Os autores cibernéticos encontraram nos demônios agostiniano e maniqueu metáforas apropriadas para compreensão das diferenças entre os fenômenos naturais e sociais.
O maniqueísmo, religião babilônica, acreditava que o universo era governado por duas forças antagônicas, uma boa e outra má.
O termo sobreviveu como sinônimo de uma separação rígida entre dois pólos antagônicos. Diz-se, por exemplo, que os gibis de super-heróis são maniqueístas, pois os heróis são totalmente bons e bem intencionados. Os vilões, ao contrário, são totalmente maus. Não há meios-tons.
Mas o que nos interessa é como os maniqueístas viam essa força negativa. Para eles, o demônio era astuto o bastante para mudar de estratégia, caso sua vítima lhe percebesse o ardil.
Imaginemos que o demônio maniqueu colocasse uma casca de banana à porta de um homem. Este, assim que saísse de casa, escorregaria, e soltaria uma série de palavras impublicáveis, para regozijo do demônio.
Isso acontece por dias seguidos, até que o homem, cansado da brincadeira, resolve sair pela janela.
O demônio, percebendo a mudança, passaria a deixar a casca de banana abaixo da janela, até que surgissem novos fatos que o forçassem a mudar novamente de estratégia.
Santo Agostinho, ao contrário, achava que o demônio seguia leis divinas, das quais não podia escapar. O demônio não poderia blefar ou mudar de estratégia.
Foi esse tipo de pensamento que permitiu a Henrick Kramer e Jacobus Sprenger escreverem o livro "Malleus Maleficarum", verdadeiro manual dos inquisidores.
O objetivo era descobrir como agia o demônio e seus agente temporais, as bruxas, indicando a melhor forma de combater a ação destes.
Os títulos de alguns capítulos falam por si: "Métodos Diabólicos de Atração e Sedução"; "Como as bruxas podem inflingir enfermidades graves"; "Métodos para destruir e curar a bruxaria".
Jamais ocorreria a tais autores que o demônio, percebendo que seu modo de ação fora descoberto e dissecado, pudesse mudar de estratégia.
O demônio agostiniano são os fenômenos naturais. Eles seguem leis rígidas, das quais não podem escapar.
Se solto uma pedra, ele, incapaz de desobedecer à lei de gravitação universal, cairá, atraída pela Terra.
A pedra não cogita flutuar no ar apenas para contrariar minhas expectativas.
Posso dizer "A pedra irá cair" sem medo de ser desmentido pela pedra.
O mesmo já não ocorre com fenômenos sociais.
Imaginemos um aluno relapso sobre o qual o professor faz a seguinte previsão: "Você não será aprovado, pois não estuda".
Ele pode se deixar abater pela previsão e desisitr plenamente de ser aprovado. Mas, por outro lado, poderá estudar com mais afinco, para provar que o professor estava errado.
Quando se trata de seres humanos, podemos fazer previsões auto-destrutivas e auto-realizadoras.
Um jornal que estampe uma previsão de inflação fará com que os consumidores corram para estocar produtos antes do anunciado aumento de preços. O aumento da demanda fará com que os vendedores aumentem o preço das mercadorias.
Talvez a inflação não tivesse ocorrido se o jornal não a tivesse anunciado.
É fato sabido que nenhum banco tem em caixa dinheiro o bastante para cobrir a retirada de todos os seus correntistas.
Se corre o boato de que o banco irá falir, haverá uma corrida ao mesmo. O excesso de saques deixará a instituição sem capital e, portanto, falida.
Mais de uma empresa bancária já fechou suas portas em decorrência de previsões auto-realizadoras.
Os fenômenos naturais são demônios agostinianos: jogam um jogo difícil, mas, uma vez decobertas suas leis, eles não a mudarão apenas para nos contradizer ou agradar.
Os fenômenos sociais, ao contrário, são demônios maniqueus, pois o fluxo de informações pode fazer a sociedade ou grupos mudarem de comportamento.
Como um jogador de pôquer, a sociedade muda seu comportamento e suas estratégias.
As investigações de Karl Marx sobre a sociedade capitalista foram muito acuradas, mas não servem para nossos dias, pois o capitalismo se utilizou dessas mesmas análises para se transformar e, portanto, sobreviver.
Segundo Nobert Wiener, comparado ao demônio maniqueu, dono de refinada malícia, o demônio agostiniano é estúpido. Joga um jogo difícil, mas pode ser derrotado completamente pela inteligência e pela observação.
A metáfora dos demônios maniqueu e agostiniano faz cair por terra a falácia de pesquisadores do início do século XX que pretendiam investigar os fenômenos sociais com as mesmas ferramentas e a mesma lógica com que se investiga a natureza.
Para pesquisar tais fenômenos, surge uma nova teoria, parte da cibernética, chamada teoria dos jogos.
O jogo praticado pela sociedade constantemente é do tipo soma-zero, em que os ganhos de uma parte revertem em perdas para o outro lado.
É o que ocorre, por exemplo, nos casos de dominação política: uma vitória do dominador transforma-se em perda para o dominado.
Sabe-se que a dominação política e econômica é baseada no conhecimento do homem sobre o homem. Em especial o conhecimento sobre como a sociedade dominada age. Nesse caso, interessa aos dominados agirem como demônios maniqueus, o que torna inútil esse conhecimento.
O melhor exemplo desse tipo de comportamento é a guerrilha. A guerrilha não respeita as regras dos conflitos armados: ataca de surpresa, em pequenos grupos que escapam rapidamente de uma posterior perseguição.
Os terroristas também agem como demônios maniqueus.
O ataque às torres gêmeas do Word Trade Center é um exemplo perfeito de demônio maniqueu.
Os EUA estavam muito preocupados com a criação de um escudo anti-mísseis, que tornasse inviável qualquer ataque aéreo às cidades americanas.
Os terroristas atacaram justamente de onde os militares norte-americanos não esperavam nenhum ataque. Eles seqüestraram aviões comerciais, de transporte de passageiros, e os jogaram sobre os alvos.
Para sequestarem os aviões, os terroristas usaram facas. Um comportamento absolutamente imprevisível e, portanto, maniqueu: atacar a maior potência militar do planeta utilizando apenas facas!
O inusitado da ofensiva foi justamente a característica que permitiu o ataque possível.
Ivan,
A utilização de metáforas para explicar tais comportamentos e ações sociais já tem séculos de efeito. A própria bíblia faz uso desse artifício desde os seus primeiros escritos. Por quê os pesquisadores não colocam em seus trabalhos algo mais palpável socialmente. As pessoas precisam de exemplos mais concretos para poderem se perceber socialmente.