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Quinta-feira, 7/10/2004 Confissões de um jornalista que virou suco Márcio Seidenberg São quase sete anos dedicados a uma empresa, a um departamento e a uma função que, hoje, acrescentam quase nada profissionalmente. Tudo caiu na mesmice e numa rotina extenuante. E, há algumas semanas, quando estive diante de uma oportunidade de mudança, de migração interna, de evolução na carreira, cortaram, sem pensar no "funcionário" antigo que fazia jus a uma chance, mas (talvez) na necessidade de reestruturar um departamento que em breve deverá ser terceirizado. Está sendo um baque lidar com a realidade. Por isso, apresso-me em buscar e extrair o lado positivo da situação, tentando com essa atitude minimizar o fato e o efeito de que, enfim, tropeçar e cair é muito difícil. Essa experiência me faz questionar a forma como tenho conduzido as coisas até então... Reconheço que priorizei o trabalho e deixei para segundo plano (quase) todo o resto - às vezes por força do ofício, mas também por iniciativa própria. Tudo o que dizia respeito à empresa sempre teve status de urgência. Agora sinto uma necessidade - também urgente - de mudar essa postura, de pensar no quanto me fez mal apostar tantas fichas numa única atividade. Estar vivendo tudo isso me obriga a refletir e repensar valores e atitudes, presente e futuro, certo e incerto. Porque quando tudo vai bem, quando as coisas adquirem aquela fluência a que a gente logo se acostuma, liga-se o piloto automático e pronto. E então vem o acomodamento: submeter-se à rotina do dia-a-dia, acordar pronto para executar aquelas tarefas, receber o salário ao final do mês, pagar as contas, sair de vez em quando com os amigos, e ir caminhando, e andando, e seguindo... talvez por inércia. Mas chegou esse tufão, arrancando meus pés do chão e me levando a escrever essas linhas... Preciso garimpar outra atividade, preciso sair em busca de muitas coisas também. Estou bem agora. Penso que é valioso esse "tropeço" e batalhando por novas possibilidades, mirando outros e - espero - melhores horizontes. São esses desafios que me norteiam e me empurram para frente. Algumas fichas que recentemente caíram 1. Se eu soubesse ou alguém me desse uma pista, em meados de 1999, da situação atual do mercado de trabalho para nós, jornalistas, certamente não teria quase caído em depressão ao não ter visto o meu nome na lista de aprovados do vestibular da faculdade cinco estrelas de Jornalismo. Desistiria da profissão e ponto. Cá entre nós, crise vai, crise vem, e a área de informática, através da qual sobrevivo, supera todas as turbulências. Ganha-se razoavelmente bem e, antes da virada do século, garanto a vocês que as empresas contratavam um técnico com registro em carteira - sou um exemplo vivo disso. Terceirização é palavra de início de milênio, bem entendido. Ainda assim, em 2000 eu comemorava aos berros ter conseguido meu espaço no que pensava ser o Olimpo. Claro, a Cásper Líbero, com aqueles corredores estreitos e salas de "batcaverna", sempre esteve longe de ser um lugar paradisíaco. Mas primeiranista acha tudo lindo e, pior, tem aquele intragável papo-cabeça: "ah, porque eu estou aqui em busca dos meus ideais (sic)..."; "porque o jornalista vai transformar o mundo com um lide (sic)". Meu Deus, ainda bem que só se é ingênuo uma vez na vida... Vamos à realidade. 2. O Grupo Folha demitiu recentemente mais de 60 experientes profissionais, muitos amigos recém-formados estão disparando currículos - exceto dois ou três, felizmente - e não há muitas perspectivas. Fechou o tempo. No ano passado, um professor da faculdade, falando sobre esse cenário nebuloso, disse que o jornalista precisava reinventar seu espaço na sociedade. Um pouco abstrato, não? Mas, "abstraindo" a idéia, eis que surge algo concreto. Creio que é possível superar a situação de desemprego com alguma inovação. As organizações não-governamentais, por exemplo, são atualmente portas-de-entrada para gente de comunicação. Nas ONGs, os jornalistas fazem de tudo um pouco e, em alguns casos, têm domínio de todas as etapas de uma publicação - da pauta à distribuição -, o que os diferencia de outros tantos profissionais do mercado. Alguns vão afirmar, com base nesse item e no meu recente "histórico", que estou fazendo apologia às ONGs.... "Esse papo eu já conheço", vão dizer. "E o salário?", perguntam. 3. Sim, ganha-se menos nas ONGs do que nas empresas jornalísticas. E, no início, muitas vezes, o trabalho nem é remunerado. O cidadão entra como voluntário e depois vai edificando sua carreira. Aos poucos, bem aos poucos, é verdade. Mas, ao contrário dos muitos free-lancers convencionais (isso sim é que é informalidade), terá mais chances de ser um funcionário regido pela CLT. E tem mais... 4. Enquanto o trabalho não vem, há algumas propostas bastante criativas surgindo na praça. Poderíamos montar um blog só com reportagens/ artigos/ currículos de jornalistas desempregados... Aliás, já existe um. Dos alunos de uma faculdade do Distrito Federal... Em tempos de Orkut Começou com uma apresentação nosso primeiro encontro desde 1994, quando todos nós concluímos a 8º série (antigo "primeiro grau") no Colégio Renascença, do Bom Retiro. Estudávamos juntos desde o maternal, fomos para o pré, depois para o primário, subindo depois para o antepenúltimo andar do prédio da escola, onde cursamos os quatro anos do ginásio. No Colegial, a turma se dividiu; a verdade é que cada um seguiu um caminho diferente e passou a manter contato apenas com os amigos afins. Alguns moram fora já faz tempo, de muitos não se ouvem notícias, outros continuam em São Paulo e, superando as expectativas mais otimistas, conseguimos reunir dez para um rodízio de pizza. Todos eles eu reconheceria na rua. Me disseram que eu havia mudado muito. Aquela menina se parece ainda mais com a mãe dela. A outra continua com aquela risada hilária, seu rosto fica roxo, tão roxo que assusta. Meu amigo não mudou nada. A menina mais cobiçada da classe já não é tão linda; a mais feia está mais bonita e aquela em quem eu não apostava uma bala, caramba, essa sim me surpreendeu! A fisionomia, no entanto, não foi o que mais me chamou a atenção. Aquelas pessoas todas... algumas me viram de fraldas até... e me acompanham desde quando as tirei (as fraldas). Mas dez anos separaram nossas vidas. De alguns - e algumas - eu era tão próximo e, hoje, estamos tão distantes. Depois da apresentação individual houve aquele silêncio, prolongado. Arrisco dizer que poucos estavam à vontade, mas estávamos ali, de certa forma, para recomeçar, reconstruir outro contato. Foi muito bom rever todos. Márcio Seidenberg |
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