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Quarta-feira, 8/12/2004
O amor e o amor plagiado
Alexandre Inagaki

Todos os dias morre um amor. Quase nunca percebemos, mas todos os dias morre um amor. Às vezes de forma lenta e gradativa, quase indolor, após anos e anos de rotina. Às vezes melodramaticamente, como nas piores novelas mexicanas, com direito a bate-bocas vexaminosos, capazes de acordar o mais surdo dos vizinhos. Morre em uma cama de motel ou em frente à televisão de domingo. Morre sem beijo antes de dormir, sem mãos dadas, sem olhares compreensivos, com gosto de lágrima nos lábios. Morre depois de telefonemas cada vez mais espaçados, cartas cada vez mais concisas, beijos que esfriam aos poucos. Morre da mais completa e letal inanição.

Todos os dias morre um amor. Às vezes com uma explosão, quase sempre com um suspiro. Todos os dias morre um amor, embora nós, românticos mais na teoria do que na prática, relutemos em admitir. Porque nada é mais dolorido do que a constatação de um fracasso. De saber que, mais uma vez, um amor morreu. Porque, por mais que não queiramos aprender, a vida sempre nos ensina alguma coisa. E esta é a lição: amores morrem.

Todos os dias um amor é assassinado. Com a adaga do tédio, a cicuta da indiferença, a forca do escárnio, a metralhadora da traição. A sacola de presentes devolvidos, os ponteiros tiquetaqueando no relógio, o silêncio ensurdecedor depois de uma discussão: todo crime deixa evidências.

Todos nós fomos assassinos um dia. Há aqueles que, feito Lee Harvey Oswald, se refugiam em salas de cinema vazias. Ou preferem se esconder debaixo da cama, ao lado do bicho-papão. Outros confessam sua culpa em altos brados, fazendo de penico os ouvidos de infelizes garçons. Há aqueles que negam, veementemente, participação no crime, e buscam por novas vítimas em salas de chat ou pistas de danceteria, sem dor ou remorso. Os mais periculosos aproveitam sua experiência de criminosos para escrever livros de auto-ajuda com nomes paradoxais como O Amor Inteligente ou romances açucarados de banca de jornal, do tipo A Paixão Tem Olhos Azuis, difundindo ao mundo ilusões fatais aos corações sem cicatrizes.

Existem os amores que clamam por um tiro de misericórdia: corcéis feridos.

Existem os amores-zumbis, aqueles que se recusam a admitir que morreram. São capazes de perdurar anos, mortos-vivos sobre a Terra teimando em resistir à base de camas separadas, beijos burocráticos, sexo sem tesão. Estes não querem ser sacrificados, e, à semelhança dos zumbis hollywoodianos, também se alimentam de cérebros humanos, definhando paulatinamente até se tornarem laranjas chupadas.

Existem os amores-vegetais, aqueles que vivem em permanente estado de letargia, comuns principalmente entre os amantes platônicos que recordarão até o fim de seus dias o sorriso daquela ruivinha da 4ª série, ou entre fãs que ainda suspiram em frente a um pôster do Elvis Presley (e, pior, da fase havaiana). Mas titubeio em dizer que isso possa ser classificado como amor (bah, isso não é amor; amor vivido só do pescoço pra cima não é amor).

Existem, por fim, os amores-fênix. Aqueles que, apesar da luta diária pela sobrevivência, das contas a pagar, da paixão que escasseia com o decorrer dos anos, da TV ligada na mesa-redonda ao final do domingo, das calcinhas penduradas no chuveiro e das brigas que não levam a nada, ressuscitam das cinzas a cada fim de dia e perduram - teimosos, e belos, e cegos, e intensos. Mas estes são raríssimos, e há quem duvide de sua existência. Alguns os chamam de amores-unicórnio, porque são de uma beleza tão pura e rara que jamais poderiam ter existido, a não ser como lendas. Mas não quero acreditar nisso.

Um dia vou colocar um anúncio, bem espalhafatoso, no jornal.

PROCURA-SE: AMOR-FÊNIX
(oferece-se generosa recompensa)

Agora como me tornei um autor (des)conhecido
e fui parar em um anexo de PowerPoint


Há tempos não publico ficções no meu blog, optando por deixá-las guardadas em uma gaveta nada virtual, por dois motivos principais. O primeiro é o fato de que há na blogosfera diversos escritores mais inspirados do que eu (dois bons exemplos: Fabio Danesi Rossi e Dennis D.). O segundo é a praga virtual que infesta há tempos a Internet: a mania que certas pessoas têm de se apropriar de textos alheios. Enquanto alguns acrescentam sua assinatura a textos que jamais escreveram (e nem seriam capazes de), outros atribuem a escritores conhecidos a autoria de versos e prosas alheios.

