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Sexta-feira, 1/10/2004
Manias
Julio Daio Borges

Ao acordar - Despertar às vezes antes do horário. Rolar na cama. Tentar dormir de novo. Em vão. [Liga o som.] Correr para desligar (na medida do possível). Esfregar os olhos. Banheiro. Bocejo. Lavar o rosto. Alguma idéia para o traje de hoje? Evocar mentalmente os compromissos e a agenda (na dúvida, consultar a própria - contrariado). Separar a roupa. Fazer o mesmo com os apetrechos da ginástica (sem pressa, sem irritação). Ligar a ducha. Esperar esquentar... Ir tirando a roupa e ir comparando o físico de hoje com o do dia anterior. Esquentou. Pular dentro do box. Fechar o "vitrô" para que o calor não escape. Sabonete, sem xampu, sabonete, sem condicionador, sabonete (lavar a cabeça apenas à noite). Água, água, água. Desligar. Toalha. (Uma para o corpo todo; outra para os pés.) Vestir. Suar. Destravar a porta e fazer circular o ar...

No escritório - Chegar cedo. Estacionar na mesma vaga. A mais distante, e menos movimentada. Descer com carteira, documento do carro e celular. Desligar o rádio. Guardar os óculos na caixa. Fechar a porta da frente e abrir a de trás. Pegar a sacola com o lanche. Fechar. Abrir o porta-malas. Pegar a bolsa de trabalho. Subir. Abrir a porta do escritório. Ainda carregado, ir levantando as persianas e abrindo as janelas (só uma fresta, para ventilar). Na sala do fundo, depositar o lanche entre o computador e a impressora; a mala, na ponta da mesa; agenda (de dentro da pasta), na ponta oposta - ao lado do telefone. Abrir as janelas (ainda menos do que as demais). Ligar o computador...

Depois do almoço - Trombar com o zelador e com a correspondência. Assinar cartas registradas. Agradecer. Estocar as contas na gaveta apropriada, por ordem de vencimento. Jogar fora uma parte da papelada (convites que não interessam, propaganda, noites de autógrafo). Abrir embalagem. Rasgar com cuidado, para não despedaçar o interior. Empilhar os volumes para posterior análise. Todos. Ler o prefácio e as orelhas (em geral). Ponderar se vai para a fila ou se deve ser encaminhado... Checar as mensagens na secretária eletrônica. Apagar muitas, guardar poucas. E-mails. Filtro. Spam. Repassar uma parte. Resposta na hora. Pasta pendências (follow-up). Bancos na internet: agência, conta, senha, contra-senha, número do cartão. Página do site. Quantos visitantes? Por quê? Como? Onde? Revisão. Impressão. Newsletter. Composição...

Lanche - Água antes e água depois. Interromper as atividades que requeiram contato com o teclado. Empunhar garfo e faca ou partir para o manuseio direto da fruta. Guardanapo sempre à mão. Lixo, também. Leitura na tela ou no papel. Em algum momento, virar a folha ou scroll down (não sem antes se limpar). Jogar restos orgânicos numa sacola especial: papéis e plásticos na lixeira convencional. Lavar talheres. Tapar tupperware. Acondicionar convenientemente (para depois não cair e não batucar), e manter junto à porta (para não esquecer). Escovar os dentes (principalmente se houver resíduos cítricos). Escapar para a padaria de vez em quando. (Só pra variar.) Passar pela banca, ler as manchetes e nunca comprar nada. Saudar a moça do caixa, saudar o "chapeiro". Encomendar. Observar a feitura. Bebericar um suco. Pegar a comanda e pagar. Voltar...

No fim do dia - Sair impreterivelmente antes do pôr do sol. Dar a partida, abrir os vidros, acender os faróis (ainda dentro da garagem, e sem o som do rádio). Na rua, buzinar para os passantes - sintonizar o happy hour. Esperar no farol e prestar atenção para não invadir a faixa de ônibus. Lombadas. Táxis. Via perigosa, com pouca visibilidade e de duas mãos - acender novamente os faróis, ativar o "pisca-alerta" e diminuir a marcha. Rir dos apresentadores. Descida. Entrar à esquerda lá embaixo, sem cair nos buracos, um pouco na contramão. Esperar o coletivo. Novo farol (o último). Marginal. Da "local" para a "expressa". Atenção aos limites de velocidade. Um pouco de trânsito na ponte. À direita, chegou. Rampa. Ticket. FM desintonizada. Vaga perto do elevador. Escada rolante...

Na academia - Escolher o armário. Abrir o mesmo. Tirar os sapatos. Colocar a mochila no banco em frente. Tirar o xampu e o relógio à prova d'água. Encaixá-los no patamar do meio. No de baixo, pôr de pé a toalha. O sabonete, próximo ao trinco, mas sem obstruir a passagem. Separar o polar e a cinta elástica (para fixá-lo). (Ao lado, o livro, se for pedalar.) Tirar a calça, a camisa e/ou a malha. Dobrar. Guardar na mochila, na parte maior e mais funda. Colocar o short e a camiseta. Tirar o tênis do saco plástico, dobrar o último e calçar o primeiro. Pendurar no gancho interior. Trancar. (Na saída, seguir o mesmo procedimento, ao contrário.)

Ao deitar - Banheiro, escova de dentes e flogoral quando houver afta ou garganta irritada. Moletom, camiseta furada, moletom. Protetor para o pescoço. Chinelo confortável. Fechar todas as portas dos armários. Apoiar peças semi-sujas/semilimpas na cadeira. Luz no abajur. Livro. Ajuste milimétrico dos travesseiros. Quando cansar, virar de lado. Alguma coisa deixada para trás (esquecimento...). Desmanchar o arranjo, remediar o fato e tentar reorganizar tudo de novo. (O travesseiro, pelo menos, não fica igual.) Falar com a namorada. Do telefone na ponta de lá. Sentar recostado na cabeceira da cama (para que a "quina" não pegue na base do crânio.) Às segundas, assistir ao Roda-Viva - ou então "zapear" sem esperança. Parar no Deustch Welle. Sentir saudades do Alemão. Tentar entender alguma coisa. (Em vão.) Onze horas. Meia-noite. Até amanhã.


Julio Daio Borges
São Paulo, 1/10/2004

 

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