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Quinta-feira, 11/9/2003 Notas sobre Jornalismo Cultural Fabio Silvestre Cardoso Os três anos deste Digestivo, bem como o lançamento do livro de Daniel Piza, Jornalismo Cultural, novamente trazem à tona um debate que até então estava esquecido pelo media criticism local, que por sua vez anda atordoado com as crises dos portentosos The New York Times e do Le Monde, guardiões do que resta de seriedade no jornalismo internacional. Com efeito, as grandes publicações brasileiras, há tempos, sofrem com a falta de manejo no que se refere à cobertura da seção cultural. Não obstante o interesse dos estudantes de comunicação em trabalhar nesta área, é visível a falta de preparo não só dos jornalistas, bem como dos meios de comunicação quando precisam tratar das artes plásticas, da crítica/resenha de livros, discos, cinema, teatro, dança, etc. Nesse aspecto, é significativo que boa parte da geração que cresceu lendo Paulo Francis, Cláudio Abramo, Sérgio Augusto e Ruy Castro não consiga avançar e formar um novo séqüito de leitores. Muito pelo contrário. Hoje, ressalvas feitas às exceções que comprovam a regra, os jornalistas culturais escrevem para si mesmos. E, num exercício de vaidade, abusam da forma; é patente, entretanto, a falta de conteúdo. Tome-se como exemplo o Caderno2, de O Estado de São Paulo, e a Ilustrada, da Folha de S. Paulo. Se não são os mais importantes das terras nativas, são, sem sombra de dúvida, os mais comentados. A necessidade de produção de um suplemento que contenha de 8 a 10 páginas, de segunda a segunda, empurra os bravos matutinos a se prestarem a papéis meramente provocadores, quando não esquizofrênicos. Quem não se lembra quando a Ilustrada, em meados de 2001, suscitou a polêmica de que Tom Jobim havia plagiado algumas de suas canções mais famosas? Claro, o assunto rendeu uma boa audiência para a publicação, porém, no fim, ficou-se sem saber se, de fato, houve plágio ou não. Isto é, mais um caso em que Billy Wilder, no filme A Montanha de Sete Abutres, resumiria bem, pois, no dia seguinte, o jornal apenas embrulhou mais um peixe. Já o Caderno 2, em julho último, apresentou em sua capa uma reportagem sobre o acervo bibliotecário de moradores da periferia de São Paulo. Ocorre que o texto enviesava por um lado excessivamente romântico, o que contrastava com a imagem do amontoado de livros sujos e embolorados que mais pareciam um entulho de papel, desses que se vê nos aterros sanitários da Prefeitura. Grosso modo, constata-se, de forma melancólica, que na absoluta falta de assuntos, o que seria digno de nota se transforma em reportagem. A dificuldade, talvez, desses jornais, é a grave crise financeira. (Não obstante o fato de todos terem aderido ao fernandismo neoliberal do primeiro mandato de FHC.) E, na hora do arrocho, uma saída é cortar os excessos. Infelizmente, para os magnatas da imprensa de Pindorama, o jornalismo cultural é a cereja do bolo. Nada que impeça os jornalões de continuarem sua ávida impressão de resenhas e críticas de artes, livros, discos e espetáculos. Mas isso se dá por via de pessoas não ligadas ao jornalismo. Repare o leitor que a cobertura cultural não acabou. Trata-se de uma alteração no que se refere à produção do material jornalístico, uma vez que este passou a ser realizado pelos asseclas ou amigos do rei – mais ligados a determinados grupos – e não por profissionais que se preparam para isso. É a pura e simples comprovação de que o que se tem realizado não é jornalismo cultural, mas, sim, uma ação-entre-amigos: se o filme da produtora dos irmãos X será lançado, este recebe um sem-número de resenhas favoráveis, algumas críticas negativas, mas que não desabonam o elogio uníssono que filme em questão. Nota-se, aliás, que a opinião dita por um “crítico” é repetida ad nauseaum pelos demais jornais e revistas. Essa prática tende a ser perversa quando o produto em questão é um arremedo de bobagens, tal como aconteceu com Matrix Reloaded. Nesse sentido, vive-se uma conjuntura piorada daquela descrita por Balzac nas Ilusões Perdidas. Isto é, uma obra pode ser aviltada ou beatificada de acordo com o humor do editor, ou das finanças, do jornal. Nessa repetição que beira a farsa, tem-se a nítida impressão que os jornalistas não passam mesmo de mercadores de palavras, uma vez que ora se colocam no papel de adoradores do bezerro de ouro, à espera do próximo flashmob, ora se portam como críticos irascíveis, nostálgicos de um tempo que sequer viveram, – sem qualquer preocupação em avaliar de maneira isenta as obras em questão. Cabe ressaltar que o jornalismo, a despeito das novas tendências e das recentes mudanças, é um serviço público. Não importa o quanto o jornalista se supõe importante, ou o quanto o jornal quer vender. Importa, isso sim, o valor agregado do que este serviço representa para boa parte da população. Ao jornalismo cultural, em tese, cabe a reportagem e a seleção de material que serve de apoio ao leitor que deseja aproveitar seu tempo livre, seja no teatro, no cinema, ou até mesmo na televisão. Nesse caso, entretanto, o jornalismo tem se prestado ao disparate e à galhofa. Positivamente, tem apenas servido como elemento que comprova o romance do já citado. No jornalismo cultural, ao menos por enquanto, as ilusões estão perdidas. Balas de Estalo Finalmente, a obra de Machado de Assis vem sendo reconhecida pelo cinema nacional. Após Memórias Póstumas, é a vez de Dom, adaptação que causou boa impressão aos críticos em Gramado. A direção é de Moacyr Góes, que tem figuras globais no cast: Maria Fernanda Candido, Marcos Palmeira e Bruno Garcia nos papéis de Capitu, Bentinho e Escobar. Resta conferir, quando a película entrar em cartaz, se não se trata de mais um balão de ensaio. Luciana Souza é a voz da vez. Consagrada e reconhecida nos Estados Unidos, onde já fez até mestrado em música, a intérprete vem timidamente ganhando espaço na grande mídia de Terra Brasilis. Timidamente porque não houve qualquer notícia significativa de suas apresentações no Sesc Vila Mariana em São Paulo. Decerto que os cadernos de cultura preferiram “cobrir” o VMB da MTV... É justo o reconhecimento que recebe, atualmente, o fotógrafo Walter Carvalho. Para quem não se lembra, trata-se do responsável pelas mais belas imagens – no sentido estético da palavra Belo – que o cinema nacional tem proporcionado ao grande público, como os filmes Lavoura Arcaica, Abril Despedaçado e o documentário Janela da Alma. Suas fotos trazem a perspectiva e a profundidade necessárias para a apreensão de um momento tão fugaz como a fotografia. Proust e o jornalismo “O que censuro aos jornais é fazer-nos prestar atenção todos os dias a coisas insignificantes, ao passo que lemos três ou quatro vezes na vida os livros em que há coisas essenciais” (No Caminho de Swann) Fabio Silvestre Cardoso |
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