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Quinta-feira, 2/6/2005
O estilo blog de ser
Adriana Baggio

Deixei para preparar minha coluna para o Especial Blogs do Digestivo Cultural no meio da viagem do feriadão. Entre um passeio e outro pelas belas estradas de Santa Catarina, fui rascunhando à mão estas linhas que você está lendo agora. Maior do que a dificuldade de encontrar o ponto certo do texto, de organizar as idéias e apresentar a minha opinião, foi a falta de prática em preencher folha após folha do caderno sem a ajuda de um teclado. No final, a constatação frustrante: minhas mãos perderam o jeito e eu já não sei mais escrever direito sem computador.

Mas, afinal, o que isso tem a ver com blogs?

Uma das grandes vantagens da internet é a facilidade de produção e distribuição da informação. Depois que ela surgiu, ficou muito mais acessível encontrar ou divulgar alguma idéia, produto, serviço. À medida em que mais pessoas utilizam a internet, o mundo vai passando por modificações sociais, políticas, culturais, comportamentais. Quanto mais pessoas se "alfabetizam" já na Web, ela deixa de ser uma ferramenta e passa a determinar um estilo de vida. No entanto, para muita gente, o ambiente virtual ainda representa uma forma diferente de fazer as mesmas coisas. Eu acho que estou entre elas.

Escrever no computador e pesquisar na internet talvez sejam as duas únicas "facilidades" proporcionadas pelo acesso à tecnologia que se tornaram um estilo de vida para mim, a ponto de eu não saber como fazer essas coisas de outra maneira. No entanto, existem outras atividades para as quais a Web e a máquina representam ferramentas e não uma nova forma de desenvolvê-las. Traduzindo: são coisas que aprendi a fazer antes desses recursos existirem. Quando eles apareceram, passei a utilizá-los, mas eles não chegaram a se entranhar no meio jeito de viver. Diferente do que acontece com aqueles que já nasceram utilizando a Web e aprenderam a se relacionar com o mundo através dela. Para essas pessoas, imagino, ter um blog é muito mais natural do que para mim.

Essa foi a conclusão a que cheguei depois de me perguntar porque eu não tenho um blog. O blog é uma forma nova de fazer coisas antigas que eu acabo resolvendo da maneira tradicional.

Ou seja, ter blog tem a ver com idade? Em parte, acho que sim.

É complicado mudar hábitos e habilidades aprendidas. Utilizam-se novas ferramentas, mas o jeito de lidar com as coisas é o mesmo. Quer um exemplo? O e-mail. Sou uma heavy user de correio eletrônico, até prefiro-o ao telefone. No entanto, mantenho nesse tipo de comunicação as mesmas regras que sempre pautaram as conversas via telefone ou carta. Procuro usar uma saudação, agradecer mensagens enviadas, manter um uso correto da língua, utilizar frases completas, me despedir do interlocutor. É um comportamento comum nas comunicações e que, portanto, deveria estender-se ao e-mail. No entanto, parecem não fazer parte do código de etiqueta dos usuários mais "jovens" dessa ferramenta.

Já especulei sobre isso aqui no Digestivo e fiquei aliviada por perceber que não é paranóia minha. Não vejo como uma falta de educação ou grosseria proposital de quem é pouco cuidadoso com os e-mails. Acho que é um exemplo prático da minha hipótese: quem estabeleceu seus primeiros contatos com outras pessoas via e-mail ou messenger tem suas atitudes pautadas pelas características dessas formas de comunicação - agilidade, brevidade, superficialidade, individualidade. O que para mim é ferramenta, para eles é estilo de vida.

Mas, voltando aos blogs, eu precisaria ter nascido com eles para poder me sentir à vontade e incluí-los no meu dia-a-dia. Ou esse cotidiano precisaria ser modificado. Afinal, o que é um blog? É uma espécie de diário? Uma vitrine para tentativas literárias? Uma forma de manter os amigos a par das novidades? Um tipo de jornal ou revista? Uma fonte de informações? Acho que tudo isso e muito mais. Quanto mais pessoas "nascem" rodeadas de blogs, mais eles encontram sua função e sua dinâmica natural. Enquanto isso, muita gente da minha idade utiliza-os como novas ferramentas para coisas antigas. Outras, também contemporâneas, parecem ter ultrapassado a barreira dos hábitos aprendidos e passaram a viver de acordo com a dinâmica da Web e suas potencialidades. Como elas podem? Talvez por uma personalidade mais maleável e aberta, por facilidade de acesso e aprendizagem dessa nova linguagem, ou por um motivo bem mais prosaico: porque têm tempo.

Tempo, claro. Se você não nasce sabendo, precisa aprender. Para aprender, precisa ter contato, utilizar. E para isso, precisa de tempo. Acho que é o que me falta. Minhas horas diárias são divididas entre trabalhar, escrever, dar aulas, pesquisar, cozinhar, brincar com o cachorro, conversar e fazer muitas outras coisas por obrigação ou por lazer. A não ser que alguma delas passasse a ser realizada através de blogs, fica difícil incluí-lo no meu cotidiano.

