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Sexta-feira, 17/6/2005 A volta das revistas eletrônicas Julio Daio Borges Por ironia, fui descobrir que as revistas eletrônicas estão voltando através do Blog. Ironia porque acho que o retorno das revistas on-line é justamente uma reação ao individualismo blogueiro, que a muita gente já cansou. Assim, fui topar com novas iniciativas coletivas, porque retomei uma atividade individualista que havia abandonado: o Blog. De fato, houve um momento na internet em que se pensou que os blogs iriam acabar com tudo. E os blogueiros ficariam se achando (alguns se acham até hoje). Em vez de você ler um ou dois jornais por dia, uma ou duas revistas por semana (ou por mês), e/ou visitar diariamente (ou semanalmente) alguns sites da sua lista de favoritos, seria obrigado a "fazer a ronda" em dezenas, centenas, milhares de diários virtuais (e individuais). Eu acho, no mínimo, cansativo. (Confesso que estou tentando montar meu ranking de blogs - e até de sites - mas, à medida que a lista cresce, mais tenho preguiça de visitá-la.) Sou de outra época. Mas não só eu. Por melhor que o blogueiro seja (e admito que há blogs bons), ele não tem a mesma força, na solidão, de uma revista on-line. Tirando o Google, e seu AdWords/AdSense, no Brasil, ninguém vai patrocinar um blogger. A sua nanoaudiência não paga a conta. Quem lê blog - além de blogueiro mesmo -, é jornalista ou é editor, é profissional de internet ou é profissional da palavra escrita. E esse público, convenhamos, aqui, é minúsculo. Minha briga no Digestivo, desde o começo, sempre foi no sentido de se fazer um site para todo mundo. Não só para escritor ou wannabe; não só para jornalista ou wannabe - mas para todo mundo que gostasse de trocar idéias, independentemente de que área fosse. Porque esse público existe; apenas acho que está desamparado ou relativamente mal representado pelas publicações que aí estão. Os intelectuais (intelequituais ou intelectualóides), quando pegam para fazer, fazem só para eles ou para os amigos deles - para mais ninguém. Então fica um negócio que você não sabe se está de cabeça pra baixo ou de cabeça pra cima, como a maioria dos blogs que eu conheço. Por outro lado, os fabricantes de revistas em série, quando pegam para fazer, fazem para "todo mundo" - mas, no fim, atingem ninguém. É a mesma turma das agências de publicidade, que está acostumada a trabalhar com "uma criança típica", "um adulto típico", "um velhinho típico"... mas, se você não é consumidor voraz de mídia de massa ("consumidor típico"), quando abrir e ler, vai ver que o conteúdo é tão burro, mas tão burro (feito "pra todo mundo")... que simplesmente não lhe diz respeito. Tudo bem, existe, claro, o "intelectual típico" (ou wannabe) - mas você não pode subestimar a inteligência dele, como subestima, na tevê, a da "dona-de-casa típica", a do "pai-de-família típico", até a do "GLS típico". A nova mídia está mostrando, para a velha, que as pessoas não assim tão idiotas. Mas, retomando o raciocínio: entre a incomunicabilidade dos blogueiros individualistas (estou categorizando aqui) e a impessoalidade editorial do mass media, existe uma alternativa: as revistas on-line. Não, elas não são a salvação (como eu gosto de dizer; porque nada nunca é), mas elas tentam o meio-termo - o que é saudável, porque, no Brasil, isso nunca existiu ou quase nunca existiu. Teve a imprensa nanica, a geração mimeógrafo, os folhetins da corte, mas, hoje em dia, isso não funcionaria. Quem quer fazer barulho hoje, não faz barulho no papel - porque o papel não repercute. O papel é lento. Quem repercute, e repercute em tempo real, é a internet. Mas não vou discutir obviedades aqui. O fato é que tenho visto as revistas ressurgirem. Quero crer que é por causa de exemplos como o do Digestivo. E de outras