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Quinta-feira, 6/11/2003 Muito mais do que superinteressante Adriana Baggio Estive em Natal no final de setembro para um evento de marketing e uma das novidades mais interessantes que encontrei não estava na praia e nem nas palestras. Ao passear pela banca de revistas de uma livraria, o colorido de uma capa me chamou a atenção (e não é essa a função das capas? Despertar o desejo de ir além, olhar o que há por dentro?). A surpresa foi perceber que aquela capa tão bonita e colorida, exposta em uma banca de revistas de uma cidade nordestina, era a edição de setembro de uma publicação da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Pesquisa é uma revista que traz artigos e notícias sobre pesquisas científicas realizadas principalmente nas universidades paulistas, mas também no restante do Brasil e no mundo. A capa que tanto me chamou a atenção é um intervenção de Hélio de Almeida sobre A Virgem com o Menino, de Filippo Lippi. As cores suaves características das pinturas renascentistas foram cobertas com uma transparência vermelha, em parte do quadro, para ilustrar a reportagem de capa – “Estresse na raiz da fertilidade” (sobre uma pesquisa que mostra que o estresse em filhotes de ratos recém-nascidos separados da mãe por breves períodos pode provocar danos irreversíveis cérebro) causando um belo efeito estético e atrativo, dificilmente relacionado com a aridez dos assuntos científicos. Como competir nas bancas com as fotos de personalidades das revistas de fofocas, as belas mulheres das revistas femininas e masculinas e as pseudo-interessantes imagens das revistas semanais? Pesquisa, a meu ver, conseguiu essa proeza. O cuidado na programação visual da revista é uma promessa para a excelência do conteúdo. Mas quantas pessoas se interessam por pesquisa científica no Brasil? Tenho a percepção de que o pesquisador é ainda menos valorizado do que o professor. Este, pelo menos, tem uma atividade com resultados concretos – trabalhos, provas, diários de classe. Mas e a pesquisa? Pois é justamente a pesquisa que deveria ser a ponte entre a universidade, principalmente a pública, e a comunidade que a sustenta ou acolhe. No entanto, ela ainda permanece como uma atividade restrita aos laboratórios, salas de aula e eventos, sem a aplicação prática que estenderia sua visibilidade e também seus benefícios. Assim, entramos em mais um dos inúmeros círculos viciosos que movimentam as coisas no Brasil. As pessoas não se interessam pela pesquisa científica porque ela não aparece. E ela não aparece porque o desconhecimento da sociedade impede que sejam cobradas as aplicações práticas de seus resultados. Trechos de um artigo publicado nesta edição de Pesquisa ilustram bem essa situação. A matéria “Atenção à pobreza” fala do descaso em relação à pesquisa de novas drogas para prevenção ou tratamento de doenças que afetam países em desenvolvimento, como tuberculose, Doença de Chagas, leishmaniose, malária. São doenças que, tanto quanto as cardiovasculares, respondem por 12% do total de doenças no mundo. No entanto, para estas últimas foram desenvolvidas mais de 179 novas drogas entre 1975 e 1999. As doenças “populares” mereceram apenas 15 novos produtos. É evidente que o desenvolvimento de novas drogas para essas doenças pouco interessa à indústria farmacêutica, já que esse segmento é pouco representativo no faturamento das empresas. Por conta disso, milhares de pessoas morrem no mundo todo por causa de doenças “obsoletas”, para as quais o tratamento seria fácil e barato. Diversas instituições brasileiras começam a se envolver em um projeto mundial com coordenação da Organização Mundial de Saúde e da Médicos Sem Fronteiras que busca reverter esse quadro. A consolidação da pesquisa brasileira nesse tipo de projeto só aumentou após o desenvolvimento das formulações para o coquetel de drogas de combate ao vírus da AIDS. No entanto, o Brasil tem potencial para muito mais. Segundo o Paulo Buss, presidente da Fiocruz, a capacitação científica existente no Brasil é extraordinária, mas falta um projeto mais consistente que combine a parte científica com a área industrial. A pesquisa no Brasil produz muitos artigos científicos, mas a produção de algo tangível não faz parte da nossa cultura universitária. É essa distância entre a academia e a comunidade que torna a pesquisa um assunto tão restrito, quando deveria despertar o interesse da comunidade. A iniciativa de publicar e distribuir uma revista sobre pesquisa científica e tecnológica para a massa pode atender a diversos interesses. Primeiro, democratiza a informação e torna mais acessível as descobertas e assuntos de interesse não apenas da comunidade acadêmica. Segundo, se o conceito de importância da nossa sociedade está relacionando ao aparecer ou não na mídia, as pesquisas e os pesquisadores divulgados nesta revista talvez passem a ter, pelo menos em parte, a repercussão que merecem. Terceiro, mostrar a aplicação prática das pesquisas desenvolvidas nas universidades e colocar que isso ainda não é suficiente, pode incentivar a comunidade a cobrar resultados mais práticos dos estudos custeados com os impostos e a exigir uma maior participação das verbas públicas nos projetos de educação e pesquisa. Pesquisa parece ter percebido que manter a informação isolada na torre de marfim da academia não é um bom negócio. Percebeu, também, que para que a pesquisa e a informação sejam consumidas é preciso que sejam tratadas como produto, por mais que os puristas acadêmicos sacudam seus diplomas. Se a idéia de pesquisa científica sugere algo chato, inacessível e sem graça mesmo para uma pessoa que teve algum tipo de iniciação à vida acadêmica, imagina para o público em geral, que recebe milhares de outros estímulos muito mais interessantes nas bancas de revista. Pesquisa tem, portanto, o mérito de querer ser atrativa e acessível. Através da beleza de suas capas (tinha uma outra edição na banca, com uma capa igualmente bonita), das ilustrações das notas e reportagens, da acessibilidade da linguagem dos artigos, da leveza e modernidade da diagramação, o público pode ser seduzido e tentado a percorrer as entranhas da pesquisa científica e perceber o quanto esse tipo de informação pode ser interessante para a vida de todos nós. Adriana Baggio |
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