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Sexta-feira, 11/6/2004 Yardbirds: a verdadeira escola do rock Daniel Aurelio Vamos, lá! Com voz gutural, recite esses nomes: Stone Roses, Nirvana, Oasis, Quens of The Stone Age, Radiohead e, ufa!, Strokes. Somente nesta lista preguiçosa, elaborada sem maior apuro, esticam-se, de ponta a ponta, quinze anos. E nenhum deles, contrariando vaticínios das Q e NME de plantão, salvou o rock. Da crise criativa ao balaço nos miolos, da arrogância de mais ao pudor de menos, da viagem a marte à rebeldia de boutique, razões não faltam. Donde se concluí, bovinamente, que o rock não pode (ao menos não deveria) ser socorrido. Faça a fineza, portanto, de desligar a sirene do resgate. Dispense os para-médicos. Não é esse o ponto. Não ainda. Agora ouse sintonizar, aqui no Brasil, uma dessas auto-denominadas "rádios rock". Com a gloriosa exceção da Brasil 2000 - ainda que asfixiada em sua neurose índie -, e da saborosa Kiss Fm, nascida para tratar o rock como uma missa em latim, o panorama é de desolar o mais nietzschiano dos roqueiros. O teorema é o do nada se transforma, tudo se copia. Um festival de clássicos apócrifos e modinhas de Rick Bonadio e Liminha. Mau rock, mesmo. O ritmo que embalou James Dean já não usa mais calças curtas. Aboletou-se entre as rugas de Little Richard, ali ficou e ali definha. Às vezes reanima-se, anda em círculos, cambaleia e desmaia. Uma lástima. Antes guitarra, baixo e bateria, o rock é vísceras, coração e tripas. É feito por (e para) moleques e a juventude, pelo que sei, sempre foi um tufão. O desalento é que meninote de dezesseis anos anseia por escrever sua "Starway to Heaven" antes de estourar as espinhas. Também não é esse o caminho. Os mais "agressivos" vestem bermudas largas, fazem showmício de deputado e exibem suas tatuagens na Ilha de Caras. É um desvio crasso de rota, entende? Corte para 1966. Estamos no olho do furacão. A película é Blow up, do cineasta italiano Michelangelo Antonioni. É um precioso relicário pop. Inspirado no conto Las babas del diablo, do argentino Julio Cortázar, o filme se esparrama num balaio pop-art, justamente naquilo que a expressão carrega de virtude e dejeto. Que filme! E que sorriso franco e largo era aquele de Vanessa Redgrave? Chega a arder à retina uma cena perdida no aterro de referências e simbolismos de Antonioni. O núcleo nervoso do filme é aqui. Aclimatados por um riff quente, banda e platéia vilipendiam-se contra o que lhes rasga a alma: a garota dos seus sonhos, a guerra do Vietnã, o tédio, a ameaça nuclear, o escambau. Uma orgia de guitarras se precipita. A canção era "Train kept a rollin'". A banda, Yardbirds. Designado para resenhar o álbum Birdland (por aqui, pela Hellion Records), que marca o retorno dos Yardbirds após um hiato de 35 anos, não disfarcei o orgulho. Eu sei, da formação original restaram apenas o baterista Jim Mccarty e o guitarrista Chris Dreja. Isso não vem ao caso. A proposta do conjunto sempre foi outra. E a morna popularidade que grassaram nunca foi equivalente ao seu, digamos, caráter simbólico. Em nenhum outro grupo as vestes sessentistas caíram tão bem. Mesmo assim eles não foram, nem de longe, os melhores. Não chegaram, por exemplo, a roçar os clarins dos anjos, como no apogeu melódico dos Beatles; não tinham o cabedal de imagens poéticas e engajamento folk de Bob Dylan; não compuseram os melhores riffs jamais escritos sob efeito de heroína, obra dionisíaca dos Rolling Stones; não cortejaram a eternidade das longas suítes pinkfloydianas; também não desejaram findar-se jovens, naquela energia furibunda que explodia do nariz assimétrico de Pete Townshend, do The Who; não pretendiam, enfim, chafurdar nas garagens da vanguarda cultural nova-iorquina, como o Velvet Underground. Por sorte ou zelo, os Yardbirds optaram por sorver uma modesta dose de cada contemporâneo. Não eram tolos o bastante para mudar a história da música (o grande mérito da banda), formando assim uma espécie de Harlem Globtrotters de cabelos compridos. Aliás, foi assim desde que surgiram apresentando-se no Crowday Club, de Londres. À época, chamavam-se The Metrópolis Blues Quartet. Ou, se preferir, apenas mais um bando enamorado pela nata do blues. De fato, a proposta era de um romantismo tremendo. Planejavam tocar um R&B denso e algumas covers de Bo Didlley e Chuck Berry. Obviamente, precisavam de guitarristas que mesclassem emoção e virtuosismo. Motivo: o apogeu dos shows se dava nas concorridas rave ups, na qual todos os músicos solavam improvisos em seus instrumentos, acompanhados por uma cama rítmica de fundo. E como era fácil encontrar grandes guitarristas em 1963! O primeiro foi Eric Clapton, que dali zarpou para o duelo de narcisos do Cream. Depois, sagrou-se deus. Seu sucessor foi Jeff Beck, que deixou o trono para Jimmy Page. Page curtiu tanto a idéia que, quando o grupo findou atividades, em 1968, rebatizou o clube musical de The New Yardbirds - santa criatividade! -, que viria a ser o embrião do Led Zeppellin, definitivamente a maior banda de rock dos anos 70. Em cinco anos, os Yardbirds beberam e comeram em mesa farta de prestígio, gravaram discos em abundância, mas careciam de sucessos estrondosos. Sim, as mocinhas bonitas da sociedade não gemiam por eles no "Ed Sullivan