Uma Vaga para o Integral | Alessandro Silva | Digestivo Cultural

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COLUNAS

Sexta-feira, 28/2/2003
Uma Vaga para o Integral
Alessandro Silva
+ de 2700 Acessos

Sou Funcionário Público numa escola municipal que atende crianças de 4 a 6 anos. A escola recebe as crianças que estão dando seus primeiros passos na vida. Essa fase é muito importante para esses seres humanos e a escola faz o que pode para ajudá-los. Tenho visto pessoas se esfalfando pelas crianças. Havia uma Inspetora de Aluno, a C..., que foi transferida há pouco tempo que se matava de trabalhar. Muito mais do que trabalhar: era uma mãe para as crianças.

A C... é jovem e tem um estilo de garota rebelde. Anda de moto e tem uma tatuagem na batata da perna. Ela tem aquele estilo de garota incorrigível. É durona ( uma vez pegou um cachorro pelo pescoço e o arremessou para fora do portão ).

Como a C... há outras pessoas aqui. Esta é uma escola onde a Prefeitura investe pesadamente. Há uma Biblioteca Interativa e nela computadores para as crianças. As refeições, dentro do possível, têm qualidade. As professoras - todas elas - são muito carinhosas e as crianças, sabemos, são sempre gratas em seus afetos.

As professoras dão um duro danado. Elas decoram dezenas de canções para ensinar as crianças a comerem e a lavar as mãos e brincarem.

Nada pode recompensar uma professora, pois aquilo que ela dá tem necessariamente que partir do coração; caso contrário, ela não pode ser professora.

Há muitos casos de professoras que acabam caindo em depressão. E isso porque, acreditem, não levam uma vida normal. Algumas delas, depois de muito tempo lecionando, agem apenas por automatismo: é como se tivesse um chip de comando dentro dela e ela tivesse que obedecer as ordens .

Nós a princípio podemos até escarnecer delas. Mas isso seria uma tolice. Quando ainda mais jovem do que sou, eu tinha essa tendência a escarnecer dos outros, de suas profissões, etc. Na verdade, é delicioso ler o autor de "Sexus, Plexus e Nexus" e juntamente com ele fazer troça do comportamento humano. Mas se olharmos mais atentamente para as coisas e observarmos como as pessoas vão se acomodando à dureza da vida, nós descobriremos também o quanto há de obrigatório nesse comportamento .

Os que tentam definir as coisas em termos de patrão e empregado, como se o mundo se reduzisse a essa relação, estão cometendo uma tolice. É tolo e injusto acusar uma pessoa por ela ter um carro e ostentá-lo como se fosse o prêmio pela vida. Na verdade, essa pessoa não está querendo dominar os outros ( ao menos, não conscientemente ), ela soergue um bem material como se fosse a vitória contra algo muito mais forte do que ela: a natureza.

Pois é essa a luta básica: entre ela e a natureza das coisas. O patrão, o burocrata ou seja qual for o tipo de chefe também é uma parte da natureza e tal como seu empregado também está empenhado na luta pela sobrevivência: porque não há um ser humano que não seja um escravo.

Em vista dessa constatação não se trata de pensarmos: a luta contra as formas de poder é vã. Há não só homens, mas países inteiros que só se satisfazem em guerra: note-se o caráter belicoso do povo norte-americano.

Talvez os brasileiros não tenham caráter belicoso; talvez seja um povo destituído de grandeza e nossa inclinação seja mesmo rastejar.

Eu mesmo, quando atento para uma tragédia social, não sinto vontade de lutar. Tudo é tão sórdido que tenho vontade de rastejar até a marginal do rio Pinheiros, parar no parapeito e me atirar como um saco de cocô.

Não que as pessoas não lutem. Quando se trata de defender aqueles que estão mais próximos delas, viram feras.

Como havia mencionado, trabalho numa escolinha de Ensino Infantil. Além dos períodos normais de aula, há o que chamamos de "Período Integral", ou seja, um período que dura o dia inteiro.

