Mais uma vez vou tocar a mesma música! Acredito ser mais que necessário falar sobre a descentralização e regionalização da Arte com quem realmente se propõe a pesquisar e a produzir Teatro, fora dos grandes centros. Portanto, trago nesta semana uma entrevista muito especial. Uma conversa informal e, ao mesmo tempo, extremamente lúcida e informativa com o ator, diretor e pesquisador José Tonezzi. Formado pela Faculdade de Artes Cênicas da UNICAMP, Tonezzi desenvolve uma importante pesquisa na área da linguagem teatral e do trabalho do ator, na cidade de Campinas. Lugar também onde fundou e mantém em funcionamento o Laboratório do Ator: um centro de iniciação teatral, pesquisa e produção. Ali, todos os anos, candidatos a ator têm a oportunidade de conhecer não só a arte teatral, superficialmente, mas também conhecer o ofício do ator e o árduo mas surpreendente caminho da investigação. Hoje, José Tonezzi está prestes a defender sua tese de mestrado e, além da Escola, também produz a "Revista Cênica", que está em seu segundo número.
Como surgiu o Teatro na sua vida?
Bom, no início, como acho que foi com muita gente, a minha referência era a TV. Meu primeiro contato com teatro, foi através de um grupo amador, onde ensaiei, de cara, "Mulher Sem Pecado", de Nelson Rodrigues e, em seguida, "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque. Belo começo, né?
Quando sentiu a necessidade de buscar sua própria linha de pesquisa?
Na verdade, a coisa foi acontecendo. Algumas coincidências, o contato com pessoas de grande importância para mim, como o Reinaldo Santiago e o Márcio Aurélio, ainda na faculdade, e, mais tarde, com Maurício Paroni de Castro, quando fui pra Itália. Eu atuava em "Diário de Um Louco", de Gogol, e, entre 1990 e 91, Campinas já oferecia boas condições para esse tipo de teatro, mais investigativo.
Como é manter-se fora dos grandes centros? Você vê o seu trabalho como um ponto de resistência ao grande mercado de São Paulo?
Não, não vejo dessa forma. Acho que são opções, caminhos possíveis. A vida é um "por enquanto" o tempo todo. Até agora, não só optei mas também os acontecimentos me levaram a ficar por aqui. Primeiro, o Laboratório do Ator, depois o Mestrado, os projetos, as pessoas...
Quais foram os primeiros passos para a fundação da escola?
A escola decorreu da união de algumas pessoas que tinham em comum o pensamento de oferecer aos iniciantes novas perspectivas, que fossem além de uma montagem para apresentar no final do curso e agradar aos amigos e familiares, o que era muito comum (e continua sendo). A gente queria algo que realmente trouxesse o aluno para o entendimento de que o teatro pode ser muito mais na vida dele.
Como é sua manutenção e qual o objetivo? Por que desenvolver este trabalho: Produção Teatral, Formação de atores e Pesquisa simultaneamente?
Uma coisa leva à outra. Acho que há uma coerência entre formar ou iniciar a formação de atores e buscar produções em que esta formação tenha uma continuidade. Penso que a arte do teatro é para toda a vida e, quando você desenvolve o gosto pela investigação, então percebe a importância de apurar determinado recurso ou técnica, de aprofundar por algum tempo determinado trabalho. A gente tem tentado seguir por aí e oferecer essas possibilidades àqueles que se mostrem com disposição e capacidade.
Como você busca se reciclar? Quais suas as fontes?
Primeiramente, a leitura. Não apenas de teatro, mas também de áreas correlatas. Em segundo lugar, o contato constante com gente que me estimule, que me inspire. É preciso ainda perceber que a nossa arte assenta-se fundamentalmente sobre a nossa percepção do mundo. Daí, eu procurar estar sempre atento ao que me dizem e como me dizem. As coisas, as pessoas, os acontecimentos. Espelhar-se em grandes artistas, em grandes trabalhos, é legal, mas acho importante também estar atento para a nossa própria verdade a respeito do mundo. É isso que pode tornar nosso trabalho autêntico.
Onde você se realiza mais enquanto artista: como ator, pesquisador, diretor, educador? Como é conciliar todas essas atividades?
Acho que o maior desejo é sempre conseguir pôr em marcha as idéias, os projetos. Alcançar sucesso em cada um deles. Tenho muitos no momento. Uma vez mais, diria que as coisas vão se compondo: como ator, tenho imensa necessidade de investigar sobre o corpo, sobre o espaço, sobre a relação com o outro. Como orientador, surge a necessidade de dirigir, de indicar caminhos, e assim por diante. A conciliação é natural, apenas as prioridades se alternam.
Você acredita na regionalização e descentralização da arte? É uma saída para o inchaço do mercado?
Acredito, sim, que muita coisa boa pode decorrer disso. É importante não apenas para a questão do mercado que, como o fenômeno da migração, chegou a um ponto insuportável. Vejo na regionalização a única possibilidade de pluralização. Não há como evitar a globalização que já se instalou na casa da gente, reduto maior de nossa individualidade. Porém, diferente do que se propagava, ela não foi capaz de destruir as manifestações regionais, ao contrário, acendeu uma resistência e uma consciência ainda maior de sua importância.
Qual conselho que você daria a um jovem que está iniciando a carreira de ator?
Nossa capacidade, nossa arte e o nosso papel na sociedade podem ser muito maiores do que nos fazem acreditar. Ah! E nunca é demais lembrar: arte e fama quase nunca andam de mãos dadas.
Quais os atuais projetos e para o decorrer dos próximos anos?
Continuar com "As Criadas", de Jean Genet, com a publicação da revista Cênica (há um site para quem quiser conhecer), e aprofundar alguns tópicos que surgiram no meu trabalho de teatro com pessoas afásicas (pessoas que têm lesões no cérebro, as quais resultam em alterações no manejo da linguagem).
Que bela entrevista e que lição de vida para nós. A paixão pelo que faz está presente nitidamente em sua fala o tempo todo. Aliás, é só com muita paixão e bastante investimento que alcançamos um bom resultado tanto na vida profissional, como na vida pessoal. Parabéns!
muito honesta a entrevista do amigo tonezzi, mas as máximas sobre "descentralização da arte" e "fama não acompanha a arte" me parecem ingênuas.a mim me preocupa a arte-educação como alienação da arte e o umbigo de quem quer regionalizar-se em detrimento ao ego de quem quer mitificar-se: ambas são aspirações viáveis dentro da arte que é de livre arbítrio e em nada precisa das políticas corretas, sendo antes de tudo "libélula" das contradições humanas. milena.
Pertinente a discussão. Parece-me, porém, que regionalização e globalização andam juntas. São faces da mesma moeda. Uma torna possível a existência e o enriquecimento da outra. O que ocorre são oscilações, mais uma do que a outra se sobressai em determinados momentos. Parabéns pelo nível da entrevista!
Querida Rennata, como vai? Curti muito este texto e a entrevista que você fez. Acho legal que você tenha o dom de deixar a gente de alto astral, que é o que sinto sempre que falo com você e agora, lendo seus artigos. Valeu, gatinha!