Show". Não fosse o conjunto um celeiro de novos talentos, talvez passassem por mais uma One Hit Wonder qualquer, crédito a "Four your love", segundo lugar na parada inglesa em 1964. Curioso é que ela é a mais betleana das suas composições. A industria cultural também fez do período o seu berçário. Em 1992, no auge do grunge e seus camisões de flanela, foram acolhidos no Hall of Fame do rock. Acontece que os Yardbirds não são, exatamente, uma banda de insígnias. Fazer barulho pelo tesão de fazer barulho. Esse é o norte. Na segunda metade dos anos 90, a escassez de boas novas na música e a possibilidade de substancializar a conta bancaria, fizeram erguer-se da tumba centenas de ícones prescritos. Nunca a senilidade esteve tanto a serviço da cultura jovem. Em 1996, os Sex Pistols constrangeram seu público ao retornar topando tudo, inclusive um alinhado concerto para a rainha. Deus salve as libras! Os Pistols voltaram apenas para dizer: "Ei, éramos só uma fraude, seus panacas!". Mais afortunado, o Aerosmith enfileirou vários sucessos, o que não é algo ruim. Nada contra o apelo popular. O problema é que isso motivou o Capital Inicial a fazer o mesmo. Com boa vontade, pode-se afirmar que Blondie e Black Sabbath proporcionaram um ou outro suspiro saudoso dos fãs. E quando o Queen ameaçou voltar, com George Michael comandando o microfone, a obsessão adentrou os confins da patologia. Surpresa! Sem o menor alarido, eis que ressurgem os Yardbirds. Querem o seu quinhão também, oras. Estaria Birdland fadado a aniquilar com outro mito? Foi o que pensei ao inserir o CD no aparelho de som. Confesso um certo receio prévio, apesar de ser simpático e receptivo ao grupo. Neutro é sabão de lavar louça! O pessimismo mostrou-se infundado. Seguindo o mesmo estilo despojado e festivo dos primórdios, o líder Chris Dreja armou-se de guitar hero estrelares, não bastasse os novos integrantes tocarem com dignidade e correção. Cozinha posta, coube a Joe Satriani apimentar um bocado a emblemática "Train kept a rollin'", que na Jovem Guarda foi trucidada por Renato & Seus Blue Caps ("Vivo Só"). O ex-Guns N'Roses e esquisitão cool Slash deixou "Over under sideways down" a sua imagem e semelhança, com palhetadas velozes no ensandecido trecho final. A faixa gerou-me uma ponta de nostagia. Os solos de Slash eram algumas das joias raras da minha geração. No mais, o monumental Steve Vai - vulgo "patrão", dono que é da gravadora que relançou, lá fora, os pássaros de quintal - fez sua guitarra miar em "Shapes of things" e Bryan May saiu-se ainda melhor com a sua em "Mr. your're better man than I". Sobrou até espaço para Steve Lukather, do Toto, grupelho de insuportável sabor 80īs. E ele não comprometeu. Inacreditável! Mesmo milagres foram operados, caso da regravação de "Four your love", capaz de soar ainda mais Beatles nos backing vocals e na bateria econômica à Ringo Star. O vocalista e baixista John Idan tem garra e voz privilegiada, o que sustenta a legitimidade do disco. Mas após a audição da música-tributo "An original man" (que encerra o disco), é impossível evitar comparações com o gogó rascante do falecido Keith Reif. Da tríade revelada pelos Birds, somente Jeff Beck participou, tocando - e bem, como de praxe - na faixa "My blind lyfe". A ausência de Page e Clapton não foi lá catastrófica. O Yardbirds foi concebido para não ser dependente de um ou outro craque. O plantel é coeso e o resultado vigoroso, consistente e, embora contenha diversas regravações, o trabalho passa a milhas da auto-indulgência. Em resumo: mais Yardbirds, impossível. Volto a rotina das rádios. O dial insiste na lembrança de que CPM 22 e um certo Detonautas são nossos "melhores produtos" roqueiros. Evanescence, Audioslave e Creed reafirmam que o negócio está feio no estrangeiro também. Pior: o que há na cena alternativa, aquela que se gaba de estar fora da "mídia grande", é pedante, enjoativo e prepotente. Para eles, as "influências" valem mais do que ímpetos de pureza. É um contra-senso citar Neil Young, quando o próprio era um arquipélago de espontaneidade. Tentam fazer a lição de casa (e muito mal) quando a idéia é justamente rasgar a cartilha. Duvide sempre de quem usar o profano nome do rock em vão. Sua função social é divertir, fazer dançar e dar com as fuças no chão. É ritualístico, e não no sentido antropológico. Às favas as explicações. Após ouvir Birdland, sobrou-me um único desejo: que ele caia nas mãos de algum adolescente trancafiado em seu quarto, com sua camisa do Nirvana e uma guitarra esfarrapada dependurada. Espero que ele esteja louco para devolver as chibatadas aplicadas pelo mundo. Razões também não faltam aqui: o álbum, em essência, é um belo documento sobre honestidade, talento e despretensão. Afinal, itens indispensáveis para a integridade artística. Quero crer que tais virtudes ainda façam morada no peito da petizada, e estão adormecidas pela ressaca. Quem sabe um desses tufões não as desperta? OK, o rock canīt never die. A carroagem não enferruja nunca. O diabo é ela tem seguido demais nos trilhos. Quem tem medo do The Darkness? Felizmente, o combustível do rock não é refinado pelas apostas dos periódicos musicais. Os Yardbirds que o digam. Para ir além Daniel Aurelio |
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