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Quinta-feira, 24/4/2003
O blogueiro: esse desconhecido
Alessandro Garcia

Convenhamos, mais ou menos unanimamente, que blogueiro é um termo bagaceiro ao extremo. Quase todas as terminações em eiro têm a característica de serem depreciativas, profundamente ultrajantes. É quase sempre o diminutivo irônico para alguma outra atividade verdadeira, e que acaba por demonstrar a mediocridade daquela pessoa a quem se atribui tal sufixo. Daí, podemos lembrar que poeteiro, por exemplo, é um termo utilizado para demonstrar a baixa qualidade da produção literária daquele cara que se atreve a rimar amor com dor e coração com paixão, e se julga o mais marginal dos seguidores de Fernando Pessoa. Com poucas ressalvas [carreteiro, toureiro, carteiro, verdureiro... é, nem tão poucas assim...], não acho que tal sufixo quando apregoado a este termo que designaram para pessoas que mantêm um blog, consiga, de alguma maneira, ser elogioso ou descreva honrosamente tal atividade. Soa quase como alguém que perde seu tempo blogando [e os verbinhos, ainda que não queiramos, vão surgindo...], atitude ainda não vista de maneira muito benéfica para os que a exercem. Quem a emprega - e são poucos os próprios mantenedores de blog que a usam para si e para seus semelhantes - parece querer minimizar o outro, espezinhá-lo, quase que por assim dizer, tornando menor o exercício de tal atividade.

Quase sempre são os meios de comunicação, de alguma maneira ressentidos por esta ferramenta, que, convenhamos, ainda não disse a que veio e que, apesar de sabermos não se tratar de nenhuma grande revolução, tem sim, muitos benefícios para a rede, tal a facilidade de propagação de informação, facilidade de postagem de o que quer que for, e mesmo contribuição para os grandes jornais do mundo, que já a utilizam como um prático elemento de publicação on-line de notícias. A guerra no Iraque criou uma porção de blogs que trataram de informar com coerência, mantidos por jornalistas e formadores de opinião, os acontecimentos no front.

Agora, por que toda esta introdução? Peguei-me, sem mais nem menos, pensando, o que querem afinal os [aí o termo inevitável...] blogueiros? Quem somos nós, o que nos interessa, que sentimentos nos movem? Nossos objetivos são os mesmos? Tornamo-nos mais semelhantes ao utilizar uma mesma espécie de ferramenta? Queremos nos mostrar à multidão que faz da internet seu meio de informação e divertimento? Somos psicopatas com sede de atenção? Nos interessa a formação de opinião, a masturbação diária de delírios egocêntricos, a postagem exacerbada de ficções auto-indulgentes, as egotrips que tantos "escritores" criam, da noite para o dia? Jornalistas sem mercado de trabalho, é o que somos? Delirantes romancistas, pretendentes a fazedores de opinião? Abelhudos, faladores, umbiguistas? O que nos move a postar longos "ahhh.... hoje eu estou mal!" e coisas do tipo? Quem se interessa pelo fim de semana do jovem asiático que atualiza seu blog com imagens scaneadas dos guardanapos dos restaurantes que freqüenta? Por que tanta dedicação à construção de uma tese inédita sobre a influência dos delírios cinematográficos franceses sobre a produção literária gaúcha [se é que existe tal influência...]?

Se sabemos ser vistos, e postamos para ser vistos e lidos, preocupamo-nos com a qualidade do que está sendo escrito, ou conseguimos nos manter imunes a esta sensação constante de estarmos sendo olhados e fazemos de nosso estilo de escrita, realmente um exercício de um estilo verdadeiro e não cheio de afetações? Posto algo cheio de maneirismos para me fazer parecer com aquele cara que escreve e que eu quero que leia o meu blog? Encho meu blog de lugares-comuns a fim de conseguir mais resultados nos sites de busca e, conseqüentemente, mais visitas e aumento no meu contador? Fico feliz com as pessoas que entram atraídas por frases como "kelly key nua sendo estuprada por orangotangos alucinados" e saem, decepcionadas em não ter conseguido se realizar em seus devaneios eróticos solitários? Alegra-me dizer "ei, hoje completaram 7,854 visitantes do meu blog!"?

Existe quase um sentimento até de dever principalmente com os donos de outros blogs que nos linkam. Uma sensação de demonstração constante de qualidade, uma busca da excelência diária. A pessoas com consciência, que atingiram um certo público visitante freqüente, já não é mais possível os delíros adolescentes de outrora [se existiram]. A sensação é de quase profissionalismo, de pertencer ao meio... Que meio, no entanto, é a pergunta que retumba, impiedosa.

Estudos sérios da utilização desta ferramenta podem e devem ser feitos, para identificar quem são os que a constroem, e mais toda a série de perguntas colocadas acima. Com certeza não são somente os mesmos que criaram a sua página no cjb ou no hpg. Com algum benefício como meio de comunicação, com muito delírio sobre pretensões intelectuais, este universo de blogs é assunto que rende muita discussão, ainda.

Nota do Editor
Alessandro Garcia é escritor, publicitário e pode ser encontrado no Suburbana.

Alessandro Garcia
Porto Alegre, 24/4/2003

 

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