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Quinta-feira, 29/1/2004 White Stripes: porque o rock não começa no punk Mario Marques Há pelo menos dois meses ando calado sobre um determinado assunto. Talvez seja uma espécie de trauma de 2003, o ano que demorei a entender. Ano em que Marcelo Camelo virou Chico Buarque, que Maria Rita virou Elis Regina, que o VJ Rafa da MTV virou poeta-gênio, que o Metallica virou mulherzinha, que o Ozzy virou arroz-de-festa. E, principalmente, que o White Stripes, essa frase eu ouvi quase traumatizado, complexado, burro, fora de órbita, "se multiplica no palco". Eu estava lá no show do Tim Festival, em novembro do ano passado, e assisti à constrangedora apresentanção de Jack e Megan White. Para os fãs da banda, e são muitos, o mérito da dupla é atitude e, acho eu, eles a consideram uma espécie de revolução, já que o formato adotado é inédito, Jack na guitarra, Megan na bateria. Já tive discussões homéricas com colegas da praia de jornalismo da área sobre se tocar bem ou não tocar bem importa. Sou defensor de harmonia, melodia e arranjo de primeira. Porque sou da escola do rock progressivo, gênero que pegou a música erudita, tacou num prato cheio de jazz e rock e foi engolido pelo punk, sua antítese. O rock progressivo (que o Radiohead de hoje se inspira escancaradamente) virou som datado e o punk, antologizado pelo Nirvana, virou o golpe de mestre do rock. É exatamente aí que entra o White Stripes. Jack toca mal, Megan, pior ainda. Não tem harmonia, não tem melodia, é tudo na base do riff e da bateção de panela. Ela com um andamento x, ele com um y. Ela com uma dinâmica, ele com outra. Ela repetindo levadas, ele repetindo acordes de forma intermitente. Ele cantando - ou grasnando - ela tentando, ou se suportando ao monitor. Então fui aos discos. Ultimamente tenho deixado minha opinião vazar após alguns dias, semanas e até meses de análise porque voltar atrás tem efeito derrotista, confesso. Daí prefiro esperar a poeira baixar, ouvir, reouvir, pesquisar. Com os Strokes aconteceu assim. Os caras são patéticos tocando e são tão amadores que fica claro que cada um deles não tem mais de quatro anos como instrumentista na Terra. Revoltava-me - e ainda me revolta - pôr a banda de Julian Casablancas no olimpo dos Deuses do Rock. Isso nunca vai acontecer, a não ser que Julian se mate, como os mitos do rock. Afora essa possibilidade, na próxima década os Strokes vão virar um Sonic Youth, banda que nunca chegou ao primeiro escalão, como queria a mesma turma que hoje faz preces pelos Strokes. Mas, ouvindo, ouvindo e ouvindo, passei a gostar de algumas das músicas dos Strokes. Bobinhas, cheias de clichê do punk rock, letras pobrinhas e com solos de guitarra indigentes, ainda assim eu mudei de idéia porque eles se preocupam em fazer canções, não em dar vazão a idéias. Como faz o White Stripes. A história pode até não ser essa, mas deve ser. Jack e Megan não são uma dupla de rock porque isso é uma estética. Mas sim porque ganham mais dinheiro, não têm que ficar dividindo palco com músicos de verdade (e pagando-os por isso) e são entediados com turmas em volta. Recentemente vi o show de novo, pelo Canal Multishow, da Globosat. Fiquei muito preocupado com o futuro da música pop. Porque é verdade que lá fora a dupla é um sucesso, é verdade que hoje eles são o hype e, acima de tudo, é verdade que os críticos acham que Jack é um guitar hero. É tudo verdade. Mas é uma verdade que eu não entendo, não. Existe uma ridícula e ultrapassada mentalidade de que a atitude em rock conta mais do que a própria música. É uma tese que contamina com mais força os jovens desde o advento do punk e que faz com que artistas como Peter Gabriel, Joe Jackson, John Mayer e Dave Matthews virem inimigos públicos. Gente que passa a vida procurando um acorde, aquele acorde. O Radiohed pós-Kid A entende que sua evolução e transformação passaram pelos anos 70 e certamente não foi por Clash, mas por King Crimson, Genesis. mas ninguém fala isso. Ou não sabe. Porque nunca ouviu nem Genesis, nem King Crimson, nem nada que denotasse qualidade harmônica. No Free Jazz em que o Sigur Rós virou estrela num mar de apagados, lembro-me que Gabriel Thomaz, dos Autoramas, dizia que o som dos islandeses era lindo. Ele próprio um egresso do punk, entendi ali que tal declaração poderia levá-lo ao plácido mundo da música mais apurada, do jazz, do acid jazz, ou quem sabe aos nomes já citados no parágrafo anterior. É essa a minha esperança. Que um hype do pop-rock leve a um passado que não comece nos Sex Pistols, nem nos Ramones, mas nos Beatles ou no Doors. Que a nova cara musical do Red Hot Chili Peppers seja vista como uma busca de qualidade harmônica, em vez de ser tratada como "apelo comercial" ou "prostitutos do rock". Que o Elbow seja visto como a salvação do rock e não o White Stripes. Tá bom, a minha esperança já morreu. Mas não me entrego. Eu não engulo o White Stripes. Nota do Editor Texto originalmente publicado no recém-inaugurado site Laboratório Pop. (Reproduzido aqui com a devida autorização do autor.) Mario Marques |
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