Tão inacreditável quanto a conduta daqueles que adulteram a autoria de textos é tentar entender como é que existem pessoas que crêem piamente que um escritor como Luis Fernando Veríssimo teria sido capaz de escrever uma crônica com o sutilíssimo título "Um Dia de Merda". Enfim, coisas de uma nação de analfabetos funcionais, que lêem e interpretam textos com neurônios apáticos e apaziguados. Acham um artigo bonitinho ou engraçadinho, decidem reencaminhá-lo via e-mail para sua lista de contatos ou copiá-lo em seus blogs e mal se preocupam com detalhes "secundários" como dar os devidos créditos do texto que tanto apreciaram.

Tempos estranhos. Fama virtual é escrever um texto e vê-lo atribuído a Clarice Lispector, Arnaldo Jabor ou Herbert Vianna, isso quando você não se torna o tal do "autor desconhecido". Eu, por exemplo, já perdi a conta de quantas vezes vi contos, crônicas, artigos e poemas meus sendo publicados em sites como se fossem escritos por outros. São situações pra lá de chatas, que no entanto são inevitáveis a qualquer um que se disponha a usar a Internet como meio de publicação.

Semanas atrás, por exemplo, fui surpreendido ao receber o forward de um arquivo de PowerPoint baseado em minha crônica "Pequeno Tratado sobre a Mortalidade do Amor" (texto acima), publicada pela primeira vez em novembro de 2000. Além do choque que sofri ao ver palavras transpostas para esta que é a mais infame das interfaces de um texto, ainda tive o desprazer de constatar que o zé mané que manipulou minha crônica adulterou-a completamente, mudando ou acrescentando sentenças inteiras ao seu bel-prazer. Os trechos mais irônicos, a discreta citação a um poema de T. S. Eliot, a piada sobre "amores inteligentes" ou a referência à fase decadente de Elvis Presley foram tolhidos, e em seu lugar foram incluídas frases típicas de livrecos de auto-ajuda, do tipo "o amor é simplesmente o resultado concreto de um relacionamento maduro e crescente entre duas pessoas". Mas, pior do que ver meu texto retalhado e deturpado, foi encontrar essa versão apócrifa reproduzida na Web em sites entuchados com gifs animados e arquivos mid: de que desgosto.

O que fazer para atenuar os danos causados por tais aberrações? Antes de mais nada, é bom saber que os direitos autorais são regulados no Brasil pela Lei 9.610/98, que afirma: "É expressamente vedada, sob pena de serem tomadas as medidas judiciais cabíveis, a reprodução, publicação, distribuição e/ou o uso indevido de qualquer dos textos ora em questão, seja na íntegra ou em partes, sem o expresso consentimento e concordância por escrito dos respectivos autores". Mas só o conhecimento da lei não basta: a fim de resguardar seus direitos, todo autor deve registrar oficialmente suas criações na Biblioteca Nacional (clique aqui para saber como fazer isso).

Vale a pena registrar ainda a observação da jornalista e professora Tina Andrade, que em seu artigo "Copy-paste: na web plágio (ainda) é muito relativo", escreve: "O poder das networks está disparando e, na minha modestíssima opinião, a melhor maneira de evitar o plágio ainda é, foi e sempre será tornar a sua obra pública para o maior número de pessoas possível! Basta saber transformar internautas-de-carteirinha, 'listeiros', leitores assíduos, formadores de opinião em fiéis escudeiros... Como? Relacionamento: transparente, bem-humorado, interessante. Porque o bom quando se fala em web é mesmo saber lidar com gente". Outra dica é aproveitar os recursos do Copyscape, site que dedura plagiadores de textos. Seu funcionamento é simples: você acessa a página, digita a URL de seu blog ou site e inicia a busca. Em poucos segundos o Copyscape rastreará a Internet em busca de outros sites que tenham copiado excertos de seus escritos.

A propósito: se você gostou de algum texto que escrevi e deseja republicá-lo em algum site, sinta-se à vontade para reproduzi-lo, desde que respeitando as normas do Creative Commons. Last, but not least: e nada de anexos e de PowerPoint, por favor...

Nota do Editor
Texto originalmente publicado no blog Pensar Enlouquece, Pense Nisso, de Alexandre Inagaki. E reproduzido, aqui, obviamente, com autorização do autor.

Alexandre Inagaki
São Paulo, 8/12/2004

 

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