Na verdade, preciso confessar: eu já tive um blog. Também tinha tempo livre e outras necessidades que o blog ajudava a suprir, como a vontade de escrever, de desabafar a inadaptação a uma nova cidade e de ter algo com o que me ocupar. À medida em que essas necessidades foram desaparecendo ou sendo atendidas de outras formas, o blog deixou de ser útil e foi abandonado. Ele já não era mais prioridade e minhas novas atividades não precisavam realizadas através dele. Gostaria muito de ter um blog novamente. Mas acho que só vale a pena ter um se for possível alimentá-lo, mantê-lo interessante e coerente com o que o autor espera dele (mesmo que seja apenas escrever bobagem), como alguns blogs que eu freqüento de vez em quando.

Apesar desse meu distanciamento na prática, penso que os blogs têm uma importância crescente nas relações humanas. É uma forma de "democratizar" a produção e a distribuição de informação. "Qualquer pessoa" pode ter um blog e dizer que pensa, ou ter acesso aos blogs que mostram o que outros pensam ou sabem e que nunca teriam chance de dizer se dependessem dos meios de comunicação de massa. Essa "pluralidade" informativa vai desde um texto bacana de alguém que nunca vai conseguir publicar em livro até furos de reportagem que acabam não tendo espaço no jornalismo tradicional. Coisas que as pessoas gostariam ou deveriam saber e que só chegam até elas através dos blogs.

No entanto, é importante que se considerem as aspas. Por mais que a internet e os blogs representem uma pluralidade maior de informação e opinião, ainda falta muito para serem realmente democráticos. Quantas pessoas têm acesso à tecnologia e à linguagem para chegarem a postar alguma coisa na Web? Por mais que cresça ano a ano, a internet continua restrita uma elite. Por isso, a informação que você encontra nos blogs ainda representa uma visão muito parcial de mundo, principalmente no que se refere ao nosso país. Digamos que o raio se ampliou um pouco, mas ainda está longe de abranger uma real diversidade.

Parece que mesmo quem tem uma relação bem familiar com os blogs, seja produzindo, freqüentando ou estudando, ainda não consegue enxergar ou vivenciar o fenômeno através da ótica de um novo estilo de vida. Gente que conquistou seu espaço através dos blogs ou que já tinham a reputação consolidada no papel e estenderam sua influência para a Web, tendem a se relacionar com a internet da mesma maneira que aprenderam no mundo material. É o caso dos críticos de blog. Já vi comentários indignados com a quantidade de besteiras ou informações inúteis que a popularização dos blogs ocasiona. Esses comentários parecem querer estabelecer um critério do que é ou não relevante que se publique. Dessa forma, procura-se estender para a Web o mesmo tipo de controle que existe nas publicações físicas. Um controle determinado pelo pensamento de um grupo muito pequeno, que se sente guardião intelectual da cultura só porque teve o privilégio de passar mais anos na escola - ou de ter mais reais na conta - do que a grande maioria dos brasileiros.

Blogs podem ser tão pessoais e superficiais como um diário de adolescente ou tão amplos e relevantes quanto o boletim de um bom jornalista investigativo. Mas tanto um quanto outro são partes importantes de uma mesma manifestação, que permite que um maior número de pessoas se posicione, escreva, opine, participe. Essa é uma das melhores coisas da Web. Ela modifica o eixo das relações de poder e é natural que alguns sintam-se inseguros com isso. Para reagir, surgem as tentativas de estabelecer as castas também na internet. À medida em que se renovam os personagens desse jogo, a internet vai deixando de ser um simulacro do mundo real e passa a estabelecer sua própria dinâmica.

O uso do computador, a internet, o e-mail, os blogs, baixar música e ler na Web, portanto, já fazem parte de um novo jeito de viver. Não tanto para pessoas como eu, que cresceram antes que tudo isso se tornasse acessível. Para nós, a internet é ferramenta e o blog é um recurso. Meu blog seria para substituir coisas que eu faço hoje. Meus textos do Digestivo talvez estivessem em um blog, assim como minhas aulas; as fotos e as dicas de turismo da minha viagem do feriado estariam na Web, e não organizadas em um álbum.

Já para quem nasceu convivendo com a internet, ou para quem aprendeu e assimilou rapidamente o esquema, blogs e outros produtos da Web são um estilo de vida. Esse estilo, no entanto, é muito mais do que transferir as atividades do mundo físico para a realidade virtual. Tem a ver com um espírito e uma mentalidade mais abertos, mais dispostos a conviver e a conhecer as diferenças. Nesse aspecto, os bloggers que dominam a linguagem e a tecnologia mas não conseguem perder os vícios da sociedade "real" são tão pouco íntimos da Web quanto eu, que só consigo utilizá-la como ferramenta.

Adriana Baggio
Curitiba, 2/6/2005

 

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