Esse período é destinado a acolher as crianças cujos pais trabalham fora e não tem com quem deixar as crianças e nem como pagar uma pessoa para olhá-las.

Anualmente nós abrimos duas classes com vinte e cinco crianças cada destinadas a esses pais. Nessa cidade há muitos casos de mães solteiras - o que pude constatar quando trabalhei no programa "Bolsa Escola" do governo -, mães que fazem os dois papéis: o de mãe e o de pai. Os casos são do tipo dos que me narrou uma jovem outro dia, quando eu deixava o trabalho.

"Fui para o Maranhão uma vez com uma amiga minha. Conheci um cara por lá e nós "ficamos". Voltei para São Paulo e me senti doente. Fui ao posto e descobri que estava grávida".

É mais uma criança desprotegida. Essa jovem trabalha como empregada doméstica de segunda à sexta-feira, das oito às cinco e ganha R$ 200,00 por mês. Tem dois irmãos que a ajudam de vez em quando e atualmente está também pleiteando por uma vaga no período integral.

As histórias das mães que buscam uma vaga no período integral se parecem muito. Há casos como o do balconista de padaria, o senhor X, que vez ou outra prepara um misto quente para mim e me pergunta como vão as coisas. Sua esposa é empregada doméstica e ganha os mesmos duzentos reais que ele. Eles tem um filho apenas. Há famílias abandonadas, onde uma faxineira sustenta oito filhos com os mesmos duzentos reais.

Hoje, dia em que estamos divulgando a lista dos que conseguiram o período integral, descobrimos que a quantidade de pessoas que não conseguiram a vaga é a mesma dos que conseguiram, numa média portanto de 2 alunos para cada vaga. Esses pais entraram em desespero, porque ganham muito pouco e precisam trabalhar muito para manter sua subsistência.

Se eles pararem, não morrerão de fome, porque o brasileiro é sempre caridoso, religioso e conhece a sombra da tragédia muito de perto. Mas passarão por privações que tornarão sua vida absurda de viver; porque não terão motivos para se postergarem.

Mas permanecem firmes e buscando acomodar-se às coisas como são.

Nós, funcionários da escola, pensamos nas pessoas que não poderemos atender e nosso coração se parte. O critério que utilizamos para dar as vagas pauta-se na renda per capita e esse critério é divulgado em Edital no jornal oficial da cidade.

Nós somamos a renda das pessoas economicamente ativas na família e depois dividimos pelo número de pessoas que vivem na casa. A média é feita a partir da renda per capita mais baixa. Esse ano a mais alta foi trezentos! É o caso de uma mãe que vive apenas com a filha ( mais um caso de mãe solteira ) e que ganha seiscentos reais. A renda média de sua família é de trezentos reais e ela é a última colocada da lista!

Ela está furiosa no telefone. Eu a entendo; eu gostaria de ajudá-la de forma efetiva. Transmiti a ela o número do telefone do Conselho Tutelar e conversei com ela, tentando acalmá-la. Ela estuda a noite; quer melhorar sua vida e constituir uma família de verdade. Ela chega a gritar no telefone, perguntado-me: "o que eu vou fazer?! O que eu vou fazer?!" .

Estou recebendo uma porção de reclamações dos que não conseguiram a vaga para o período integral. Os que ficaram em lista de espera perguntam quando terão a vaga. Eu não lhes posso assegurar nada; sou apenas um burocrata, uma peça. Caminho pelo pátio e olho para o céu. Através do alambrado estão os catadores de papel. Conheci um ajudante de cozinha que trocou sua profissão por essa de catar papelão e metal nas ruas. Caminho em círculos, meditando. Estou tentando, estou tentando ajudar. Procuro sempre ser gentil ao máximo e sempre os compreendo. Estou tentando, mas a angústia aperta porque sei que este é um país de merda e que não pode fazer nada pelas pessoas porque Estados não fazem pessoas e sim pessoas fazem Estados.


Alessandro Silva
São Paulo, 28/2/2003

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