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Segunda-feira, 14/3/2005
Deus está morto: Severino para presidente
Andréa Trompczynski

Para o amigo Fernando

"Se Deus está morto, tudo é permitido"
(Dostoievski)

Desde que comecei a desconfiar da existência de Deus, e algumas vezes afirmar isto, as pessoas têm-me olhado com um certo receio. Como se, por não possuir a fé comum Nele, fosse eu algo demoníaca. Explico. Tudo começou por inveja. Sim, daquelas pessoas de fé inabalável. Não porque fosse inteligente, mas porque me parecia muito mais cômodo. Fã do comodismo, fui tentar conseguir um pouco dele para mim.

(Falo friamente assim hoje, este tom não existia outrora, lhes juro. Não por Deus, mas juro. Era um desejo sincero e inocente o de ter fé.)

Tentei primeiro as religiões ocidentais. O Catolicismo, o Protestantismo, o Espiritismo. Há muitos anos, frequentei uma Igreja Evangélica por amargos três meses. Digo amargos porque o cristianismo é um ideal de tristeza, dores e abnegação. "Estão sentindo o Senhor?", não eu não estava sentindo o Senhor. Eu era imune a sentir o Senhor. Nos estudos bíblicos que esforcei-me para cumprir, o Pastor não respondia às minhas perguntas. Ou pior, respondia, dizendo-me que era um mistério divino e que eu não tinha autorização para tentar sondar a mente de Deus. Que questionamentos eram influência demoníaca e quase me excomungou à maneira evangélica quando afirmei que Judas era um injustiçado, pois apenas quis o Judas que Jesus provasse a todos que era o filho de Deus, com algum prodígio mirabolante no momento da prisão, e o Cristo não o fez.

Depois veio o Espiritismo. Fascinante no início, uma lógica perfeita, encaixando conseqüências e causas, explicando o mundo e o universo. Por muitos anos acreditei. Talvez ainda acredite um pouco, apenas passei a considerar que aqueles espíritos tão perfeitos que teriam falado ao Kardec, não poderiam entender meus sofrimentos mesquinhos. Exaltavam a virtude e somente a ela buscavam. Tudo o que eu considero belo, eram apenas cópias desbotadas da grandiosidade dos mundos espirituais evoluídos. "Sois imperfeitos". Descreviam nos livros a música que lá tocava. Tão celeste que adormeceria qualquer mortal. Eu amava as raivas e angústias de Beethoven, a carnalidade de Mozart. Admiradora confessa das características imperfeitas e humanas, afastei-me desta doutrina.

Fui conhecer as religiões orientais: Raja Yoga, Budismo e até mesmo a Seicho-no-ie. A tal da meditação. Em todas, há muitas horas dedicadas a ela. No Raja Yoga, não se pensava em nada. Ficávamos sentados em posição de lótus, em silêncio. Como num útero, devíamos apenas tentar relembrar o tempo em que éramos perfeitos, antes de uma certa "queda" do homem. Creio que a queda foi mesmo grande, era a única a não recordar aquele tempo na por eles chamada "Era do Ouro". Todo o curso foi interessantíssimo, manifestei meu desejo de continuar e entrei num estágio de aprendizado mais avançado. Veio a revelação do mestre: eram castos. Ah, Deus... Eu tinha vinte e um anos! Nunca mais voltei. Veio em seguida o Budismo. Há todas aquelas belíssimas lendas sobre Buda, o Sidharta, mas são mais de mil ramificações desta religião, inclusive com outros Budas. Muita sabedoria naqueles provérbios e ensinamentos, mas não consegui ficar muitos dias repetindo "nam-mioho-rengue-kyo". Há muito esforço para atingir o não-pensamento, e pensar é o meu maior prazer. A Seicho-no-ie era neurolinguística pura, haviam muitos livros e eu os li, descobri que os adeptos eram felizes por auto-sugestão. Foram os que mais invejei, estavam realmente satisfeitos com a vida e viam somente o lado bom de tudo e todas as coisas. Conheci até mesmo um homem que livrou-se de um sério problema de acne apenas mentalizando uma pele perfeita e, juro novamente, conheci em pessoa uma mulher feliz que sorria todo o tempo dizendo: "obrigada, obrigada, obrigada". Até hoje lamento não ter funcionado comigo.

