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Quarta-feira, 20/10/2004
Pequenas editoras e bundalelê cultural
Ana Elisa Ribeiro

Escreva um texto, meta-se a escritor, pense que é literatura e envie para uma editora conhecida, dessas de que você ouve falar há anos. Faça uma carta de apresentação para enviar junto com o original de sua obra e aguarde um tempo para obter resposta.

Enquanto isso, curta seus pais, trabalhe muito, forme-se na faculdade, compre um carro, troque por outro mais novo, compre um apartamento, case-se, tenha dois filhos e faça bilubilu nos seus netinhos lindos. A carta da editora poderosa ainda não terá chegado.

Essa é uma possibilidade. Mas há outras: você pode receber uma gentilíssima carta pedindo mil desculpas, mas sua obra, maravilhosa, por sinal, não pode ser publicada porque... não há mais vagas na grade de lançamentos até o ano que vem ou está fora do tema e da linha de publicação atual ou precisa de modificações importantes, que você não dará conta de fazer.

Também é possível chegar uma carta generosa, dizendo que você não deve desistir jamais, que tem futuro e que deve tentar os concursos literários.

Sei de tudo isso porque sou editora, trabalho em editora e vivo enviando cartas com esse teor, só que minhas vítimas são os advogados, e não os escritores. Quando eu era editora de fanzine (impresso ou digital), me dedicava, de fato, a ler o que me chegava às mãos, e foi assim que conheci gente muito interessante. Alguns publicaram livros, outros...

Quando alguém me pergunta sobre publicação eu digo que não sei, desconverso e pronto. Não há modo ideal. As editoras grandes querem lançar livros que considerem "seguros", ou seja, que vendam bem, que ganhem páginas de jornal, que sejam escritos por nomes batidos e rebatidos.

Com quem fica, então, o trabalho de edição "investigativa"? Com os pequenos selos, que, em sua maioria, não têm nada de precário mais. São as pequenas, micro e nanoeditoras que vêm garimpando bons escritores, seja fazendo-os migrar da Internet ou de suas gavetas, publicando obras que podem concorrer a um lugar nas listas de livros admiráveis e/ou de cabeceira. É preciso frisar que essas editoras trabalham, em sua maioria, com capital do próprio autor. Pensou que fosse fácil? Faça aí uma poupancinha de uns 3000 reais.

Prefiro não citar nomes, mas em São Paulo, no Rio, em Curitiba, em Porto Alegre, na Bahia e em Belo Horizonte, pra citar apenas as capitais, com alguma frequencia alguém é abduzido da condição de escritor embrionário a candidato a canônico.

Os pequenos selos têm furado o bloqueio das grandes editoras, têm alcançado páginas de grandes jornais (com resenhas e matérias), além de estarem renovando, aos poucos, a mesmice da literatura nacional.

São esses pequenos selos que animam o deserto da produção recente e jogam de grila os autores novos, para quem quiser pegar. No entanto, quem manda na permanência deles são dois fatores randômicos: o leitor e a política.

Ao leitor cabe ler. E se não lê e nunca ouviu falar em João Filho ou em Sérgio Fantini é porque a distribuição dessas editoras pequenas é sofrível, como quase toda a distribuição de livros no Brasil. Esse perrengue tem sido diminuído com a Internet, que oferece uma janelinha por onde escoar o traseiro e dar a cara a tapa, sem ter que passar pelos senhores mediadores.

Não digo que essa literatura vasta e pululante, tão profusa, seja toda ela boa. De forma alguma. Há os talentos perceptíveis, há os duvidosos e há os corajosos de publicar aquela tranqueira horrorosa. Há os que serão neobeats e os que serão moda por uns dias. Mas, em todo caso, eles estão aí, seja porque saíram da Internet, seja porque surgiram de gavetas ocultas.

Também ocorre que esse movimento de guerrilha parece funcionar como "olheiro" das grandes editoras. Quando alguém aparece, ganha jornais e é elogiado mais de meia dúzia de vezes... nhac, a editora compra o passe. Essa compra envolve uma grana que o autor nunca tinha visto e a famigerada distribuição. Também ocorre de o felizardo entrar num catálogo interessante e de virar celebridade, mas isso é coisa pra quem já está há mais tempo na roda.

Então, nesse sistema complexo, as pequenas editoras agem num esforço de garimpagem e as grandes dão a lapidada final. Mas nada que garanta quem vai ficar no Who's Who.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 20/10/2004

 

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