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Terça-feira, 27/1/2004
São Paulo, aos 450, resiste...
Fabio Silvestre Cardoso

Como boa parte das pessoas que aqui mora, minha relação com São Paulo oscila entre o amor e o ódio, entre a fascinação e o tédio. Por um lado, é a cidade onde nasci e fui educado. Graças aos seus centros culturais, bibliotecas, bem como à sua vida cosmopolita, aprendi a absorver o que há de mais interessante nesse melting pot cultural, para, então, formar meu ponto de vista, minhas idéias. Por outro lado, é nessa mesma cidade que a vida me parece mais grave, mais sisuda, contrita. Onde as pessoas emanam um individualismo que pode ser representado nos engarrafamentos absurdos de suas principais ruas e avenidas. Ou como ousou cantar Caetano Veloso: "A dura poesia concreta de suas esquinas".

Contras e...

Então, em 2004, São Paulo completa 450 anos, uma efeméride que vem sendo mais saudada do que se tem costume na capital. Há, inclusive, uma tentativa de forjar um sentimento de "devoção" à cidade, fato que, nessa altura dos acontecimentos, é no mínimo bizarro. Vejamos por quê.

Do ponto de vista estético, São Paulo é, convenhamos, feia. Não há qualquer resquício de beleza natural. O que existe, sim - e graças a uma seqüência de gestões públicas medíocres e populistas -, é um imenso canteiro de obras mambembe. Há, também, um rio fétido (o Tietê), que embrulha o estômago de todos os que transitam por ali. Sem mencionar a poluição dos sentidos a que os paulistanos são vítimas dia após dia na cidade. Dessa maneira, restringem-se os prazeres dos moradores de São Paulo. Sobre isso, aliás, é curioso notar que, quase sempre, o modismo se sobrepõe a qualquer tipo de tradição cultural. São Paulo é pós-moderna e é a prova viva da decadente pujança econômica.

Prós!

Ainda assim, São Paulo tem lá suas virtudes. Nesse sentido, a palavra "diversidade cultural" esconde muitas peculiaridades: desde a gastronomia plural até a migração caótica de pessoas de todas as partes do País. Além disso, por aqui passam quase todas as grandes exposições de arte. Para que o leitor tenha a real dimensão disso, é preciso dizer que as demais cidades brasileiras praticamente não participam deste circuito seleto. Assim, o que há de melhor no segmento cultural do mundo, quando vem para o Brasil, tem sua parada obrigatória em São Paulo. E, recentemente, a cidade tem exportado o seu patrimônio cultural, como acontece com a Orquestra Sinfônica do Estado, a Osesp, que fez em 2003 uma turnê nas maiores casas de espetáculo do mundo.

Epílogo

Até bem pouco tempo atrás, os 450 anos me empolgavam muito. Hoje, não mais. Como quase tudo na cidade, esta comemoração ganhou um tom de obra superfaturada. Mega-shows, exposições, etc. Não dá para saber o que celebram, posto que o evento ganhou um fim em si mesmo. Para mim, o que dá alento é que depois disso tudo a cidade vai, como sempre, resistir. Acolherá desde os exageros da festa até as singelas homenagens. E, no dia seguinte, a metrópole levantará para mais um dia de trabalho. Aos 450 anos, e apesar de tudo, São Paulo resiste.

Post Scriptum

Roberto Carlos, Maria Rita, Caetano Veloso, Demônios da Garoa. O cardápio foi tão variado quanto seu repertório inusitado no fim-de-semana de comemorações dos 450 anos. Os dados oficiais registram o comparecimento de mais de um milhão de pessoas, felizes, na chuvosa tarde de domingo - que teve passeata, trio-elétrico, culminando com o show no Anhagabaú. Não se pode negar que quem esteve ali se divertiu à beça. No entanto, cabe perguntar: será que os paulistanos presentes pensavam no aniversário da cidade ou estavam apenas interessados em assistir aos shows de graça? Não importa. Dirão, como sempre, que o pessimista da história é o signatário do texto. E este retruca: "Homenagem por homenagem, prefiro a minha: singela, mas honesta"

Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 27/1/2004

 

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