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Terça-feira, 4/1/2005 Los Hermanos Marcelo Maroldi Já faz algum tempo, mas lembro perfeitamente daquele dia de sol quente em que comentei com um amigo próximo, pianista, que eu gostava muito de Los Hermanos. Sua resposta foi direta, dura, acertou em cheio minha face, quase me nocauteou: "Los Hermanos é banda de perdedor". A resposta teria me diminuído se eu realmente não tivesse certeza quão sensacional essa banda é, de fato. E, então, talvez eu tivesse percorrido novamente as músicas, as melodias, os encartes, a internet, procurando identificar onde eu errara, deixando-me enganar tolamente por quatro caras barbudos. Talvez cessasse minha singela admiração pelo grupo, minha identificação com as letras, as vozes, ora sofridas, ora agitadas dos intérpretes, as palavras que dizem algo, como há muito tempo nenhuma banda de rock nacional diz. Obviamente, argumentei que a banda é muito boa e procurei ouvir, já contrariado, as explicações daquele meu amigo enlouquecido. Disse ele que as letras eram tristes, obscuras, que a postura era deles era de perdedores, anti-inspiradora, ridícula. Derrotados... Por fim, limitou-se a cantarolar desgraçadamente "Anna Júlia", que eu havia me permitido esquecer há muito. Foi suficiente para perceber que ele não sabia do que falava e que, sem dúvida, não conhecia a maior banda deste país. Certamente você, assim como meu amigo, não está muito acostumado a ver Los Hermanos na televisão, em programas como o do Gugu, da Luciana Gimenez ou da Ana Maria Braga (e eles tocam pouco nas rádios também). E não adianta procurar. Duvido que eles não recebam muitos convites dos produtores desses programas. Devem receber, mas não aceitam (ou aceitam pouquíssimos. Li até que a direção da MTV estaria chateada com a constante recusa da banda em participar dos programas da emissora). Você também não vê na televisão propaganda dos CDs e DVDs da banda. Aliás, eles nem têm DVD (nos deixando na espera, o que, finalmente, parece que chegará ao fim em breve), lançaram apenas o Luau MTV. Lembro de tê-los visto no Faustão e, lembro ainda, que eles tocaram "Anna Júlia" em respeito ao programa e os telespectadores, mas que aquela seria, segundo a banda, a derradeira execução. Recordo, também, de tê-los visto, por vezes, na MTV, há tempos, inclusive na premiação da emissora no ano retrasado (2003, que, aliás, eles concorreram em quatro categorias, (bem) encabeçados pelo excelente "Cara Estranho". Em 2004 foram mais três indicações), festa em que Caetano Veloso "vestiu" uma barba longa e negra e característica do grupo, homenageando-os. Eles preferem apostar na qualidade e não em propaganda televisiva. Isso desde a época do Bloco do Eu Sozinho, de 2001, que representou a mudança de rumo na carreira da banda, rompendo duramente com o disco anterior (Los Hermanos, 1999) e que, segundo os próprios músicos reconhecem, esteve distante - e muito - das grandes mídias. Boicotado. Essa espécie de antimarketing (um banda que não se mostra?), parece dar certo. Funcionou. Milhares de rapazes e senhoritas superlotam seus shows, compram seus discos e exibem, orgulhosos, camisetas da banda. Até Olavo de Carvalho já foi "acusado" de curtir um show da banda (o que, aliás, ele rebateu). No Orkut há varias dezenas de comunidades dedicadas ao grupo. Eu mesmo filiei-me a uma delas. A maior tem 19 mil adeptos, e crescendo. Outras, são de pessoas que odeiam a banda. E há, ainda, as de pessoas que odeiam quem odeia o Los Hermanos. O número de fãs parece crescer todos os dias, na base do boca a boca, sem um trabalho de divulgação digno da grande banda que eles são. Hoje, Los Hermanos já não é um grupo que apenas alguns poucos estudantes escutam. Meninas escrevem nos seus blogs sobre a banda, reproduzem músicas nos cadernos, entre um poema do Drummond e a foto do Gianecchini. Destacam frases melancólicas das músicas, resumindo suas personalidades (o about do Orkut) através delas. Querendo ser aquilo. Ou querendo aproveitar o antimarketing da banda. Afinal, Los Hermanos está na moda. Gostar deles