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Quarta-feira,
30/5/2018
A falta que Tom Wolfe fará
Rafael Lima
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Há mais de 50 anos, num artigo entitulado The Mid-Atlantic Man, Tom Wolfe mostrou como o preconceito de classe britânico estava sendo espanado por publicitários ingleses cujas vidas profissionais dividiam-se entre Londres e Nova Iorque estavam descobrindo que podiam livrar-se do preconceito de classe britânico, tornando-se um pouco norte-americanos! Meghan Markle, quando trocou sua carreira e reputação ativista por um lugar na realeza, fez a trajetória inversa. Seria um prato cheio para Tom Wolfe; é uma pena que tenha partido antes do casamento. Faria bem a Megan ler Tom Wolfe.
Aliás, faria bem a todo mundo, por dois motivos. Primeiro: escrevia bem demais. Mais do que qualquer um de seus contemporâneos, Wolfe pegava o senso de típico em uma situação, lugar ou pessoa -- e também tinha mais imaginação verbal para descrevê-lo, imergindo o leitor na cena. Seu segredo? Rasgar o manual de redação, substituído por referências literárias. Um segredo de polichinelo, compartilhado por toda a turma do New Journalism: Gay Talese queria emular os contos de Irving Shaw, Hunter S. Thompson mirava-se numa página de F. Scott Fitzgerald. Alguém precisa urgentemente escrever um ensaio sobre a influência do sul dos EUA no New Journalism: Wolfe e Thompson eram sulistas e Talese formou-se numa universidade do sul.
Esse seria o aspecto mais chamativo do jornalismo de Tom Wolfe, as maiúsculas, os pontos de exclamação, as enumerações intermináveis, os itálicos, o uso de diálogos, todo um arsenal de linguagem que ia além das descrições divertidas; no seu zênite, teve ressonância para cunhar termos que entraram na linguagem do dia-a-dia: a Década do Eu, Radical Chic.
Segundo motivo: mais do que um jornalista, Tom Wolfe era um homem de idéias. Suas reportagens sobre motociclistas, surfistas, publicitários, office boys que frequentam discotecas ao meio-dia, os Merry Pranksters de Ken Kesey -- não seriam tão boas se focassem apenas no aspecto pitoresco de seus sujeitos. Tom Wolfe leu muito de antropologia, sociologia e história, de onde pinçou conceitos que o permitiam fazer ligações entre o Vale do Silício e Teillard de Chardin, mods e Saint-Just, contextualizando cada subcultura emergente da década de 60 para além da pirotecnia verborrágica. Wolfe viu ali manifestações de dilatação do ego, somente então possíveis graças à elevação do nível de vida das classes trabalhadoras, tese que desenvolveria e consolidaria no ensaio A Década do Eu.
Ele tinha teses, e não se furtava em entrar em brigas por causa delas. Encarou de uma só vez Norman Mailer e dois Johns, Irving e Updike, porque acreditava que o melhor romance norte-americano devia embutir um estudo sociológico dos acontecimentos de seu tempo ao invés das elucubrações intelequituais desses três escritores (Meus Três Patetas, em Ficar ou Não Ficar). Defendeu o classicismo contra a esterilidade modernista imposta pela escola Bauhaus na arquitetura (Da Bauhaus ao Nosso Caos). Atacou o vazio e a falta de técnica dos abstracionistas (A Palavra Pintada). No fim da vida, ainda arrumou energia para atacar as teorias linguísticas de Noam Chomsky e o ateísmo de Richard Dawkins.
Mais do que qualquer outra coisa, celebrou a glória da civilização norte-americana, em seu entender uma metáfora pra o espírito humano, sempre à procura de uma nova conquista -- nenhuma conquista seria maior do que a conquista da lua, narrada em Os Eleitos, talvez seu melhor livro.
Nunca teve vergonha de se declarar e, sobretudo, de se vestir com um conservador. Nunca perdeu o senso de humor. Megan, faça seu dever de casa: vá ler Tom Wolfe.
Rafael Lima
Rio de Janeiro,
30/5/2018
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