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Sexta-feira, 5/11/2004
Sinopse da Corte
Eduardo Carvalho

No seu auge - em 95, 96 -, com sua coluna no Estadão e participações no Manhattan Connection, Paulo Francis encantava uma molecada que, como eu, não estava muito preocupada com os seus assuntos. Era o seu estilo que nos viciava, no texto ou na televisão: a mistura da erudição e do deboche, da seriedade e das caretas, da informação e das amenidades. Seu comentário sobre a eleição presidencial americana, por exemplo, não deixava escapar a qualidade da gravata do candidato. Esse seu tom acessível, cômico, captava nossa atenção. E acabou tendo também uma função pedagógica. Para muita gente, Francis apresentou possibilidades inimagináveis - como a de se divertir lendo Flaubert.

Nós, aos 14, 15 anos, tínhamos várias atividades e curiosidades - mas ópera e política, por exemplo, não nos interessavam diretamente. Francis, mesmo assim, era uma referência constante - e para todos os assuntos. Me lembro de um telespectador do Manhattan que escreveu para o programa pedindo a Francis recomendações de whisky. Francis disse que já não bebia mais, mas citou seus preferidos. No programa seguinte, o telespectador agradeceu, informando sua idade: tinha 15 anos. Paulo Francis tinha admiradores improváveis - de idades e interesses, podemos dizer, bem variados. Francis morreu em 97, e deixou essa multidão de órfãos intelectuais.

Em 1998, nas férias de julho, eu estava na fazenda, em Barretos, quando pela primeira vez esbarrei na coluna "Sinopse", do Daniel Piza, ainda na Gazeta Mercantil. A qualidade do seu texto, em primeiro lugar, me chamou a atenção. Era leve, rápido, direto - sem "poréns" desnecessários, e com informações e insights úteis. Foi quase um choque. Havia vida em sua coluna. Havia ali um jornalista curioso, inteligente, criativo - e acessível, escrevendo de forma clara, bonita. A impressão que tenho é de que os grandes jornais têm duas equipes: uma de jornalistas profissionais, que encurtam, alongam ou reciclam resenhas de assessorias de imprensa; e outra de escritores, ou aspirantes a, que escrevem de forma mais pessoal - mas tão pessoal que acaba interessando apenas, no fim das contas, ao assunto do colunista naquela semana (que pode ser, eventualmente, a família de lagartixas que vive em seu sobrado). Daniel Piza não se enquadrava nesses modelos: ele se dedicava a assuntos como a importância da leitura, numa sexta-feira, e na semana seguinte - ou na nota seguinte - reclamava do excesso de caminhões em nossas estradas.

Passei as férias acompanhando a "Sinopse". E percebi, logo nas primeiras semanas, certa influência de Francis. Mas Piza estava longe da imitação, ou da cópia de um estilo que, mesmo adaptado à sua personalidade, ficaria ridículo. Dizer que Daniel Piza tenta ser, ou é, uma espécie de herdeiro de Francis, como acusam alguns, é sacanagem. Piza, é verdade, aprendeu muito com as qualidades de Francis - emite opiniões abertamente, trata de temas diversos, escreve rápido e bem -, mas dispensou os seus defeitos, que, aliás, não lhe cairiam bem. O exagero de Francis, que lhe rendeu inimigos e fãs, por exemplo, não combina com o jornalismo de Piza, mais comedido, equilibrado. Francis foi, no começo da carreira de Piza, um orientador atencioso, a quem o autor da "Sinopse" reconhece a dívida. Daniel Piza, em 96, aliás, selecionou as melhores notas e trechos dos "Diários da Corte" (a coluna de Francis na Folha e, depois, no Estado), e compôs Waaal, um livro que resume, em aproximadamente 300 páginas, o jornalismo de Francis: um texto ágil, divertido, passando por todos os assuntos (como televisão, drogas, literatura) e vários autores, atores, políticos, cineastas, etc.

