COLUNAS
Sexta-feira,
21/2/2003
Carta ao Artista Enquanto Jovem
Alessandro Silva
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Jovem poeta, eis sua chance. Em entrevista concedida à revista Época no dia 03/02/03 o crítico literário norte-americano Harold Bloom afirmou estar a procura de um grande poeta brasileiro vivo. Ele não sabe se haverá tempo, portanto é melhor você se apressar.
As condições nunca foram tão propícias. Em qualquer esquina de São Paulo, esbarramos com um sebo, com uma livraria ou com uma biblioteca. E se é básico não se alfabetizar nas Universidades para tornar-se autêntico ou até mesmo genial, siga o conselho de Wittgenstein: vá fazer serviços braçais.
E olhe quanta gente não está precisando de mais braços para engrossar os mutirões!
Se você decidir se enclausurar numa Biblioteca para aprender um pouco sobre literatura, não hesite em procurar a "Mário de Andrade" ou até mesmo a "Sérgio Milliet" ( Biblioteca do Centro Cutlural Vergueiro que pode te oferecer de Philip Roth a Jules Laforgue ). Tendo-se em mente que é necessária uma situação de recolhimento semelhante a de um presidiário para se tornar um grande artista, não deixe de flertar com o ambiente que mais lhe agrade.
Nunca siga a opinião dos mais velhos em suas leituras. Experimente tudo e julgue por si mesmo. Deixe de lado a "formação universitária". Com o passar do tempo, isso vai te desviar de seu propósito, vão apascentá-lo e você terminará iludido com o "saber infinito" e com as teses, etc., enfim com essas coisas que não servem para nada. Trabalhar sob pressão enquanto se é um amador e não um "profissional de literatura" é condição sine qua nom para passar a enxergar as coisas a seu redor.
Apesar de estarmos naquela época de início de aulas, onde os sebos são invadidos pelas faculdades representadas na figura estúpida de seus reitores portando listas de livros recomendados pelo MEC, apesar desses estrupícios inclinarem-se a esgotar o estoque "bom" dos sebos, ainda assim, se você for atento e paciente, uma digna ratazana, obterá coisas excelentes neles. Enquanto passeava pelo Sebo do Messias sábado passado, fui contemplado com nada mais nada menos que os contos de J.D. Salinger em edição francesa e "Fanny e Zoe" em edição brasileira; pude ainda obter seletas do poeta Jules Laforgue, incluindo seu "Hamlet". Cada qual pela bagatela de dez paus.
O efebo, ou pretendente das musas, não deve hesitar em ler tudo e aprender a ler pelo menos em inglês e francês.
É fundamental que não se sinta NUNCA enfastiado. O fastio advém da má leitura, ou seja, da leitura teórica. Considerando o espectro, o olho e um conjunto de fenômenos que se nos apresenta naturalmente, o efebo deve buscar o estímulo através da intuição: não equacione as coisas; não busque ser um economista: os lógicos demais facilmente sofismam. Considere de modo incondicional que a ciência descreve, mas a imaginação MOSTRA. Se você estiver aflito por "saber", se o DAEMON de Sócrates te assolar, então busque o Ulisses de James Joyce. A cada capítulo dessa obra está associado o símbolo de uma disciplina, e com a vantagem de um método narrativo sempre direto e pungente: Joyce nos faz entender de economia através da conversa de dois comerciantes; de direito, através de dois civis em bate-papo numa taverna. Dê mais atenção às conversas de teu pai e à conversa de seus vizinhos, digamos, do que a um Tratado de Erick Hobsbawm ( se é ele que escreveu um ). A filosofia e as grandes questões devem te ocupar apenas uma vez por ano: pois meter-se com isso é um modo de desviar-se da objetividade. Nossa sociedade organiza-se de tal modo que o máximo de informações deve funcionar para aturdir os indivíduos, para desviá-los do caminho, para ganhá-los com cargos e lisonjas através do ensino. Tudo isso é falso. É mais ou menos como aqueles personagens de Jonathan Swift que vivem no mundo da Lua, sempre olhando para os céus e fazendo cálculos inúteis, de tal modo que quando precisamos falar com eles devemos bater com uma pequena vara, em cuja ponta há uma bexiga, em suas bocas para "voltarem" do mundo etéreo. Confie sempre mais no que seus olhos vêm do que, digamos, na História contada por Perry Anderson. Se acha que as pessoas a seu redor não valem um quilo de alho, é hora de ler Marco Aurélio ( o Carlos Heitor Cony disse outro dia que as máximas do imperador romano eram "de gosto duvidoso": nada mais tolo e gratuito que esse palpite ). Tenha sempre em mente que as pessoas são muito mais importantes que os livros. E que podem te ensinar a respeito de, digamos, lingüistica, tanto quanto um professor universitário. Mas isso se você for um observador atento, se olhar para as coisas ao invés de supô-las: você deve conquistar segurança. O parâmetro para tudo deve ser o Renascimento: pois tudo passou a ser OLHADO a partir daí.
