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Segunda-feira, 1/9/2003 EUA: uma nação de idiotas Jardel Dias Cavalcanti “Os Estados Unidos são o paraíso. O paraíso é o que é, eventualmente fúnebre, monótono e superficial. Mas é o paraíso”. (Jean Baudrillard – América) “Pode-se dizer tudo dos americanos, salvo que são medíocres ou pequeno-burgueses. Não possuem, é certo, a graça aristocrática, mas têm o desafogo do espaço, daqueles que sempre tiveram espaço, e isso substitui as maneiras e os brasões de nobreza”. (Jean Baudrillard – América) Em geral poucas pessoas se metem a fazer uma crítica política mais radical e ao mesmo tempo divertida. Há três tipos de críticos: o tipo acadêmico, que tem de limitar o tom de suas críticas em função dos cargos que ocupa ou deseja ocupar; os participantes de algum partido político que têm de se prestar às regras que os membros diretores estabelecem “democraticamente” para sua legenda; e, por último, a classe jornalística, que mesmo querendo exercer sua “independência”, acaba tendo sua liberdade controlada, pois sendo funcionária de uma empresa correm o risco de demissão do cargo e muitos são realmente demitidos quando contrariam a “linha” (melhor dizendo os “grilhões”) do jornal onde trabalham. Michael Moore não se encaixa em nenhum desses tipos. É um crítico impiedoso, disposto a denegrir a imagem do país onde nasceu, condenando sua política imperialista, seu racismo, sua moral machista, sua modernidade predatória, seu presidente boçal. Moore ficou conhecido entre nós pela premiação com o Oscar/2002, por seu documentário Tiros em Columbine, e pela corajosa frase que soltou no momento em que recebia a estatueta: “Faço ficção em um país que numa eleição fictícia elegeu um presidente fictício que nos mandou para uma guerra fictícia. Tenha vergonha Mr. Bush”. Em meio a artistas amedrontados pelo novo macartismo americano, durante a perversa invasão do Iraque, Moore ousou depreciar a imagem do presidente dos EUA, que foi devidamente qualificado pelo documentarista como “ladrão-chefe” do império americano. Depois dessa ousada aparição, a editora W11/Francis decidiu traduzir e publicar no Brasil o satírico livro de Moore Stupid White Men: uma nação de idiotas. São 12 capítulos recheados de divertida crítica ao universo da política, da economia e dos costumes americanos. Mas é bom que o leitor já saiba que, em meio aos momentos de riso, nos deparamos com dados referentes ao país e suas tramóias políticas que nos aterrorizam, nos fazendo odiar a “nação de idiotas” e, mais ainda, seu “fictício presidente” e seus comparsas texanos. No capítulo 2, por exemplo, denominado “Caro George: carta aberta ao presidente George Bush”, Moore elenca as “grandes realizações” de Bush: - cortou US$ 39 milhões dos gastos federais com bibliotecas; - cortou US$ 35 milhões em financiamentos para treinamento pediátrico avançado para médicos; - adiou a legislação que reduziria os níveis “aceitáveis” de arsênico na água potável; - abandonou o acordo do Protocolo de Kyoto, sobre aquecimento global, assinado por outros 178 países. A lista dos maléficos feitos bushianos é enorme e os mesmos são tratados e denunciados por Moore com eficaz ironia. Seguindo esta linha de crítica, ao presidente da mais rica nação do mundo é perguntado: “George, você é capaz de ler e escrever como um adulto?” E a resposta é: “A mim e a outros parece que, infelizmente, você possa ser um analfabeto funcional. Não é preciso ter vergonha disso. Você tem bastante companhia. Milhões de americanos não sabem ler ou escrever além do nível da quarta série do ensino fundamental (...) Uma coisa é clara para todos, você não sabe falar a língua inglesa em sentenças que conseguimos entender”. Sendo assim, indaga Morre: “Como podemos confiar algo como nossos segredos nucleares a você? Em outro capítulo é o racismo americano que é espremido na parede pelas frases bombásticas de Moore, que não deixa de aproveitar para atacar o universo dos “estúpidos homens brancos” que sempre o “aterrorizam”. Este capítulo tem o sugestivo título: “Matem os branquelas”. “Toda vez que vejo um cara branco vindo me minha direção, fico tenso”, ele diz. E nós perguntamos, afinal, qual a razão, pois não são os negros que em no nosso imaginário são uma ameaça? Para Moore, “todas as pessoas que me causaram algum mal eram brancas!”