implica, ao que me parece, em gozar de um certo status social, uma espécie de admiração alheia, como prova da intelectualidade de quem os escuta. Ou, pelo menos, prova de não imbecilidade musical, um mínimo de prestígio cultural presente. Mas, então, quem são esses milhares de fãs da banda? E o que querem? Essa é uma ótima pergunta, sem dúvida. Obviamente, temos os aventureiros. E temos os preocupados em mais do que sons, carentes de conforto e identificação, buscando algum significado nas letras e, por que não?, na postura dos músicos. Possivelmente, eles não querem apenas se divertir - ou dançar - ouvindo "um som". Também querem poesia, querem testemunhos, querem um espelho, algo a escutar quando chega a noite veloz... E, talvez, queiram um ídolo. Um que não seja tatuado dos pés a cabeça e que seja inteligente, e um artista de verdade. O repertório da banda contém um excessivo número de músicas que podem ser classificadas como, digamos, melancólicas. Tristes. Exemplos dessas músicas são "O Velho e o Moço", "Adeus Você", "Sentimental" (essa última, a expressão maior - e mais bela - da melancolia). Por que tanta gente tem se identificado com essas letras? "Ela é mais sentimental que eu! Então fica bem... se eu sofro um pouco mais". Deve haver muita gente descontente por aí. Há, ainda, um bom número de canções dedicadas a ausência da amada, ou suas variações: solidão, abandono, amor não correspondido, como, por exemplo, temos "Tá Bom", "A Flor", "Do Sétimo Andar", "Quem sabe" (a última é do primeiro CD). "Quem sabe o que é ter e perder alguém sente a dor que senti..." Entretanto, ao contrário do imediatamente nos ocorre, nem todas as músicas têm um andamento lento. Pelo contrário, mesmo as dolorosas são recheadas de acordes de guitarras e sensacional trabalho de metais. As letras parecem casar adequadamente com os arranjos. Certamente há uma preocupação sonora presente, e bem executada nas músicas. Há uma comunhão bem sucedida de harmonia e melodia. As letras são bem elaboradas, sofisticadas até. Ainda que se proponham a discorrer sobre um tema comum, sei lá, o sofrimento de quem ama, as idéias parecem ser originais, não são similares as músicas desse tipo, há uma forte unicidade na banda. Há poesia, há dor e há tristeza, entretanto, elas são não gratuitas. São mensagens, são desabafos, são as verdades deles. Não temos um pedido explícito de aceitação. Se a identificação ocorre, ela é, certamente, espontânea. São tristezas, direi, bonitas, afinal, como diz aquele samba: "Tristeza feia o poeta não gosta..." E eles são, certamente, poetas. E sambistas, segundo muitas críticas que li sobre os barbudos. Os dois últimos discos provam isso. E faria, não fosse a confiança já conquistada, aguardarmos apreensivos pelo que virá no álbum seguinte, a ser gravado no início de 2005. Mas podemos dormir tranqüilos, sabendo que eles sabem o que fazem. Se vierem mudanças, porventura mudemos nós também. Como diz o site oficial da banda: "Um amigo sabiamente disse que um disco nada mais é do que uma fotografia de um determinado momento da carreira de uma banda. Na foto de Ventura, o que se vê é a mesma vontade que havia em nossos discos anteriores, de se fazer música de acordo com o que somos, mesmo que no momento seguinte sejamos uma outra coisa, mesmo que pareça fora de sintonia com nossos contemporâneos". Na metade de dezembro de 2004, Los Hermanos encerraram a longa turnê (segundo o Correio Braziliense, até setembro de 2004 foram 120 shows) do álbum Ventura, sucessor do Bloco do Eu Sozinho. Foram tantos shows e dezenas de milhares de pessoas cantando, emocionadas, as músicas, deixando felizes os integrantes dos Los Hermanos, afinal, como diz o próprio site da banda, "...e isso para nós é ser popular de verdade, afetar as pessoas". Conseguiram. Los Hermanos, a melhor banda de 2004, e, possivelmente, de 2005, 2006... Ah, e até meu amigo pianista enfim reconheceu o grande trabalho dessa banda. Nota do Editor Marcelo Maroldi assina também o blog que leva o seu nome. Marcelo Maroldi |
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