento da sétima arte... Não garantiriam dinheiro
no bolso da Miramax. Ou será que sim? Veja só que contradição...
Chicago é todo sobre a criação artificial de celebridades, o que faz
muito mais sentido hoje (com os Big Brothers e No Limites da TV) do que em
1926, quando a jornalista Maurine Watkins escreveu a história. Se há essa
ambição de fazer ressurgir o musical como gênero, deveria-se, então, buscar
novas estrelas para o gênero, criando todas as condições para que elas
desabrochassem. Deveria-se valorizar essa gente completamente nova, esses
novos talentos, como, há 70 anos, a RKO decidiu apostar no fantasma
magricela e dar a ele e a Ginger o estrelato.
Caro Arcano9
Eu assistí na Broadway ha alguns anos atras, não lembro a data, este musical CHICAGO, sob a direção e coreografia de Bob Fosse. Pois, acredite se quizer, mesmo sendo considerado um espetáculo maravilhoso, não ficou siquer um mês em cartaz. Incrivel mesmo, não?? O público parece não ter gostado na época.
Tenho procurado saber pela imprensa especializada se alguém soube disso, mas não consegui nada até agora. Nenhum
comentario a respeito. Você saberia dizer alguma coisa???
Abraços
Sergio