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Sexta-feira, 7/1/2005 Roteiro de um ano Lisandro Gaertner - Amor? Amor? - Que é?! Você não vê que eu tô dormindo? Que horas são, homem de Deus? - Sei lá. Umas seis horas. - Seis horas? Você tá maluco? Hoje é Domingo! Por que você está me acordando a essa hora? - Eu tô escrevendo aquele artigo... - Que artigo? - Aquele que eu prometi pro Julio. - Tá, tá. Então, vai lá, escreve e me deixa dormir. - Mas, amor, eu tô com umas dúvidas. - Dúvidas? Que dúvidas? - Que filmes a gente viu no cinema esse ano? - Sei lá. Não me lembro. - Nem eu. - E daí? Isso lá interessa? - Interessa. O artigo é sobre os dez melhores de 2004. - Os melhores o quê de 2004? - Os melhores filmes, CDs, livros, essas coisas. - Então põe lá o você gostou esse ano e pronto. - Que isso, amor? As coisas não são assim. - Não são? - Não, uma lista de dez mais é uma espécie de manifesto. Uma indicação do que as pessoas devem ler, ver, ouvir ou, pelo menos, lembrar desse ano. - Que coisa pretensiosa, hein? E você se ofereceu pra fazer isso? - Pois é. Eu não tinha idéia aonde estava me metendo. Agora eu tô com o maior pepino e não sei o que escrever. Dá para você me ajudar? - Tá bom, tá bom. O que eu posso fazer para te ajudar? - Diz aí uns filmes que a gente viu esse ano. - Bom, a gente viu o Cazuza. - Pô, Cazuza? Fala sério, diz alguma coisa boa. - Você não gostou do Cazuza? - Não odiei, mas também não é merecedor de entrar nos dez mais. Toda aquela situação edipiana com sexo, drogas e pouco rock'n'roll... sei lá, é quase um Boogie Nights ao contrário. - Tá, então fala do Senhor dos Anéis. - Ah, do Senhor dos Anéis não dá. - Por que não? Você não amou o filme? - Amei, mas aí é passar atestado de nerd. - E aqueles outros que você gostou? Antes do Pôr do Sol, American Splendor, Adeus Lenin? - Esses, sim, foram bons filmes, mas... - Mas o quê? - A lista ia parecer coisa de moderninho. - Ô, homem chato. Fala, então, dos DVDs que você gostou. - Dos DVDs? Você tá falando da caixa dos Irmãos Marx e da coleção do Super Homem? Não dá mesmo. Eu tô falando dos melhores de 2004, não de 84 ou 34. - Então fala de outra coisa. Que tal livros? Você vive lendo. O que você leu esse ano e gostou? - Bom, eu gostei de As Incríveis Aventuras de Kavalier e Clay , do Wisdom for Others do George Mikes... - Pronto. Pode começar daí. - Não dá, esses livros não foram lançados esse ano. - Não teve nenhum livro lançado esse ano que você tenha gostado? - O novo do Alexandre Soares Silva é o máximo, mas vão dizer que eu tô usando o artigo para falar bem dos meus amigos. - E música? - Música? Fala sério. Esse ano eu só comprei vinil. O mais recente deve ter sido um dos Smiths. - Mas você foi no show do Kraftwerk. - É, o show foi o máximo, mas o público... - Olha, são seis da manhã de domingo, eu tô morrendo de sono e, vou te dizer, não sei mais como eu posso te ajudar. O melhor é você desistir desse artigo e mandar um e-mail para o Julio dizendo que não teve tempo pra escrever. - É, tá brabo. Acho que não tem jeito. Vou ser obrigado a fazer isso. - Viu, tá tudo resolvido. Agora, vem, deita e vamos dormir um pouquinho. - (...) - Fica chateado, não. Ano que vem vai ter coisa melhor para você comentar. - Tomara. - Ou você, pelo menos, vê se aprende uma lição e não se mete mais nessas roubadas. - Tem razão. Eu não devia ter me oferecido. Esse negócio de fazer lista de dez mais é uma coisa que te expõe muito. Nota do Editor Lisandro Gaertner assina o blog Atematica. Lisandro Gaertner |
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