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Terça-feira, 19/8/2003 A Poética do Extravio, Júlio Castañon Guimarães Jardel Dias Cavalcanti A editora 7 Letras, do Rio de Janeiro, acaba de lançar o excelente livro de poesia Práticas de Extravio, de Julio Castañon Guimarães. O livro é formado por um conjunto de 21 poemas, agrupados em três partes (sem títulos, numeradas pelos algarismos romanos I, II, III). Na primeira parte aparece um único poema, denominado “Às voltas”; na segunda parte, dezenove outros e, finalmente, na última, mais um único poema, denominado “Extravio”. No final do livro é publicado um Posfácio, escrito pelo poeta Duda Machado. É o sexto livro de poemas do autor. Os outros cinco encontram-se reunidos em um único volume chamado Matéria e Memória, publicado também pela editora 7 Letras. A publicação deste volume com toda sua obra poética facilita, para quem se interessar, o acompanhamento da trajetória do poeta. Após a leitura do livro Práticas de Extravio, a primeira coisa que chama a atenção é o fato do autor ter escolhido como título para o seu livro o que penso ser a melhor chave de interpretação para sua poética. A palavra extravio, embora possa ter muitos sentidos como, por exemplo, perversão moral ou corrupção, aqui ganha o sentido de desviar-se, afastar-se e, mais precisamente, perder-se. Unida à palavra “prática”, “extravio” ganha, dentro do conjunto dos poemas, o sentido do exercício do não-constituir-se. As paisagens dentro dos poemas são desoladas, meio informes, como no caso da linha do horizonte que é apenas esboço ou conjectura, no poema "Linha". Em outro caso, no poema "Ainda onde", os morros vão se desenhando à maneira de Cézanne, como "sinais de uma escrita" onde vários elementos se sobrepõem na busca de uma definição que não é a da figuração, mas da procura de camadas geométricas "esgarçadas", mas criando ali seu desenho inesperado. A poesia de Julio Castañon não é de fácil leitura. É necessário revisitar os poemas muitas vezes, com grande atenção, para que eles se tornem minimamente inteligíveis. Estamos dentro de uma vertente de poesia que despreza o uso tradicional da gramática. O ritmo é quebrado, sem as pausas de vírgulas e pontos (ambas não existem nos poemas). Os versos são livres e criados por um forte exercício cerebral. As palavras apontam para múltiplos sentidos a cada leitura dos poemas. Por vezes, temos a sensação de que não conseguimos amarrar os versos dentro de um entendimento razoável para cada poema. As direções são quebradas a todo momento, nos deixando perplexos como se estivéssemos dentro de uma rede de pesca perfurada para além dos seus próprios buracos existentes. Mas insistindo na apreciação percebemos que a intenção é mesmo criar uma obra que não se constitua em formatos fechados de compreensão. Talvez ai se possa pensar na idéia de “extravio” como a perda de sentido das experiências ou das tentativas de acomodá-las em alguma forma facilmente compreensível . Nesse sentido, a poesia de Castañon pratica um aniquilamento auto-corrosivo na sua própria constituição, pois sua poesia é povoadas de “insinuações e recuos às voltas com a rarefação”, como no poema “às Voltas”, que abre seu livro. Sua poesia se explica também pelo conjunto de palavras que escolhe para compor seus versos: “fraturas”, “desolação”, “restos”, “recusa”, “esboços”, “suspeitas”, etc. São elementos de uma negatividade, de um não deixar-se possuir pela realidade, pela experiência ou pelas imagens do mundo visível, que acabam apenas nos dizendo que toda tentativa de constituição de um sentido é, na sua poesia, apenas um esboço liquidescente de “silêncios de silêncios”. Dentro de um quadro de leituras incertas, a poesia de Castañon nos indica o caminho do "olhar para coisa alguma", limpando arestas de interpretação dos acontecimentos e nos fazendo perceber a poesia lá onde ela é um fato realmente poético. Somente a ordem da ruína transparece e é dentro dela que temos que nos acomodar na leitura dos poemas. As matérias dos versos têm, então, os “destroços” como sua “própria matéria”, segundo indica o poema em prosa “Sinais”. Mas não se trata de uma questão temática, mas da própria construção formal dos versos como os percebemos. No posfácio, o poeta e crítico Duda Machado chamou a atenção para os objetos (paisagens) da poesia de Castañon como “fiapos” e “mapas de suspeitas”. É a “lição da escrita” que esta poética quer indicar: uma imersão no universo estropiado do eterno extravio, no qual o que resta é “um diálogo pelos arredores da desolação”. Como uma somatória de ecos dissonantes, cada poema é "tão avassalador/ quanto esfacelada/ a certeza à mão". Embora alguns desenhos queiram se constituir, são desconexões semânticas que traçam a linha dos versos, impedindo figuras de existirem como imagens totais. Práticas de Extravio traz para a poesia contemporânea brasileira uma voz pessoal, livre de influências marcadas por pressões do ambiente literário. É a demonstração de que Castañon, que no início manteve um diálogo com várias vertentes da poesia, agora segue, dissonante, um caminho próprio - preferiu se extraviar. LINHA no horizonte talvez a linha que limite impalpável entre morros e céu quase só a idéia do traço superposto à massa de morros ou ainda em outra direção por pouco não só conjectura o frágil adensamento da base do que se espraia acima com as variantes de luz e ventos o que assim mais começa a se definir quando os perfis de um ou outro pássaro se alçando do opaco dos morros contra camadas de transparência lêem-se como trechos soltos dessa linha fragmentos de alçassem vôo e assim sobre a linha marcas breves longas aspirações ênfases ritmo ritmo com o que indícios do esboço do andamento dessa linha ou pura lição de escrita Para ir além: Jardel Dias Cavalcanti |
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