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Quarta-feira, 18/7/2001
Um recomeço?
Paulo Polzonoff Jr

A Partilha, de Daniel Filho, que estreou em todo o País, é um alento para o cinema brasileiro. Não. O filme não vai render ao Brasil nenhum Oscar; tampouco é sinal do surgimento de uma nova corrente estética que se espalhará pelo mundo, tornando o nosso cinema referência mundial. A Partilha é um alento porque decreta, de uma vez por todas, o fim da Embrafilme.

O projeto de uma indústria de cinema nacional é acalentada há várias décadas. Desde a Atlântida, célebre produtora de comédias (por que diria chanchadas se são comédias?), até Mazzaropi, passando pela Renato Aragão Filmes, o cinema nacional sempre precisou de iniciativas idealistas e pouco consistentes financeiramente, que pudessem arcar com os grandes riscos do negócio. Com a entrada da Rede Globo no ramo, uma luz se acendeu, afinal, a coorporação de Roberto Marinho é grande e bem-estruturada o suficiente para, logo de início, tornar-se uma referência em se tratando de cinema.

Além disso, conta já com o know-how das novelas, que as demais produtoras e os esparsos insistem em ignorar.

O resultado é o que se vê na tela, neste A Partilha. Um roteiro bem escrito, baseado numa peça de sucesso de Miguel Falabella, é o ponto de partida. Sucesso entre a classe-média, a peça da "Loura Má" encanta pela simplicidade e pelas piadas simples mas eficientes. A direção de Daniel Filho, calcada em anos à frente de novelas e minisséries, é segura, sem grandes prodígios, o que é uma qualidade e tanto em se tratando do pretensioso cinema nacional.

Defeitos, A Partilha os têm, claro, mas nada que não possa ser consertado se o projeto de Daniel Filho de fazer 24 filmes por ano. Uma produção constante é essencial para quem quer fazer cinema de qualidade.

Aos defeitos, porém. A escolha do elenco do filme é um problema que começa com o nome que encabeça a lista: Glória Pires. Criada em TV, Glória Pires tem certos cacoetes que são insuportáveis em cinema. Um jeito de mexer no cabelo, de olhar para a câmera, de dar a deixa para as atrizes com quem contracena. O mesmo acontece, com Lilia Cabral, mas em menor escala.

Paloma Duarte foi, por certo, a melhor escolha em se tratando de atriz jovem (Daniel Filho poderia ter optado, por exemplo, por Gabriela Duarte ou uma atriz de Malhação), mas não convence em seu papel. Ela é a única que leva a sério seu papel - numa comédia descarada. O contraponto para o desempenho das três atrizes é Andréa Beltrão. A ex-TV Pirata não decepciona nos momentos de maior comedicidade do filme. Na verdade, ela é a essência deste A Partilha, com seu personagem montado à base de estereótipos que são desmontados frame após frame.

Outro defeito do filme, irritante, por sinal, é a direção musical. Talvez porque voltado essencialmente a uma classe-média urbana, Nelson Motta, diretor musical, não quis apostar em uma trilha mais interessante, optando pela bossa-novinha de sempre, misturada com a indefectível Gal Costa, com disco music (talvez os melhores momentos musicais do filme). Talvez para se redimir, Nelson Motta ministrou doses homeopáticas do vozeirão de Ed Motta já no fim do filme.

De que fala este A Partilha? O filme começa com a morte da mãe de quatro filhas, uma completamente diferente da outra, que começam a se digladiar em torno da herança. Não que o dinheiro seja muito; na verdade, mesmo que a herança fosse somente dez reais o efeito dramático seria o mesmo. Tendo de se reunir para discutirem os bens materias, contudo, as quatro irmãs começam a dar valor a bens sentimentais que o tempo e a distância desvalorizaram. Falando assim até parece um filme de Bergman, mas Falabella dá à situação um tom cômico com sua marca registrada. Piadas com alguns palavrões, personagens caricaturais, carismáticos, um pouco de melodrama para adoçar. Disso é feito A Partilha.

Acertou quem pensou que o parágrafo anterior nos remete, de certo modo, à linguagem de novela. Este é um ponto nevrálgico do filme. Afinal, há quem defenda uma separação brusca entre a linguagem cinematográfica e a de novela, a que os brasileiros estão mais acostumados. Outros defendem uma interferência da novela no cinema. O que se percebe em A Partilha é um convívio pacífico entre as duas linguagem. Deu certo.

Há tempos venho insistindo: cinema é, antes de mais nada, entretenimento. É preciso cem Titanics para que surja um Cidadão Kane. Vê se aprende, Tizuka; vê se aprende, Severo; vê se aprende, Back; vê se aprende Bianchi.

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 18/7/2001

 

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