. O sarcasmo do escritor é tão grande em relação ao racismo americano que lançou no mesmo capítulo um guia com “Dicas de sobrevivência para pessoas negras”. Se, por exemplo, você é negro e quer fazer compras sem ser confundido com um ladrão, faça compras on-line. Quer dirigir sendo negro? Desista, vão pensar que você roubou o carro. Pegue um ônibus. Além destes ataques, outros são desferidos ao comportamento “politicamente correto” dos americanos. Mas para que se assustar ou se desesperar, se, mesmo com todas as imperfeições, os EUA são das vinte nações industrializadas a número um! Em que? “Em milionários, em bilionários, em gastos militares, em mortes por armas de fogo, em uso per capita de energia, em emissões de dióxido de carbono, em produção de lixo doméstico, em produção de lixo tóxico, em consumo de petróleo, em consumo de gás natural, em feridos e mortos nas estradas, em não-assinaturas de tratados internacionais de direitos humanos, em molestadores de crianças, em suicídio com armas de fogo, etc.” Outro capítulo do livro que chama a atenção é “O fim dos homens”, onde sua verve crítica se direciona à cultura machista dos americanos. Nos EUA, segundo Moore, a coisas anda no seguinte pé: nem uma única mulher fez parte da cédula de votação dos principais partidos para o cargo de presidente ou vice-presidente em vinte das vinte e uma eleições desde 1920; atualmente, em cinqüenta Estados, existem apenas cinco mulheres governadoras; as mulheres ocupam apenas 13% dos acentos no Congresso; 496 das quinhentas maiores empresas dos Estados Unidos são dirigidas por homens; apenas quatro das 21 principais universidades dos Estados Unidos são dirigidas por mulheres; 40% das mulheres divorciadas, entre 25 e 34 anos, acabam na miséria; para ganhar o mesmo salário anual que seu companheiro masculino, a mulher precisaria trabalhar o ano inteiro mais quatro meses adicionais. Este diagnóstico, no entanto, pode se reverter já que a decadência masculina está em andamento: as mulheres vivem mais, nossos cérebros perdem o ritmo mais rápido do que os das mulheres quando envelhecemos, sofremos mais doenças cardíacas, ataques, doenças do fígado, úlceras, nossas funções circulatórias, respiratórias, digestivas e excretoras param de funcionar antes das delas, as meninas tiram notas mais altas que os meninos, os homens têm três vezes mais probabilidade de morrer em acidentes. Dentro deste quadro aterrador, Moore propõe uma saída em “Como os homens podem evitar a extinção”: lembre-se de que seu carro não é uma arma de destruição, pegue leve na comida e na bebida, retire-se do mundo dos negócios (deixe o estresse para as fêmeas) você viverá mais, lave suas mãos, aprenda como funciona o assento da privada, tome banho diariamente, diminua o tom de voz, verifique sua audição, saiba que as mulheres sabem das coisas. Se não cumprirmos estas sugestões, desapareceremos. Mas e as mulheres? Como sobreviverão sem os homens? Moore ensina a elas: faça uma visita a um banco de esperma ou agência de adoção e aprenda onde comprar uma escada portátil. Afinal, para que mais pode servir um homem? O livro vale pela divertida forma com que Moore expõe a problemática da estupidez americana. Apesar do tom satírico (é sua virtude), não deixa, no entanto, de procurar fontes seguras de informações e de escolher informações que são geralmente boicotadas pela imprensa mundial. É um libelo de denúncia, instigante pelo tom que nos faz aprender que, além da crítica sisuda e politicamente correta, pode-se praticar uma crítica divertida. Aproveitem, não é sempre que se pode rir nervosamente da maior nação imperialista do mundo, construída pelos estúpidos, ricos, racistas e sorridentes homens brancos. Para ir além Jardel Dias Cavalcanti |
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