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Sexta-feira,
28/3/2025
A vida, a morte e a burocracia
Luís Fernando Amâncio
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A morte está na ordem do dia. É o que pode pensar o leitor que encontra A morte é um dia que vale viver (Ed. Sextante,), de Ana Claudia Quintana Arantes, na lista de livros mais vendidos. O best seller da médica especialista em cuidados paliativos trata de um tema tabu, que faz muita gente bater na madeira ao esbarrar nele. Mas é um assunto que precisa ser enfrentado. Morrer não é uma opção. Pensar na morte, porém, pode ser um caminho para valorizar a vida.
No campo da ficção, Michel Maia também aborda o tema em seu romance de estreia, Entre a vida e a morte, há vários documentos (Editora Paraquedas, 2024). A obra nos leva a um futuro próximo, onde morrer virou um processo controlado e, de forma surpreendente, desejado. Nessa distopia, uma nova droga, chamada mortalis, transforma os últimos instantes de vida em uma experiência intensa e multissensorial — com direito a reencontros com entes queridos já falecidos e até uma suposta visão de Deus. Mas a tal “boa morte” não está disponível para todos. Para ter acesso a ela, é preciso preencher uma pilha de documentos, entrar em uma fila e esperar o aval do Estado. Morrer, nesse futuro, é burocrático.

No livro, acompanhamos a história de Antônio, um servidor público que trabalha na regulamentação do uso do mortalis. Sua rotina profissional invade sua vida privada quando sua irmã, Luzia, e a esposa dela, Tânia — ambas com câncer terminal — decidem se candidatar ao programa de morte assistida. Luzia, que até então era uma voz crítica ao sistema, toma uma decisão que abala toda a família. É a partir daí que o romance mergulha em um drama emocional, onde amor, medo, ideologia e dor se misturam.
Apesar do pano de fundo distópico, o que move a história são as relações humanas. Michael Maia cria personagens complexos e contraditórios. Antônio, por exemplo, está longe de ser um herói, mas conseguimos entender suas angústias. Luzia, por outro lado, apesar de suas convicções éticas, também carrega dúvidas que a tornam ainda mais real.
A escrita de Maia é envolvente e direta, sem abrir mão da sensibilidade. Ele equilibra bem o ritmo entre reflexão e narrativa, nos levando por momentos de tensão, emoção e até um certo lirismo.
Inspirado por nomes como George Orwell e José Saramago, e também por experiências pessoais de luto, Michael Maia entrega uma estreia honesta. Entre a vida e a morte, há vários documentos é uma leitura rápida e intensa. Um livro que instiga o leitor a confrontar temas desafiadores. E nos tirar da zona de conforto é uma sempre relevante contribuição da literatura.
Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte,
28/3/2025
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