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Sexta-feira, 14/1/2005 Com pouco peso Eduardo Carvalho I O semestre passado foi exigente e estimulante. Precisei acabar as últimas matérias da faculdade. Apareceram, ao mesmo tempo, várias novidades no estágio. Planejei, além disso, uma temporada na Universidade de Oxford, onde estou agora. Esses três fatores, acumulados, nem sempre me deixaram dormir bem. E ainda temos as obrigações normais de, como dizem, um bom filho, que me esforcei para manter: vários esportes, pequenas viagens, muitos jantares. Mesmo com pouco sono, porém, acordei bem. Minha formatura está marcada para março. Deixo, assim, meu período universitário, que durou mais do que devia. Mas valeu a pena: principalmente pelos momentos que vivi longe da faculdade. Foram muitos: em Cuiabá, em Havana, em Vancouver, em Moscou, no Tocantins, no Alasca, em Roma, em Nova York, em Varsóvia, etc. E em São Paulo, claro, também. Afinal, acabei descobrindo, nos lugares mais distantes - nas piores estradas e nos mais agradáveis restaurantes -, que sempre carrego eu comigo mesmo. Melhor que a bagagem seja leve, portanto. Carregando pouco peso, então, cheguei na Bélgica, há quinze dias. Em Knokke, para ser preciso: uma cidade que está fora do roteiro de qualquer turista brasileiro. A cidade, quase uma vila, à beira do mar do Norte, é uma espécie de Beverly Hills belga. O que, portanto, significa que não é cafona como Bervely Hills, apesar de van Dame estar lá todo verão. As casas tem nomes inesperados: como Dom Quixote e Peer Gynt, personagens favoritos de quem se interessa por literatura. Quase todos os restaurantes da cidade são excelentes, mas, ainda assim, é bom você ter alguma recomendação confiável, se quiser experimentar a culinária local: uma mariscada gigantesca. Os melhores lugares de Knokke - ou os mais engraçados, pelo menos - estão escondidos. Como um restaurante perto da floresta, onde, depois da meia noite, a música começa a tocar: e o público local - de, na média, quarenta anos - começa a dançar. O Ministro de Interiores da Belgica, quando eu estava la, só observava o movimento. Não é exatamente o tipo de lugar em que pretendo estar, daqui a vinte anos, numa terça-feira à noite, mas o ambiente, pelo menos, é curioso. É curioso também que a Bélgica, além de Bruxelas, seja desconhecida por brasileiros. Não deveria. Brugges e Genth, por exemplo, estão entre as cidades mais bonitas da Europa. Tem, aliás, todas as qualidades de Amsterdam - arquitetura medieval, canais abertos e limpos, museus excelentes -, sem os defeitos de Amsterdam: turismo trash, principalmente. E são menores, mais simpáticas, mais charmosas. Brugges - que está entre as minhas cidades favoritas - tem bares e restaurantes maravilhosos. Não me perguntem os nomes: estão até na praça principal, ou escondidos em becos, em ruas estreitas - como o menor bar da cidade, uma preciosidade apertada e engraçada, onde fui num aniversário. E Genth, neste Natal, estava especialmente decorada e iluminada. A impressão, numa noite de inverno - quando pais passeiam com carrinhos de criança e meninos correm pelas ruas - é a de que o mundo não tem problemas. E tem? II ![]() A vista do apartamento em que estou hospedado é a fachada do St. Johns College, o mais rico da Universidade. As janelas do meu apartamento, em formato de vitral de igreja barroca, são parcialmente encobertas, no meu quarto, pelos retângulos que decoram a fachada do St. Cross, como em um castelo medieval. Duas capelas, de aproximadamente quatrocentos anos, estão dentro de St. Cross, e tenho quase que atravessá-las quando chego no college. ![]() Os jardins de Oxford - especialmente dentro dos colleges - são impecáveis. O de St. Cross, por exemplo, é dividido por arcos, em duas partes, no centro do college, para onde a sala de estar e os escritórios têm vista. Os jardins mais bonitos de Oxford, aliás, devem ser os do Magdalen College, onde estudaram Oscar Wilde e Vinicius de Moraes, à beira do Rio Cherwell e em frente ao Jardim Botânico da Universidade. Num passeio pela beira do rio, atrás da residência dos estudantes, lembramos de Vinicius, aos 24 anos, pulando a janela do seu quarto, à noite, para se encontrar com a Tati, que veio lhe visitar. Oxford, para um estudante, é talvez o melhor ambiente do mundo. Você anda pelas ruas, e parece que todos os habitantes têm entre 20 e 30 anos - exceto os professores, que, aliás, têm normalmente a cara e o estilo de um professor de Oxford, incluindo a bengala. Você olha, pelas janelas, o interior das salas dos colleges, e estão todas cheias de livros, do chão ao teto. Oxford oferece, ao mesmo tempo, um ambiente vibrante e aconchegante. No bistrô em que janto às vezes, por exemplo, como pelo menos tão bem quanto nos melhores de Paris - e ainda ouço, por acaso, trechos de conversas extremamente interessantes, como o futuro dos semicondutores ou a nova tendência na arquitetura japonesa. Bill Clinton, que estudou no University College, disse que, deslumbrado com a cidade, andou 14 horas por dia em suas primeiras duas semanas aqui. É compreensível. Eu cheguei em Oxford há quatro dias. Ainda não andei tudo isso. Andarei, talvez. Mas, ainda assim, a gente desenvolve, depois de várias viagens, uma postura menos assustada, menos deslumbrada com novos lugares - como se todos fossem, afinal, uma extensão da nossa casa. Essa postura nos ajuda inclusive a aproveitar melhor outros lugares. Voce não visita outro planeta nem se transforma em outra pessoa. Viajar não é uma experiencia intergaláctica nem transcedental. Aprendemos que - em Oxford ou em Osasco - o importante é, sempre, carregar pouco peso: e levar apenas o que é especial, essencial. E um bom espírito não pesa nada. Eduardo Carvalho |
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