Não é só Daniel Piza que tem essa dívida com Francis - mas é um dos poucos a reconhecer. Uma geração inteira de brasileiros - e não só jornalistas - aprenderam com ele: foram atrás das suas indicações, descobriram novas referências, consideraram suas opiniões. O jornalismo brasileiro, no mínimo, deve a ele o texto mais informal, despretensioso, que hoje vigora nas redações. E economistas, dentistas, engenheiros, jogadores de futebol, etc., descobriram que é importante, num país democrático, o debate aberto de opiniões sustentadas, firmes. Chamar Francis de "do contra" é assumir que existe - ou existia -, no Brasil, uma opinião convencional; ou ele seria contra o quê? Alguém precisava desafiar essa unanimidade.

Daniel Piza publicou, em outubro, Paulo Francis - Brasil na Cabeça (Relume Dumará), um pequeno perfil biográfico do jornalista. Para quem estava com saudades - ou para quem queria conhecer mais sobre o jornalista, e não encontrava, em livro, nada sério a seu respeito. Alguém já devia ter feito essa pesquisa, ou escrito um livro semelhante. Daniel Piza - na falta de quem cumprisse a tarefa - assumiu mais uma vez o trabalho. E o cumpriu com competência: seu livro é, ao mesmo tempo, uma pequena biografia e um depoimento afetivo, sem escorregar para a descrição factóide da vida de Francis nem para um relato meloso de suas relações pessoais. Acertou em todas as pontas. Nós aguardamos agora os seus próximos trabalhos - mesmo se, ou especialmente se, não forem dedicados a Francis.

Porque sua coluna "Sinopse", hoje aos domingos, no Estado, também serviu para muita gente como estímulo à curiosidade. Principalmente gente da minha idade, que começou a acompanhá-lo, com 17, 18 anos, na Gazeta Mercantil. Esse passeio que Daniel Piza faz semanalmente, por temas e lugares, é, com altos e baixos, o que há de melhor na imprensa brasileira hoje. Temos também uma dívida com ele. Ou duas: pela coluna que tem mantido e, agora, pelo excelente perfil de Francis que escreveu.

Estado

O Estado de São Paulo, aliás, modernizou sua diagramação, lançou novos cadernos, incluiu mais colunistas - os do caderno "Link", pelo menos. Os leitores agradecem. Mas seus revisores - ou quem? - continuam falhando demais. Domingos atrás, por exemplo, a própria coluna do Daniel Piza, assunto acima, saiu com a primeira frase repetida. E como pode a mesma matéria sair duas vezes, um dia depois do outro, na capa do "Caderno2"? Imagem não é tudo.

Outras revistas

Na lista que montei, na coluna passada, sobre as melhores revistas do mundo, repare: fiquei apenas nas dedicadas a política e economia, basicamente (com exceção da New Yorker, mais forte em, digamos, temas culturais). Um amigo lembrou da Wallpaper; eu havia me esquecido - de citar, pelo menos - a Vanity Fair. São estilos diferentes, mas podem interessar ao mesmo público. Assino as duas, então - mais uma vez - vamos lá.

A Vanity Fair é muito confundida com um enorme catálogo de propagandas. Faz sentido, mas seus textos longos, bem escritos, são às vezes imperdíveis. É verdade também que ensaios ou reportagens, na maioria, servem apenas de enfeite - como que um contraponto inteligente àquele monte de sapatos, perfumes e jaquetas. Mas essa conversa entre alta costura e alta educação é saudável - para não deixar ninguém alienado. E os textos carregam assinaturas consagradas, como de Cristopher Hitchens e Harold Bloom, o que, por si só, justifica a leitura.

Ainda assim, a revista mais antenada, mais ligada a temas atuais - design, arquitetura, viagem, etc. -, é a Wallpaper. O texto, aí, existe, e é prático, breve - mas cumpre papel secundário. São as imagens que se destacam: de hotéis bacanas (Amanresort, no Butão), casas diferentes e inteligentes (a de Le Corbusier, no sul da França), lugares em destaque (Belgrado, em processo de revitalização) - e outras mais, para ficarmos na edição de novembro.

A melhor entre as duas? São diferentes. Mas como tudo, claro, é diferente, e às vezes precisamos fazer opções, fica a minha: a Wallpaper é, para muita gente, leitura fundamental.

Para ir além





Eduardo Carvalho
São Paulo, 5/11/2004

 

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