publicações on-line, claro. Hoje as revistas eletrônicas, além de virar revista (em papel; como aconteceu aqui), viram livro, viram oficina de texto, viram manancial de novos autores, viram suplementos, viram eventos, viram referência, viram business. Se por um lado, a grande mídia, nos anos 2000, permaneceu jurássica, ou à beira da esterilidade criativa, e, por outro lado, os blogueiros gritaram, gritaram e só conseguiram a adesão dos moderninhos da Folha ou algumas pautas no antigo Vitrine do Marcelo Tas, as revistas eletrônicas (ou wannabes) furaram a barreira do som, a ponto de as novas personalidades literárias (e jornalísticas) estarem sempre atreladas a um grupo ou a um ex-grupo - e não a um veículo do establishment ou a um blog-do-eu-sozinho. Posto isso, penso que posso ter a pretensão, a prepotência, e até a arrogância de - através da minha experiência - dar algumas dicas às novas revistas eletrônicas que estão aí. Dica um, que decorre da discussão acima. Uma revista on-line precisa, primeiro, se definir em relação à velha mídia. Não acho, por exemplo, que uma iniciativa, na Web, tenha de cobrir o que já cobre a grande mídia. Ou seja, a meu ver, é perda de tempo correr atrás de blockbusters do cinema, de best-sellers do mercado livreiro, de atrações televisivas no horário nobre, de artistas fabricados pelas majors do disco... Não significa que a publicação não vá falar nunca disso; é inevitável que fale (vão ser assuntos, nas conversas, até repetitivos). O que não pode, porém, é querer "furar" a grande imprensa ou querer achar que é possível fazer uma cobertura melhor ou mais ampla ou mais competitiva. Porque não é. Os canais de escoamento do mainstream são e serão - até que a internet seja também mainstream - os mesmos de sempre: os grandes diários, os grandes semanários, as grandes cadeias de rádio e televisão, até os grandes portais (mas, não, os sites, muito menos, as revistas on-line). Fora que, a não ser que você faça muita questão de escrever sobre Paulo Coelho, O Fantasma da Ópera (não o de Victor Hugo), Sandy & Júnior, Big Brother Brasil, Daniela Cicarelli e João Paulo II, são temas desgastados, revirados, revistos, sobre os quais a mídia alternativa não tem muita condição de produzir um novo ponto de vista (a não ser que pegue o vácuo da grande mídia, através da paródia, da caricatura, do plágio, enfim...). A vocação da "pequena" mídia é - e sempre foi - ser, justamente, uma "alternativa" (no bom sentido) ao já conhecido. Se uma revista eletrônica ficar apenas macaqueando a grande imprensa, vai ser sempre dispensável, parasitária, cópia malfeita. Eu sei que as ambições da maioria aqui, dentro e fora da internet, são de grande mídia, mas lamento informar que não é por aí. Dica número dois, que decorre da dica número um. Uma revista on-line precisa, também, se definir em relação ao leitor. Ainda mais na internet. Porque, no papel, você tem aquela velha fórmula: editorial, seção de cartas, etc. - nunca muda. Na Web, não. Na Web, a linha é cada vez mais tênue entre os colaboradores, os leitores e os leitores-colaboradores. Eu sei, até por experiência própria, que a tentação inicial é tratar o leitor como geralmente o tratam as publicações grandes: como débil mental, como coadjuvante ou como mero consumidor. Não é que você não vai lhe dar ouvidos, até vai - mas vai querer que ele fique quieto lá no seu canto, enquanto você fica, comandando o show, no seu. A maioria dos profissionais de grande imprensa (ou com mentalidade de grande imprensa) cai do cavalo - e vai continuar caindo se não mudar - quando vem para a internet. A internet não é tolerante; a internet não é condescendente; a internet não aceita tudo (como o papel, mudo, aceita). Ou, por outra (olha o Nélson aqui de novo), até aceita - mas o leitor ou visitante é impiedoso: se ele não puder