Um inventor fracassado, carregando uma angústia indecifrável dentro de si,
humilhado pelo amante de sua mulher, traído pelo seu melhor inimigo e agarrado
à prostituta que é a esposa de seu pior amigo.
É com esta sensação de desencontros com o mundo e consigo mesmo que Roberto
Arlt entra no cotidiano de uma série de personagens autodescritivos e conflituosos
no seu livro Los Siete Locos. Sim, digo entra, porque os personagens aparecem,
não são apresentados, todos eles vagam pela cabeça confusa de Erdosain, o
inventor fracassado.
O Astrólogo, o Rufião Melancólico, a Coxa, todos eles influenciam Erdosain
sem tocar ou sem perceber a profundidade de seus problemas e de sua angústia.
Mesmo assim, conseguem manipulá-lo, assim o anti-herói da história é transformado
em antivítima. Em todos os momentos, vemos Erdosain organizar tramas e preparar
seu futuro, mas isso é sempre abortado pela ação dos outros personagens. Tanto
para o bem como para o mal.
Arlt mostra uma excepcional visão sobre a relação entre homem e destino.
Mesmo os que mais baixo caíram ainda mantém uma pureza "angelical". Enquanto
que os auto-intitulados "eleitos" não conseguem romper com a velha problemática
da superioridade moral. Explico, todos os que se acham defensores de uma causa
maior justificam seus meios pelos seus fins. Não importa se estamos falando
de direita ou esquerda, de religiosos ou ateus, de libertários ou autoritários.
Ou de conspiradores que querem construir uma nova sociedade que misture os
ideais de Lênin e de Mussolini, como o Astrólogo e seu bando.
É assim com Erdosain que, apesar de ser um ladrão (que rouba 600 pesos e
7 centavos da firma onde trabalha), planejar um seqüestro e um assassinato,
só pode ser visto com um joguete nas mãos de poderes absolutos, muito superiores
a ele.
E é difícil não ver o personagem Erdosain como algo bem próximo do alter-ego
do próprio Arlt, ele também um inventor frustrado que passou por diversas
profissões até chegar ao jornalismo e, assim, à literatura. Nasceu em Buenos
Aires no ano de 1900 e morreu na mesma cidade, 42 anos depois, de ataque cardíaco.
Sua obra sempre esteve centrada na capital argentina, principalmente retratando
anti-heróis e mostrando seres humanos comuns.
No início de sua carreira, uma grande discussão (e divisão) ocorreu na vanguarda
bonaerense. Uma divisão tanto política e estética quanto geográfica. O grupo
da Florida (rua que corta o micro-centro da cidade) era formado por jovens
cultos e europeizados, defensores de uma arte vanguardista e autodenominados
herdeiros da tradição literária e da renovação. No outro lado, estava o grupo
de Boedo, bairro popular, com seus escritores comprometidos com os problemas
do homem e que viam a literatura como uma possibilidade de contribuir para
a transformação da sociedade. E no meio dos dois, ficou Arlt, amigo dos primeiros
mas ideologicamente mais próximo dos segundos. Além disso, com uma personalidade
difícil, pouco interessada em projetos coletivos.
Suas novelas retrataram essa Buenos Aires que ninguém tinha coragem de mostrar,
usando elementos autobiográficos. A novela Los Siete Locos teve sua continuação
em Los Lanzallamas.
Arlt também escreveu diversas peças que foram encenadas por teatros populares
em Buenos Aires, além de várias adaptações de suas obras literárias, entre
elas a própria Los Siete Locos com o título de El Humillado em 1932. Durante
mais de uma década, Arlt também escreveu uma coluna diária no jornal El Mundo,
Aguafuertes Porteñas, que foram lançadas em livro. Durante suas viagens pela
Espanha e Marrocos, publicou também Aguafuertes Españolas.
Em 2000, a Iluminuras lançou um só volume com as duas obras: Os Sete Loucos
e Os Lança-Chamas. E, o melhor, a edição não está esgotada.
Para ir além
Los siete locos
Roberto Arlt
Editorial Losada
219 páginas