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Domingo, 29/6/1980
Exercício de Egocentrismo Contido
Daniel Aurelio



Paulistano de nascença e RG, típico produto estatístico urbano com gene caipira, dei as caras no ano da morte de Lennon: 1980. Provavelmente, antes mesmo de levar do doutor a primeira raquetada nas nágedas, alguém, mamado de Atalaia Jurubeba, tentou avisar do meu destino literário. Deram-lhe de ombros. Quem se importa com os anjos decaídos?

Corte de cena: estamos agora na sexta-série, EMPG Rui Bloem, Pirituba, ano olímpico de 1992. Aula de "purtugueiz" ministrada por um gaudério enlutado pelo fim da ditadura - apesar dos seus (ul)trajes de Patropi: queria ensinar a petizada que a interjeição nordestina "oxente" era um substantivo próprio, e quando ele me lascou uma nota zero em redação percebi que eu levava jeito para essa coisa de escrever.

Reclames por favor. Que agora estou recém saído do colegial, diplomado técnico em Processamento de Dados, vésperas da Copa de 1998. Sentei-me frente ao micro e subitamente escrevi. Muito, mais de cem páginas. Era autobiográfico, mas tinha seu charme. Batizei o rebento de "Foi O Que Restou Mesmo...". Providenciaram cópias em espiral e uma mesa farta para a manhã de autógrafos, momento de constranger até impávidos consagrados, que dirá aquele moleque com gravata do Pernalonga posando para as fotos orgulhosas da família. Salvo meia dúzia de bravos amigos, sobraram petiscos e guaraná para o jantar, porque todo fracasso tem seu prêmio de consolação. Em 2001, finalmente publiquei-o pela editora CBJE (idem de repercussão).

Entre crônicas de Veríssimo e livros jornalísticos retomei o hábito de leitura, abortado na pré-adolescência quando meu sonho de ser futebolista profissional era maior do que qualquer comichão de pendor retórico. Notadamente inábil com a pelota, o jeito foi correr atrás do tempo perdido. Daí eu formei minha primeira esquadra: Rubem Fonseca; Veríssimo, Drummond, Nietzsche e Kafka; Antonio Cândido, Adorno, Rousseau e Maquiavel; Guimarães Rosa e Lima Barreto.

Não satisfeito, montei mais outra: Camus (que, aliás, foi mesmo goleiro); Nabokov, Voltaire, Sartre e Bonassi; Cortazár, Kant e Foucault; Salinger, Machado e, depois de muita discussão, entra ou não entra, coloquei o Joyce que é titular absoluto de quem aprecia um espetáculo criativo, mas eu não sei não... será que o pessoal do elenco vai entender o cara? Razão pela qual enfiei o Michel Foucault na meia esquerda: o careca francês não era um Zidane, mas conseguiu enxergar a história e a epistemologia sob uma luz especial que só mesmo gênios como o armador do Real Madrid. Eles que se entendam. Por sinal, não só não abandonei a paixão pelo futebol, como adquiri mais um vício. Sou literato em fase de construção.

Eliminado na primeira fase da Fuvest/01 (Artes Cênicas?!) e bi-zerado em Jornalismo na Cásper Líbero (99/01), tratei de procurar minha turma: desde 2002 sou aluno da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que para quem não conhece, é a pioneira em ciências sociais do país e que na década de 60 era uma quase sucursal da USP (que no imaginário geral recebe os louros que só mesmo os iniciados sabem que não lhe pertence).

Às vezes, em arroubos de tola grandeza, penso ser a continuação da linhagem dos românticos incorrigíveis que começa em Platão, passa por Cristo, Agostinho, Rousseau, Marx, John Lennon, Renato Russo e deságua bem na minha cabeça periférica. Isso quando não encasqueto em ser o porta-voz da práxis humana, qual um Shakespere de botequim. Decifro assim minha própria originalidade forjada.

Não vou bravatear em HTML: o que é ruim, ruim está. Alguns absurdos históricos serão comentados, generalizados até, mas não me cobrem a postura de bad boy do jornalismo cultural. Se for para brigar, prefiro calçar minhas luvas de boxe e partir para o pugilato (é mais honesto). Como sou adepto da desobediência civil e pacífica, este dia parece-me distante.

Critico: nego ou aplaudo, não ofendo jamais. Esgrimo com estudada fidalguia. Padeço do fenômeno inverso dos cri-criticos espalhados pelos suplementos culturais da vida: diante do meu retumbante malogro como escritor de romances, não chibatei ninguém gratuitamente. O que não significa, em absoluto, procastinar-me docilmente em abstinência opinativa.

Atualmente contribuo, além do Digestivo, para os sítios Zine Cultural, Revista Zero, SongWeb e para o Portal IG, cada qual com sua proposta, distantes como primos de milésimo grau. Tudo fruto da minha inconstância, matéria-prima de quem não tem vergonha de assumir-se falível e contraditório como um autêntico trôpego angelical.

Daniel Aurelio
São Paulo, 29/6/1980

 

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