Tentei finalmente encontrar Deus dentro de mim, inspirada por um poster num bar, onde John Lennon afirmava convicto que O havia buscado em vários lugares e somente O encontrado dentro de si. Chamei-O no silêncio da minhas solidões: nada, nadinha. Não havia ninguém ali. Talvez fosse a hora de provar a tal relação pessoal com Jesus da qual muitos comentam as maravilhas. Confesso: não o amava, sentia somente culpa. E também pena. Eu tinha pena do próprio Cristo, pobrezinho. Por ter sido condenado como um animal àquele sacrifício pelo próprio pai. Por não haver amor, não o encontrei. Na internet, li sobre o Grande Mestre Ascenso Saint Germain, que comunica-se telepatica ou mediunicamente com alguns escolhidos. Seus discípulos afirmam que mentalizar uma chama violeta envolvendo meu coração e mente teria o poder de transmutar meu karma e eu seria feliz, como a japonesa da Seicho-no-ie, quando queimasse nela minhas culpas e remorsos. Mais um fracasso, meu cérebro tem dificuldades tremendas em imaginar cores. Não pude me purificar nem encontrar Deus através das mágicas chamas violetas.

Sinto agora o imenso preconceito medieval que sofreram os descrentes. São de amedrontar os olhares espantados e exclamações de "que Deus tenha misericórdia dela". Olhares de piedade para mim das senhoras de fervor religioso. Que mais posso fazer? Todos sentem o Santo Espírito derramar sobre suas cabeças nas Igrejas, menos eu. Visualizam com sucesso a pele sem espinhas, e eu só vejo a imagem comum que o espelho reflete. Não consigo sorrir o tempo todo, o maxilar dói; os mantras de três horas me fazem dormir e, tragédia, a chama violeta purificadora é cinza para mim!

Não há pecado abaixo da linha do Equador
Já que Deus não existe, não há mais pecados: Severino Cavalcanti para presidente. No Brasil os tipos políticos ao estilo europeu não conquistam o povo, não têm carisma. Querem um bem-amado espontâneo, natural, discursando de improviso. Considere-se o que pode vir a ser um político assim espontâneo, assim natural, assim sem discursos escritos por especialistas, no Brasil. O presidente Lula tentou: pode chorar, suar, sapatear, fazer confissões públicas, mas Severino ainda é o melhor. E dançou frevo, pronto. Dançar frevo foi o ápice, Lula nunca dançará frevo com sombrinha colorida. À maneira dos antigos coronéis, sabe construir sua imagem junto àqueles que chama de "seus beatos". Quem não quer as graças de um Santo Severino? Nesses tempos bicudos, em que os santos protetores viraram as costas para o Brasil, quem não gostaria de ter o cartão do Severino? Severino paga a conta de "quebra-quebra" em bar feita por eleitor seu e livra os beatos da prisão. De nada adianta nadar contra a corrente e gritar por ética, deixo as passeatas em nome da ética para os jovens idealistas, quero mesmo é o cartão do Severino.

"Hoje, minha gente, Lula precisa mais de Severino do que Severino de Lula. Tem seis agentes de segurança de Brasília tomando conta de Severino aqui. Mas sabem qual é a arma que ele carrega? Um terço! (E Severino deu o terço para que o vereador o exibisse à multidão extasiada.)", discurso do líder do PP na Câmara Municipal de João Alfredo, Wilson França, no dia da chegada de Severino em sua cidade natal, 5 de março (trecho extraído do blog do Ricardo Noblat em uma cobertura in loco da aclamação popular de Severino em Pernambuco).

Igreja Universal da Esquizofrenia
Seis vezes ganhador do prêmio HQ Mix, o mais importante do Brasil, Lourenço Mutarelli desenha a nanquim direcionando a mão direita com uma espátula bem segura na esquerda, para domar um pouco o tremor de psicótico maníaco-depressivo que já teve diversos colapsos nervosos. Viciado em Lorax, um poderoso tranqüilizante, há quinze anos, abandonou o tratamento depois de ouvir seu médico dizer: "A diferença entre o neurótico, o psicótico e o psiquiatra é que o neurótico constrói castelos imaginários, o psicótico mora neles e o psiquiatra cobra o aluguel". O Natimorto é uma HQ sem desenhos, história curta de um agenciador de talentos que define seu destino diário pelo tarô das figuras de advertência no verso das carteiras de cigarro. Isola-se num quarto de hotel com uma cantora sem voz e desfia sua interpretação dos arcanos dos cigarro. "Isso é sublime. Ele tornou mãe a mulher que o pariu. E ela sempre dirá: meu filho 'nasceu' morto. Isso o torna um ser superior, quase santo. Viveu sem macular-se do mundo. Pulou uma passagem de sofrimento e desilusão", sobre a figura do recém-nascido decrépito divulgada pelo Ministério da Saúde. Mais underground e genial que o livro somente a entrevista com Lourenço, feita por Ronaldo Bressane ao final do livro. A esquizofrenia é a nova religião, com suas teorias da conspiração, símbolos, isolamento, vida virtual, personalidades múltiplas. Mutarelli, de pantufas e sem sair de seu apartamento é o profeta. Converti-me desde a página primeira. Interpretamos o mundo e predizemos seu futuro pelas figuras das carteiras de cigarro.

Para ir além





Andréa Trompczynski
São Mateus do Sul, 14/3/2005

 

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