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Quinta-feira, 9/8/2001 Arte, cultura e auto-estima Adriana Baggio João Pessoa, quem diria, está surpreendendo com uma agitação cultural atípica. E vejam bem, não se trata de Carnaval, nem de São João, nem de nenhuma outra manifestação "popular" no sentido pejorativo da palavra. O Tribunal de Justiça, que preza muito pela promoção de seus pares e de suas atividades nas colunas sociais, está trazendo à cidade obras de alguns dos mais importantes pintores do mundo. Já estão em João Pessoa quadros de Picasso, Matisse e Renoir, que junto com outras telas de artistas famosos formam a Expoarte 2001. A exposição começa dia 10 de agosto, mas na véspera, um exclusivíssimo coquetel black tie abre o evento para os vips da cidade. O convite custa R$ 100,00, mas não é qualquer nouveau riche que pode comprar. Há uma lista das pessoas convidáveis para a festa. A renda vai ser revertida às obras assistenciais promovidas pela Associação das Esposas dos Magistrados, cuja presidente é a esposa do manda-chuva do Tribunal. Mas tudo bem, vamos deixar de lado esse ranço de provincianismo e aproveitar a grande oportunidade que esta exposição oferece. A realização da Expoarte 2001 foi intermediada pelo restaurador paraibano Flávio Capitulino, que trabalha na Galerie Cazeau-Béraudière, em Paris, de onde se originam as obras. Por ser um acordo entre a galeria e o presidente deste Tribunal de Justiça, esta exposição é exclusiva para a cidade. Sorry Recife, sorry São Paulo. Alunos da faculdade de Educação Artística da UFPB estão passando por um treinamento para trabalharem como monitores da exposição. É uma oportunidade ímpar, que vale por uma penca de slides de História da Arte. As escolas interessadas poderão agendar visitas dos alunos. Quanto ao público em geral, deverá pagar R$ 6,00 pelo ingresso, com desconto de 50% para os estudantes. Não é caro, mas ainda deixa uma boa parcela da população de fora. Exposições como essa podem ser até relativamente comuns no Rio e em São Paulo, mas no Nordeste do Brasil é um acontecimento. Descontando o caráter promocional do evento, é ótimo que esta exposição aconteça por aqui. O nordestino vive confinado à sua própria cultura, de uma maneira folclórica e limitante. Há exceções, é claro, mas no geral, e principalmente aqui, funciona assim. Sem desmerecer as manifestações locais, mas até para valorizar o local e poder pensar criticamente sobre ele é preciso conhecer o que se faz em outros lugares. Outro ponto é a baixa estima do povo desta região no que se refere a atrações de qualidade. Por conta do preconceito de que nordestino gosta mesmo é de Carnaval e São João, dificilmente chegam por essas bandas outros tipos de manifestações culturais. E ficamos nos consumindo, ingerindo e vomitando a mesma fórmula de sempre, com a ilusão de que mantendo-nos pitorescos vamos atrair os tão cobiçados turistas. Mas e quem vive aqui? Uma educação cultural de qualidade é necessária para a valorização local. Como resultado, teremos pessoas melhores, mais bem preparadas e educadas para participar do desenvolvimento social e econômico da cidade, seja no turismo ou em qualquer outra atividade. Continuando com a movimentação cultural dos últimos dias, um pequeno shopping na praia inaugurou seu Multiplex com 5 salas de cinema, o primeiro da cidade. Sábado, segundo dia de funcionamento, 3 salas estavam funcionando. Apesar da confusão na hora de comprar os ingressos, foi uma felicidade poder assistir um filme em uma sala que não cheira a mofo nem urina. As poltronas são confortáveis, modernas. Apesar de pequena, a sala é bonita e o som é bom. Parece uma coisa tão comum para moradores de outros locais, mas desde Curitiba que eu não entrava em uma sala de cinema decente, e fiquei realmente feliz com a possibilidade de ter opção. A inauguração deste Multiplex, e do Multiplex do concorrente, que deve acontecer logo, também é um reforço para a auto-estima dos consumidores locais. Espero que as pessoas sintam-se respeitadas, e que passem a exigir mais qualidade dos produtos e serviços pelos quais pagam caro e recebem mal feito. Com essa consciência, talvez passem a cobrar mais dos restaurantes com garçons mal-humorados, do supermercado sujo e sem produtos, dos jornais que cometem erros absurdos todos os dias, em todas as páginas. Ficava um pouco insegura com essa minha teoria de que muitos dos problemas daqui são causados pela baixa auto-estima do povo, porque não sou socióloga, nem psicóloga, nem antropóloga ou qualquer outra coisa que me dê autoridade para julgar. Mas esta semana li no jornal que a prefeitura de João Pessoa prepara um comercial de TV com o objetivo de resgatar a auto-estima do pessoense. Pelo menos não estou tão cega assim quanto às minhas idéias. Só me resta torcer que esse material seja realmente o que disseram, e que surta o efeito desejado. Acredito que o conjunto de ações como essas -mais oportunidades de acesso à cultura dita erudita, incremento das opções de lazer da cidade, campanhas de sensibilização - pode auxiliar no resgate da valorização dos moradores de João Pessoa. A cidade é encantadora, tem um clima privilegiado, vemos o sol nascer no mar e se pôr no rio, e ainda é relativamente segura. Com tudo isso, só falta mesmo um governo que faça sua parte e empresas sérias e interessadas no desenvolvimento do seu mercado para que João Pessoa seja uma boa cidade para viver e visitar. Quem sabe assim os Picassos, Renoirs e Matisses venham mais vezes por essas plagas. P.S.: as imagens que ilustram este texto são de duas das obras que participam da Expoarte 2001. Adriana Baggio |
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