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Terça-feira, 13/5/2003
Literatura e cinema na obra de Skármeta
Marcelo Barbão

Todo domingo era a mesma coisa: anoitecia e começava aquela leve depressão de saber que o dia seguinte começava cedo, não daria para ficar em casa descansando, lendo e escrevendo. Mas, durante um bom tempo (acho que em torno de dois anos), as minhas noites de domingo foram chacoalhadas por um senhor careca, bigodudo e sempre com um sorriso contagiante no rosto. Era o programa "Torre de Papel" apresentado pelo escritor Antonio Skármeta no canal People+Arts.

Foram centenas de domingos passeando por diversos países latino-americanos, inclusive o Brasil, entrevistando autores, mostrando lugares importantes e livros que valiam a pena ser lidos.

E, depois de tanto tempo, eu reencontro o bem humorado escritor chileno na sua última obra, "La chica del trombón". Para aqueles que ainda não sabem quem é Skármeta, precisam rever o excelente filme "O carteiro e o poeta", que foi baseado no livro "Ardente paciencia (el cartero de Neruda)". Em português, lançado pela Record em 1996, o livro perdeu até o nome original e ficou somente "O carteiro e o poeta". Essa novela mostra como a vida de Skármeta transita entre o cinema e a literatura.

A história do carteiro que ficou amigo do poeta Neruda durante o exílio deste numa ilha do Mediterrâneo, foi montada primeiro como peça de teatro, saiu publicada em livro e finalmente virou filme em 94.

Tantas atividades fazem com que a obra de Skármeta seja pulverizada e pequena. Foram somente sete livros iniciando em 1975 com "Soñé que la nieve ardía". Durante o decênio 89-99, o chileno não publicou nenhum livro, exatamente no período em que voltou ao Chile depois de 15 anos de exílio involuntário. Se isso é coincidência ou não, é impossível saber. Agora, é embaixador na Alemanha, país no qual viveu durante a maior parte desses anos longe de sua terra natal.

Como ficou bastante evidente na resenha que fiz sobre a também chilena Isabel Allende há duas semanas atrás, é inevitável que a ditadura seja um elemento muito concreto na obra de toda uma geração que cresceu, ou no exílio, ou vivendo sob o regime do general Pinochet. Não é diferente na obra de Skármeta. Apesar conseguir abranger interessantes elementos de sua própria ascendência (a família Skármeta é croata) e também da mágica cidade de Antofagasta, cercada de desertos por todo o lado, onde ele nasceu em 1940.

O livro "La chica del trombón" é a continuação do livro anterior "La boda del poeta". É a saga da família Coppeta saída da costa de Malícia no mar Adriático até chegar a Antofagasta.

O primeiro livro foi lançado no Brasil pela editora Record. Nesta continuação, a história começa com a chegada de um trombonista vindo da Europa com uma menina de dois anos para ser entregue a Esteban Coppeta, afirmando tratar-se de sua neta. A partir daí, a narrativa passa a acompanhar a vida da menina Magdalena (que prefere mudar de nome para Alia Emar em homenagem à sua avó) que sonha em ser estrela de cinema em Hollywood e faz tudo para isso. Anticomunista quando criança acaba se tornando uma grande amiga do presidente Allende e, apaixonada pelo amigo de infância Pedro Pablo Palacios, acredita firmemente num novo Chile. Não é à toa que a história termina em setembro de 1970, quando Allende toma posse como presidente depois de haver perdido quatro eleições.

É fácil ver as influências que o cinema tem na literatura de Skármeta. As imagens estão sempre presentes e a narrativa corre fácil, apesar da jovem Alia ter excelentes momentos de introspecção. Além disso, Skármeta provou ser um grande criador de personagens. Tanto ela, quanto o avô Esteban, são construídos de forma exemplar.

Antonio Skármeta mostra que é um grande contador de histórias, misturando elementos históricos e aspectos de romance. O livro pode ser encontrado no Brasil mas, se preferirem esperar a tradução, outros cinco livros estão em catálogo: "Não foi nada", "A insurreição", "O carteiro e o poeta", "A velocidade do amor" e "A boda do poeta". Só faltam realmente, este "La chica del trombón" e o primeiro, "Soñé que la nieve ardía".

Marcelo Barbão
São Paulo, 13/5/2003

 

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