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Quarta-feira, 2/4/2003
A guerra do silêncio e da antidemocracia
Rennata Airoldi

Povos que não se entendem, ditadores que não se respeitam e não respeitam seu povo. Fé e religião sendo usadas como justificativas e escudo ao longo de nossa História. O nome de "Deus" sendo usado de maneira leviana. Por ele, para ele, através dele, tudo é perdoado. Morrer e matar como numa brincadeira de criança. Mas hoje, as armas são reais e as vidas não valem mais que um segundo. Muitas batalhas a serem vencidas quando imagina-se um mundo em paz. A fome, o crime organizado, o narcotráfico, o subdesenvolvimento, a miséria humana. Infelizmente, como diz aquela frase, "miséria pouca é bobagem"! Quando a aparente paz se estabelece, sempre surge um ser arrogante e ganancioso querendo instaurar a guerra.

Iraque 2003... Todos nós sabíamos que isso iria acontecer, mais cedo ou mais tarde. Só dependia da vontade de Bush, o rei do mundo... Já em fevereiro, em plena cidade de Nova Iorque, as pessoas se organizavam pedindo "NO WAR" pelas ruas de Manhattan. Eu estava lá. Eu vi. Eu vi o terrorismo interno, a guerra subliminar que o próprio presidente provocava diariamente. Todas as manhãs declarações nos meios de comunicação para que a população armazenasse água, comida, comprasse máscaras para possíveis atentados... Difícil é acreditar onde reside a verdade e onde existe a necessidade de persuadir, de "comprar apoio", convencer.

O mundo está perplexo. Ninguém acredita no que está acontecendo, diariamente diante de nossos olhos, ao vivo e a cores, direto do Iraque, vinte e quatro horas por dia. Um homem brinca de ser o dono do mundo e decide o que ele acredita ser o melhor. Terrorismo à parte, muito mais grave é um ser que não vai responder pela morte de, sabe-se lá, quantos humanos. A paz é o que se esperaria de uma espécie dita racional e avançada, em pleno século XXI.

A guerra me choca. Me chocam as conseqüências dela. O retrocesso em todos os sentidos. Artistas que têm que se calar, meios de comunicação que têm que mascarar notícias e imagens, aquilo tudo que jamais veremos ou saberemos a respeito de um episódio lamentável. Assistindo a diferentes canais de notícias, vi coisas surpreendentes como uma passeata em Nova Iorque onde havia uma faixa com as seguintes palavras: "Bush, carniceiro de Bagdá". Outro canal noticiava a situação das mulheres grávidas no Iraque, tendo que fazer cesariana com apenas seis meses de gestação para não morrerem durante o conflito carregando um feto na barriga, na impossibilidade de ir a um hospital.

Dizem que o império Americano está em queda... Assim foi com todos os impérios durante a História da humanidade. Egípcios, Gregos, Romanos, todos foram sendo substituídos sem vontade própria, mas para manter vivo o ciclo da vida. Como numa cadeia alimentar, um ser se alimenta do outro até que tudo volte ao princípio, à terra. Ironia, porém, é o que está acontecendo nos Estados Unidos, país que se gaba por trazer como lemas a Liberdade e a Democracia, é a mais nova morada da censura! Atores, cantores, diretores que se declararam antiguerra, ou seja, simplesmente pregando a paz, foram declarados "Amantes de Saddam"! Seus shows, filmes e séries deveriam ser boicotados... é lamentável calar a boca de um artista de maneira tão desleal. Quem assistiu a festa de entrega do Oscar, pode ver a indignação muda de uns, expressa num único gesto; pedidos cautelosos de outros, a favor da Paz, e um discurso brilhante de Michael Moore, diretor de "Bowling for Columbine" ("Tiros em Columbine"), vencedor do Oscar de melhor documentário (longa- metragem), sem pudores ou receio, contra o presidente e toda a situação. Por fim, outro momento emocionante foi o discurso do vencedor do Oscar de melhor ator, Adrien Brody, que, por ironia do destino, viveu na ficção a "tristeza e a desumanização de um guerra". Emocionado, pediu a todos para rezarem, seja para Deus ou Alá, pedindo uma solução pacífica e segura. Chorou. Muitos ali presentes com certeza desejariam fazer o mesmo que esses dois corajosos homens, mas jamais teriam coragem... As atitudes sinceras e verdadeiras são para poucos.

Afinal, quem somos nós? Bibelôs e fantoches? Artistas são seres humanos, têm ideais e pensamentos próprios! Eu não vivi a censura dos anos de ditadura no Brasil, mas estive em cena com artistas que viveram. E só quem passou por isso sabe o que realmente significa "liberdade de expressão". Falar aquilo que se tem vontade, ou melhor, aquilo que se faz necessário, ou ainda: alertar a população. Lucidez! Parece piegas, mas, no fundo, só perdendo algo para descobrir seu verdadeiro valor. E nós, suprimidos do dom de comunicar, nos tornamos tão pequenos, tão impotentes... O mundo clama pela paz, mas o "Grande Ditador" decide que quer a guerra.

Não me condenem. Não sou a favor do terrorismo, nem de armas de destruição em massa, nem de poderes exacerbados nas mãos de uma única pessoa. Porém, todos sabemos que as guerras trazem sempre mais desgraças do que benefícios. Deprimente e lamentável é ver, ao vivo, uma cidade sendo bombardeada. A maior loucura é que, ao mesmo tempo em que essa realidade choca, ela está distante... Como se fosse um vídeo game de última geração, ou um filme qualquer. Muitas pessoas perceberam a realidade. Isto está acontecendo! E todos nós, de uma maneira ou de outra, seremos prejudicados.

A guerra está lá, longe, em outro continente. Mas, para que atentados aconteçam em outras partes de planeta, é questão de vontade e segundos. Ninguém precisa de mais do que algumas horas para estar do outro lado do mundo. A humanidade não pode deixar que esses erros se repitam. Tenho medo. Tenho vontade de chorar ao assistir aos bombardeios. E acredito que, como diz o ditado, "embaixo desse angu tem caroço". Espero que esta guerra termine o mais rápido possível. Espero que as preces e os pedidos de paz sejam ouvidos. Espero que tudo isso cause o menor dano possível ao homem inocente que não tem culpa de nascer aqui, ou ali, e ao nosso planeta que sofrerá com queimas e perdas irreparáveis. Espero. E aqui, aproveito para dizer: SEMPRE É TEMPO DE PREGAR A PAZ!

Rennata Airoldi
São Paulo, 2/4/2003

 

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