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Quarta-feira, 23/2/2005
Ao livreiro sem noção
Ana Elisa Ribeiro

Publicar livro, no Brasil e em qualquer lugar do globo terrestre, é um movimento difícil e contínuo. Também é o fetiche de muita gente, que sequer tem um projeto literário. Nada de mal nisso. As pessoas podem apenas ter vontade de publicar um livro para sua satisfação pessoal e para homenagear parentes e amigos. Assim como há muitas pessoas que acham que têm boas histórias para contar e pensam que livro se faz apenas disso.

Para tanto estão aí as gráficas, as rápidas, principalmente, e os programas de computador que podem ser instalados em casa e oferecem a possibilidade, real, de se fazer um livro sem sair de casa. Depois, paga-se uma gráfica para rodá-lo. Isso deve sair por mais ou menos 3 mil reais, dependendo do acabamento, do número de páginas, da gráfica, etc.

As editoras, no entanto, não deveriam funcionar como gráficas. A editora é o selo que garante ao autor (ou deveria garantir) sua entrada numa rede mais seletiva de leitores e autores. A casa editorial deveria ter a premissa da credibilidade, uma vez que deveria manter um conselho editorial de gente interessante, nem sempre um grupo de amigos. A editora também deveria garantir a distribuição da obra por livrarias de todo o país e a divulgação do lançamento, assim como resenhas interessantes, que ajudassem os nomes de autor e obra a circular.

Mas é demais falar nisso para editoras pequenas e médias. Grandes selos, conhecidos até internacionalmente, conseguem fazer tudo, mesmo a distribuição custando 45% do preço final do produto. Mas as editoras pequenas, que quase não têm o que investir, lançam o livro, conseguem divulgação e resenhas, graças ao mailing inteligente do editor, mas distribuir continua sendo um imenso obstáculo.

No Brasil, de uns anos para cá, as editoras pequenas ganharam destaque. Lançaram bons livros de autores escondidos pelas gretas do país, fizeram estardalhaço e ganharam páginas em grandes jornais e revistas. Ao ponto de continuarem pequenas em tamanho, mas grandes em influência. Os grandes selos, que não são bestas, aproveitaram a onda de gente boa (ou bem-divulgada) e passaram a comprar esses passes a preço de banana. O autor que saiu do anonimato e alcançou algum respeito fica satisfeito de entrar para o catálogo de uma notável editora grande e quase agradece de joelhos essa dádiva.

Isso não devia ser assim. Pensando bem, melhor seria se o autor já fosse respeitado pelo bom trabalho, estivesse ele numa pequena ou numa grande casa editorial. E nos catálogos das grandes também entram maus autores, mas bons de lábia, bons de garimpar matérias no caderno de adolescentes, afinal, a grande editora quer vender. Ela quer acertar nem sempre na qualidade, mas na quantidade. Se o autor virar roteiro de cinema, tiro certeiro. O livro pode ser encontrado até mesmo na vitrine de uma megastore.

Mas vejam: o autor que não é alçado para um catálogo mais estiloso e continua no staff da editora pequena mantém sua batalha quase corporal de fazer turnê pelo país com grana do próprio bolso, de ficar nas casas dos amigos nas cidades por onde passa, de morrer de alegria pela notinha no jornal e de vender livro até pelo e-mail pessoal.

Em geral, a pequena editora não dá conta de distribuir o livro por um espaço muito grande, então o próprio autor toma isso nas mãos (calejadas de escrever e de bater em porta de editora). Ele mesmo entrega a obra em livrarias que possam fingir de interessadas e recebe ali um papelzinho que garante que houve consignação. Compra, nem pensar, afinal aquele livro não garante nada. Muito menos lucro, mas ao menos estará escondido nas prateleiras de alguma loja. E passam-se os meses e ninguém telefona pra dizer se vendeu algum exemplar.

Caso o autor tenha bom raciocínio gerencial e queira atuar como secretário de si mesmo, ligará de 3 em 3 meses (prazo de praxe) para as livrarias e será informado: a) que o livro não entrou no banco de dados, por isso eles não podem informar; b) que o livro não vendeu exemplar nenhum; c) que o livro vendeu um exemplar e que o autor pode vir buscar os outros; d) que não sabem e vão ligar depois.

É claro que as livrarias não ligam e que o autor não recebe nem um centavo pelos livros vendidos. Em Belo Horizonte, por exemplo, vale a pena fazer um teste de eficiência, mesmo nas livrarias menores e nas que se dizem também editoras. Em apenas um caso, citável, o livreiro (também proprietário) soube, prontamente, informar o número de exemplares vendidos, os que sobraram e ainda acertou valores em conta bancária para o autor. A Crisálida, pequena livraria e editora no lendário Edifício Maletta, tem a exata noção do que seja respeito e cooperação com o trabalho alheio. Algo que nunca é demais, principalmente quando alguém faz disso a sua profissão.

Em outros lugares do país não deve ser diferente. São conhecidos os casos de descaso, digamos assim, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Curitiba, em Porto Alegre e em lugares até bem menos metidos a besta.

Publicar um livro é uma aventura. Quando o autor tem projeto literário, é uma aventura cheia de surpresas e alegrias. O segundo livro é ainda mais apaixonado. O terceiro precisa ser bancado por uma editora de verdade, para que tudo deixe de parecer uma brincadeira cara. Mas publicar um livro tem desses pequenos fracassos que deixam o autor muito frustrado: depender de outros, porque publicar um livro, desde tempos imemoriais, é trabalho de equipe.

As equipes editoriais de antes de Cristo já trabalhavam de forma muito parecida com as equipes de hoje. Até mesmo os nomes técnicos e o jargão da área são herança de outros tempos (já ouviu falar em caixa-alta?). No entanto, se antes o autor dependia, absolutamente, de um editor, hoje ele entra num esquema de do it yourself, o que tornou tudo muito mais democrático (com algum exagero). Mas respeito independe disso, não é mesmo? Ou respeito também se compra junto com o selo da editora?

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 23/2/2005

 

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