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Sexta-feira, 24/12/2004 Colunismo em 2004 Julio Daio Borges Outro dia, eu disse ao Fabio que tinha mania de encerrar ciclos e quem participa dos bastidores do Digestivo também sabe que eu sugeri um Especial sobre o ano de 2004. Essas duas idéias se cruzaram quando eu passei alguns dias tentando encontrar um tema à altura do fechamento do ano, aqui na Coluna (afinal esta é a minha última antes de 2005). Então se colocou o desafio de refletir sobre o meu "colunismo" em 2004, pois, olhando em retrospecto, percebo que ele se firmou de novo, este ano, como não acontecia desde 2000 ou antes (antes do Digestivo Cultural, portanto). Depois que eu inventei o Digestivo — digo o formato, que começou como Newsletter e que se manteve até agora, durante mais de 4 anos —, eu me afastei das colunas que vinham escrevendo desde 1998. O Digestivo, na verdade, era a minha "coluna" e eu estava tão completamente envolvido com esse formato (das Notas) que não via outra coisa possível para a internet e para os novos tempos. Eu abraçara a teoria do aforismo de Nietzsche e acreditava que livros inteiros podiam mesmo ser reduzidos a meia-dúzia de frases — quanto mais textos e afins. Em suma, o "colunismo", para mim, havia caído em descrédito (ainda que eu tenha chamado Colunistas para compor o site em 2001). De repente, porém, o Digestivo passou por uma primeira reestruturação. Era 2002 e eu estava tentando colaborar periodicamente com a grande imprensa, quando me vi com um texto inteiro sobre o fim do no. (hoje não me admira que ninguém quisesse aceitá-lo). Assim, mais uma vez, juntei as duas pontas e cobri um buraco, numa sexta-feira lá atrás. Foi o Giron quem insistiu para que eu publicasse meu "ensaio" sobre a derrocada do no. no Digestivo mesmo e eu, novamente cansado de esperar as respostas da imprensa, mandei bala. Agora lembro: o Sérgio Augusto sinalizava com a possibilidade de eu colaborar com OPasquim21 e desfolhei, na seqüência, o texto sobre o, à época, estreante programa Saia Justa. Outra vez, desisti de esperar o veredicto do Ziraldo (que decidia tudo e que, ao mesmo tempo, viajava muito) e emplaquei, once more, no Digestivo Cultural. Foram tantas as trocas da guarda no site em 2002 que eu não estou certo se me mantive como Colunista, às sextas-feiras, como agora. Lembro que queria abordar temas especiais e que ambicionei uma série sobre a internet (eu estava empenhado na defesa da nova mídia, que a velha imprensa ainda insistia em atacar). Foram três textos só: sobre o amor virtual, sobre os blogs e sobre as comunidades virtuais. Embarquei, também, num certo resenhismo (Kafka, Wittgenstein) e em algumas campanhas "cívicas" (pela derrota do Lula e pelo minimamente bom português). No fundo, eu experimentava muito e não me fixava em nada. Mesmo em termos de linguagem. Ao contrário do que fazia nos Digestivos, eu não tinha um "projeto" para as minhas Colunas e sentia como se tivesse de reinventá-las a toda hora. Para ficar bonito, eu poderia dizer que, como Ferreira Gullar em seu primeiro livro de poemas, cada Coluna minha nascia e morria "completa" — enfrentava eu as dores do parto, mas ela, recém-nascida, não fecundava nada. Eu me justificava pensando que só tinha de me manifestar em ocasiões especiais e o Polzonoff me cobrava textos maiores temendo que eu pudesse enferrujar. O problema é que me apaixonara de tal forma pelos Digestivos, e eles me absorviam tanto, que não sobrava "energia para", nem "vontade de", escrever mais. Fora que a preocupação de ganhar dinheiro não me permitia despender mais tempo compondo textos (a não ser que a imprensa me aceitasse como colaborador; a internet, como se vê, sempre mantendo a ligação nefasta com a gratuidade...). Bom, eu espero que isto não esteja uma confusão. Em 2003, eu segui com o resenhismo (Freud, Roth), arrisquei uma crítica de cinema (Rivera-Kahlo), desconstruí um ídolo antigo (Rubem Fonseca) e entrei num especial da Livraria Cultura. Mas foi apenas em 2004 que minha Coluna pôde, enfim, decolar. Logo, este texto (este que você está lendo) é igualmente uma tentativa no sentido de explicar por que agora (em 2004) funcionou e antes (2002-2003), não. Talvez porque eu cheguei a algumas conclusões este ano, como