participar, interagir, mandar seu recado - nem que seja minimamente - ele cai fora. Some. Desaparece. Pessoalmente, nunca fui draconiano com os leitores. Já tive Colunistas que vieram argumentar - quando eu queria publicar as manifestações dos leitores e eles, Colunistas, queriam achincalhar com essas mesmas manifestações - que certo estava o Ivan Lessa, que tripudiava em cima das cartas que chegavam à redação do Pasquim. Numa era de Código de Defesa do Consumidor, acho que, sabiamente, não levei esse argumento em consideração. Mantive o Fórum do Digestivo aberto, por alguns meses (provavelmente menos de um ano), mas voltei atrás - também porque não consigo ser Madre Teresa de Calcutá. Mas minha tendência, hoje, por incrível que pareça, é em direção à abertura. Não a abertura total; talvez uma abertura "maior". Não cheguei a uma formulação definitiva (em termos de programação). Mas acredito que o futuro são os sites colaborativos. Não sei, exatamente, como todo mundo, em que grau. Dica número três, a revista eletrônica em questão precisa decidir se vai ser literária ou jornalística. Tenho falado do nosso exemplo aqui: uma revista jornalística com pendores literários - mas acho, claro, legítimas as ambições de uma revista 100% literária ou 100% jornalística. Embora acredite mais no híbrido. Por quê? Porque objetividade (jornalística), o leitor vai procurar na imprensa impressa; e porque subjetividade (literária), o leitor vai procurar nos livros. Nosso diferencial é o mix. Já vimos que o excesso de impessoalidade (típica da grande mídia), leva o internauta-leitor à indiferença e à apatia; e vimos também que a personalização excessiva (o umbiguismo; típico dos "bloguistas"), leva o leitor ao enjôo, à repetição, à monotonia. A solução está no meio. E não só por isso. Revistas puramente literárias tendem a mandar a atualização às favas. "Que se danem, atualizamos quando tivermos vontade" - ou quando vier a inspiração. Na internet, não funciona; o leitor abandona. Fora que revistas literárias tendem a ignorar, ou minimizar, a interação ("nós somos bons - não escrevemos para a crítica, nem para o público..."). E, na contramão do ensimesmamento, ou do solipsismo, estão os jornalistas. Geralmente, respeitam a atualização e a interação, mas estão muito presos nos velhos moldes da grande mídia - e são escravos desse ente sacralizado, a notícia. Ocorre que, se o público leitor de revistas eletrônicas quisesse mesmo notícias, iria atrás dos portais ou, em última instância, ligaria a televisão (no 11 de Setembro aconteceu assim). Logo, qual é a minha receita? Uma revista com atualidades, claro, mas com abordagem autoral; portanto, uma revista de potenciais escritores, mas com algum pé no chão. Óbvio que não sou nenhum oráculo, nem ambicionaria a tanto. Mas, embora enxergue com bons olhos o novo (pequeno) boom de revistas eletrônicas, vejo muita gente entrando nessa na base do oba-oba: colaboradores (os mesmos) em dezenas de sites diferentes e discrepantes; interfaces lindas-maravilhosas, mas ininteligíveis e inatualizáveis (tamanha a arte e a produção); expectativas desmesuradas, e infundadas, de ganhar o mundo (ou até dinheiro); falta de pesquisa ou de iniciativa no sentido de se saber o que antes se fez (e funcionou). Não digo que o Digestivo é o único caminho - longe de mim -, mas gostaria que a internet brasileira avançasse e, não, retrocedesse. Louvo esse movimento, de tantos jornalistas e escritores, na direção de se construir uma alternativa real à mídia estabelecida - coisa que só se fará, consistentemente, com revistas eletrônicas -, mas tenho minhas dúvidas se a falta de memória (para com projetos, e erros, anteriores) e se a reincidente reinvenção da roda, na Web, levarão, efetivamente, a alguma coisa. 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