Não hesite em cometer bizarrices como ouvir Beethoven após uma seleção de Radio Head e Oasis se isso te nutrir com "emoções mais fortes". A leitura e tudo mais que se liga às coisas do intelecto dependem de uma projeção mais forte. Não hesite em recitar em voz alta para familiarizar-se mais com o conteúdo, nem de algum modo projetar o conteúdo visual de uma pintura com mais violência na mente: o melhor método para se conhecer um quadro é tentar copiá-lo ( e não importa que tipo de garrancho você faça: de momento o que te basta é a "intensidade da emoção"; a arte só depois de MUITO tempo se conquista ).
Se você se sentir, digamos, acanhado de visitar algo como "Quando Despertamos Dentre os Mortos" de Ibsen, comece pela leitura de um artigo de cultura, de um gibi ou de algo que te agrade e espere um pouco até a "coisa pegar". O intelecto é um motor a álcool: ele precisa esquentar ( o período da tarde é o melhor para a leitura ).
Jamais subestime os charlatães. Para que a sua desprezível ironia acerca de Paulo Coelho seja mais concreta, perca tempo com uma ou duas linhas: depois zombe da coisa como quiser.
Provavelmente o livro mais ordinário escrito no Brasil é o "Criatividade e Propaganda" do Roberto Mena Barreto. Mas sendo charlatanismo, não deixa de apontar alguns pontos de interesse para um espírito sagaz. Mesmo um livro como "Introdução à Metafísica" de Anthony Norvell poderá reanimar o defunto poeta brasileiro em algum ponto.
James Joyce é nosso ícone, é nosso referencial. Sua mente era aristotélica: ele organizou uma centena de coisas dispersas em literatura e inventou outra centena. Não pense o efebo que poderá iludir as pessoas: o expert poderá camuflar um juízo a seu respeito para não ofendê-lo, mas não dará um níquel nem um passo a frente pelo que fez. Se quer "efetivar-se" como poeta, leia Wallace Stevens e os poetas norte-americanos modernos. Estude métrica apenas para depurar a nossa língua portuguesa. JULGUE Castro Alves, Drummond e Bandeira. Bandeira foi muitas vezes prosaico: cometeu o erro de escrever em má poesia aquilo que poderia ser escrito em boa prosa.
Jamais pense que a arte é coisa de elite: Picasso gozava dos "entendidos" em arte; explorou como ninguém a imbecilidade de sua época, o gosto pelo exótico, pelo estranho a até mesmo pelo bizarro particulares às pessoas ricas.
Se o leitor for um fodido como eu, um "otário" que tem que entrar na fila do teatro e freqüentar salas de cinema duvidosas ( não chego ao paroxismo de Gil Gomes cujo sonho de consumo é visitar o Museu do Louvre ), se tem que freqüentar as bibliotecas públicas com seus acervos fedidos à naftalina e participar de concerto públicos no Ibirapuera, não seja tolo, não pense: ah não! Não vale a pena! Você muito provavelmente deve saber que "tudo vale a pena quando...". O prazer que irá advir ao fim de tudo, somente poderá saber o efebo que manteve-se leal a si: esse prazer significa o prazer de ser um grande artista. E isso não importa se em Creta, na Tunísia ou no Brasil.
No mais, o legado de Mr. Ezra Pound sempre será de incomensurável valor para o efebo.
Alessandro Silva
São Paulo,
21/2/2003
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