Colunista do Digestivo Cultural — e acho que vale a pena compartilhá-las (embora eu não pertença a nenhuma das três ou quatro "gerações de ouro" do site, contando a atual...). Em primeiro lugar, como todo mundo sabe, em 2004 rompi com a barreira da primeira pessoa. Foi naquele texto sobre São Paulo, que gerou outras tentativas (infrutíferas) e que acabou como uma pretensa mistura entre literatura e memória. Sei que não é nem uma coisa nem outra, mas foi importante escrever sobre minhas lembranças. Eu me pus em cena e percebi que eu poderia render assunto. Isso se amarra a um segundo ponto. Subitamente, conclui — depois de todos estes anos nesta indústria vital... — que minha experiência poderia interessar às pessoas. Muitas ainda devem se perguntar: "Quem é esse mala que escreve em primeira pessoa?" — mas eu tenho fé que o contingente de indivíduos que encontram, nas minhas reminiscências, algo de aproveitável tem significativamente aumentado. (Quando eu não mais acreditar nisso, prometo que paro.) Particularmente, eu sempre gostei de ler os jornalistas que refletiam sobre seu ofício. Me vem agora o exemplo do Daniel Piza — de quem quase todo mundo tem saudade na Gazeta —, pois, em 1996-2000, ele misturava a "juventude" de quem estava começando com um certo "descuido" ao apontar o dedo para a imprensa brasileira, estando num jornal que não era dos diários mais importantes (digo, Folha e Estadão). Num de seus arroubos, o Daniel me disse, por e-mail, que sua coluna era uma das poucas "de idéias" no Brasil. Eu o havia chamado de "lobo solitário". Ele tinha vinte e tantos; eu, vinte e poucos. Em 2004, no Digestivo, eu percebi que tinha passado por coisas únicas e que — mesmo que elas não o fossem — eu poderia dividi-las com a audiência, pelo simples fato de que ninguém dividia mais. Nem o Daniel Piza (que foi para o Estadão). Isso se materializou especialmente na Coluna "Vida virtual, vida real"; mais indiretamente na "Auto-análise" e na "Manias"; e mais pessoalmente na seqüência "Mens sana..." (1, 2 e 3). Claro, não se trata de nenhuma grande revelação. Em alguns casos, até, o que mais importa é a abordagem (e não, propriamente, o conteúdo). E, ah, houve também um "Making of..." — que, nesse processo, foi fundamental. Quem escreve e publica com freqüência vive meio fechado numa cúpula. No íntimo, nunca sabe se está agradando. Se sabe, desconfia — porque, pelo elogio, pode cair numa fórmula; e porque, como se sabe, ninguém pode escrever só para o público. É uma sinuca. Quando se termina um texto, ele escapa da mão como um balão de ensaio e vai flutuar no céu sem que se possa controlá-lo. As pessoas podem admirá-lo — e nós, autores da arte, podemos até concordar —, mas ele continua fora de alcance. Os textos — atenção, isto é chavão — têm vida própria. Quando saem bons, o mérito não é nosso — porque eles, homens-feitos, não são nossos mais. E quando saem ruins, a culpa é nossa — porque, como balões de ensaio falhados, não foram bem projetados, não foram bem planejados ou não receberam o correto impulso, tendo caído ou pegado fogo no meio do percurso. Mesmo assim, parece que eu encontrei em 2004 um caminho para as minhas Colunas. Algumas idéias já vêm prontas e eu consigo desenvolvê-las a contento (acho). Poucas vezes me perdi no assunto ou tive de dar (a elas) um final abrupto (porque não foram pensadas estruturalmente ou porque eu não sabia como terminá-las). E, repetindo, algo me diz que uma meia-dúzia de três ou quatro gosta dessa mistura atual de "crônica" com "vivência" de editor de cultura. Não figura entre minhas ambições fundar um novo gênero. Penso que o desejo de todos, que escrevem, é encontrar uma clareira e poder explorá-la. Como eu encontrei (acho, de novo) nos Digestivos. Lá, estou em casa; e, lá, parece que nada falha. Oxalá eu sinta isso, um dia, nas Colunas — embora me agrade o nervosismo de se lançar e de ter de encontrar "soluções" para continuar caminhando num terreno pantanoso (eu gosto dessa expressão). 2004 foi um tempo de despertar. Também no Globo, no Estadão, no Suplemento Literário de Minas Gerais, no Rascunho. E qualquer salto, em qualquer direção, em 2005 e depois, tem sua vara fincada neste ano. Julio Daio Borges |
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