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Quarta-feira, 28/1/2004 O problema de São Paulo é a falta de boteco Alexandre Petillo São Paulo é uma droga. Você fica dependente. A cidade te maltrata, dificulta, emperra, mas você vicia e você não consegue mais abandoná-la. É um tapa na cara morar em São Paulo. É um nó na garganta. Mas se bate com uma mão, oferece com outra. E oferece muito mais do que o resto do Brasil pode te proporcionar. São Paulo fez 450 anos. Parabéns! Eu amo São Paulo. Quando mudei para cá, mudei feliz, sem medo de encarar toda a parafernália e disposto a me acostumar com o céu cinza habitual. São Paulo é rock. Gosto de criar raízes, de me habituar. De ver os cenários envelhecendo. Dá até para se tornar conservador e freqüentar os lugares de sempre. Mas esses lugares de sempre são tantos que não dá tempo de enjoar. É o que se ganha pelo que se enfrenta. Por exemplo, existem pelo menos três lojas de discos que eu habitualmente gosto de deixar os caramingás. A Velvet (que, orgulhosamente, trabalhei durante alguns meses), que fica ali no Centro da cidade, tem o que você quiser e ainda ganha um papo excelente com o dono André Fiori; a Nuvem Nove, onde você pode encontrar tudo que te der na telha naquela semana, ali no Itaim-Bibi; e a Baratos Afins, que tem tudo que você quiser e ainda ganha de graça a história do underground paulistano contada pelo Luiz Calanca. São Paulo é o lugar onde se come melhor no país - em todos os sentidos. O topo da lista é o Rocket's, na Alameda Lorena. É o melhor sanduba do país, de longe (não, minto, não de longe, o do Cervantes, no Rio, se aproxima, mas é outro contexto). Seguido de perto (num paradoxo, veja você), o sempre caprichado sanduíche de pernil nas barracas da porta do estádio do Pacaembu. Mas já aviso: é para poucos. Já vi muito nego macho arregar diante do sanduba. Em compensação, presenciei Ian McCulloch, do Echo & The Bunnymen, encarar dois caprichadíssimos, com cerveja, sem pestanejar. A noite paulistana é um labirinto infindável. Tem para todo mundo, você sabe muito bem. Mas as minhas favoritas continuam sendo o Urbano, na noite black de toda segunda; os eventos capitaneados pelo DJ Hum; o Grazia a Dio, na Vila Madalena, com funk, samba e o melhor do baticum que a gente gosta; as rodas de samba do Ó do Borogodó, no domingão, e as rodinhas de samba de breque na Benedito Calixto, sábado depois do almoço. Aproveita que está chegando o Carnaval e vá até o ensaio de uma escola de samba, para ver o ópio do povo de perto e entender o significado da palavra excitação. O resto é o resto. O resto é o resto porque a minha maior decepção foi o tal underground roqueiro paulistano. Acompanhei de longe, mas sempre atento, as lendárias histórias do Projeto SP, Madame Satã, Lira Paulistana e coisa e tal. Quando cheguei aqui, em 1999, encontrei uma cena sem graça e careta. Não falo das bandas, selos e afins, falo do geral, do público, do clima, das conversas. Primeiro que platéia de show indie em São Paulo não dança, pula ou esboça qualquer movimento. Fica todo mundo parado, olhando, analisando. Existem dois motivos para isso: 1) nessas festas são vendidas o maior número de Coca Light da noite local e; 2) todos os presentes são "artistas", "escritores", "jornalistas" ou "aspirantes a". Na verdade, a grande maioria é de aspirantes a alguma coisa que não se sabe bem o quê, nem eles. Acreditam ser a elite da cultura brasileira, simplesmente por pertencer ao tal rock alternativo (alternativo a quê?). Esse tipo de gente canaliza o pior de São Paulo. São pessoas que criticam tudo e todos, reclamam de tudo, fazem de tudo para puxar o tapete de quem estiver na frente ou no mesmo barco, não fazem amigos, não olham na sua cara, não sabem ficar na sua, acham que todo mundo quer ouvir o que pensam sobre tudo quanto é tipo de assunto, gastam um tempo enorme com a opinião alheia e dificilmente abaixam a guarda. Esse tipo de comportamento, acreditem, é típico do paulistano - seja ele nascido ou agregado. Dizem que é por causa da poluição, do trânsito, dos ônibus lotados, dos alagamentos, mas nada justifica mau-humor e alma envenenada. Infelizmente, foi em São Paulo, minha terra de coração, que eu acabei conhecendo o maior número de pessoas assim. E, para piorar ainda mais, no meio roqueiro, meio que eu acreditava ser excitante, criativo e desencanado. Não é. Show de rock independente é um dos lugares menos divertidos para se freqüentar em São Paulo. É muita falação, picuinha e armação para pouquíssimo gip-gip-nheco-nheco. Pobre paulista. Acho que isso é falta de boteco. Não tem boteco em São Paulo. Quer dizer, tem sim, mas são aqueles botecos chiques, propositadamente despojados, onde foram gastos milhares para deixar o lugar com cara de sujo. Não, não são esses. Eu falo dos botecos que você encontra facilmente no interior e, por exemplo, no Rio de Janeiro, onde existe toda uma cultura sobre o assunto. Boteco é para quem consegue abaixar a guarda social. Geralmente, você encontra todo mundo lá, fala tudo que for preciso, enxuga o copo, olha na cara, resolve a parada. Boteco é o melhor lugar do mundo para resolver a vida. Na esquina de casa tem um boteco. Não fica aberto até tarde, mas quebra um galho. Toda terça é dia de ir no boteco, junto com o resto da rapaziada que divide a moradia comigo - todos do interior, todos conhecedores das regras e da necessidade de um bom boteco. Falta isso para o (rock independente) paulistano. Boteco. Nota do Editor Texto originalmente publicado no recém-inaugurado site Laboratório Pop. (Reproduzido aqui com a devida autorização do autor.) Alexandre Petillo |
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