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Terça-feira, 14/6/2005
A voz da singularidade
Gian Danton

Corria o distante ano de 2001. Nessa época eu colaborava com os sites Esfera e Pijama Selvagem, ambos de Nemo Nox, o cara mais criativo que já conheci na internet brasileira. Em uma das trocas de e-mail ele me convidou para conhecer o Por um Punhado de Pixels. Achei que era um site estranho e não entendi muita coisa. Era um blog. Na verdade, naquele momento eu estava tendo contato com o melhor blog que já pude ler, mas não sabia o que era.

Cerca de um ano depois, uma aluna me convidou para conhecer seu blog, o Humano, Demasiado Humano (atualmente fora do ar). Foi a primeira vez que ouvi falar diretamente do assunto. "Ora professor, agora todo mundo está tendo seu blog!", dizia ela.

Uma pesquisa básica sobre o tema não me deixou uma boa impressão. Deparei-me com uma infinidade de páginas que pareciam só ter interesse para seus autores e mais um ou outro indivíduo. Os posts se limitavam a frases do tipo: "Ontem o Beto ficou de me encontrar no cinema e furou. Odeio o Beto!" ou "A Mariana comprou celular novo. Fiquei morrendo de inveja".

Já é sabido e conhecido o fascínio do brasileiro por fofoca, o que explica o sucesso de blogs desse tipo e de programas como o Big Brother, mas era aterrador imaginar que não havia inteligência na internet. Será que todos os blogueiros estariam preocupados apenas com seus umbigos, com a tinta de cabelo ou com namoricos? Nada de mais interessante ou substancial?

Felizmente meus temores eram exagerados. Logo fui descobrindo endereços que pareciam ir na contra-corrente. Seus autores estavam interessados em explorar as possibilidades do novo meio e estavam criando uma nova linguagem na internet, inclusive do ponto de vista jornalístico.

Da mesma forma que a televisão no Brasil surge do rádio e no começo tenta imitar sua linguagem, a internet surge inicialmente como uma imitação dos veículos impressos. Vide a grande quantidade de jornais e revistas com versão on-line. As pessoas que escrevem esses textos parecem, na maioria, estar usando um paradigma antigo para uma situação nova. A nova linguagem da internet, inclusive jornalística, parece estar se desenvolvendo nos blogs.

A possibilidade de interação, por exemplo, tem sido plenamente explorada. Além dos comentários, fórum óbvio de discussão dos assuntos, os posts parecem cada vez mais ser direcionados pelos estímulos que vêm dos leitores. Um manda uma poesia, outro faz um comentário, que é respondido pelo autor do blog. Temas que fazem sucesso são retomados...

A forma como a notícia é tratada pelos blogs também pode ser um parâmetro interessante. Primeiro, óbvio, a instantaneidade. O fato mal está acontecendo e os blogs já o estão noticiando. A formatação pessoal do veículo, que originalmente deveria ser um diário, faz com que blogueiros experimentem ir além da cartilha da objetividade jornalística. Textos em primeira pessoa, a interpretação em consonância com a notícia, fazem o diferencial.

Por outro lado, a grande facilidade de produção de um blog faz com que ele tenha pouco comprometimento com organizações (empresas, governos). Por essa razão, blogs têm divulgado informações que são escamoteadas pela grande imprensa, ou porque a notícia é danosa para os interesses de poderosos, ou porque ela é de interesse apenas de um pequeno grupo. Em meio à aldeia global, ressurgem as singularidades, o interesse pelo pequeno, como, por exemplo, noticiar algo que interessa a um bairro, a uma cidade, a uma classe, como a de professores.

A Amazônia, por exemplo, é uma das regiões mais comentadas, mas também das mais desconhecidas do Brasil. Os veículos que se propõe a ser porta-vozes dessa área, ou estão sobre controle de grupos de interesse, ou têm alcance geográfico segmentado, ou a vêm com olhos de colonizador, como o Globo Repórter falando que aqui não se come frutas e esquecendo que o açaí é a base da alimentação local.

O desconhecimento é tão grande que, certa vez, em uma loja em Curitiba, a vendedora insistia em tentar vender para minha esposa um casaco de couro. Eu pacientemente expliquei que morávamos em Macapá e que nunca íamos ter oportunidade de usar uma roupa como aquela em nossa cidade. A moça fez cara de quem não estava entendendo: "Mas na Amazônia faz frio como aqui em Curitiba, não faz?". Os blogs podem refletir essas realidades locais melhor do que outro veículo, pois a sua voz é a voz de quem mora e está vivendo aquela realidade, uma voz que não fica restrita a um local geográfico, mas pode se expandir na rede.

Por essa razão, minha lista de blogs, além daqueles que considero interessantes e visito semanalmente, inclui também alguns blogs de autores amazônicos, a maioria desconhecidos de leitores do sul-sudeste. É uma ótima oportunidade de conhecer, mesmo que virtualmente, a região.

Alcinéa - Alcinéa Cavalcante é de uma tradicional família de jornalista amapaenses. Seus posts falam na maioria de assuntos políticos do Amapá e da Amazônia, mas também há espaço para mensagens mais descontraídas, como as que falam da Banda, o maior bloco de sujos da Amazônia, que se desenvolveu no Amapá no vácuo dos deficientes desfiles carnavalescos.

Corrêa Neto - Trata-se de um site comandado por um dos mais polêmicos jornalistas amapaenses. Embora seja um site, traz a coluna Geléia Geral, no formato de blog, no qual Correa Neto dá suas opiniões sobre fatos que vão da política à ecologia.

Paulo Ronaldo - Blog de um poeta amapaense. Mistura poesia com listas de preços praticados em Macapá e costumes locais.

Por um Punhado de Pixels - O melhor blog no qual já pus os olhos. Visita obrigatória para quem quer conhecer blogs inteligentes, de visual limpo e eficiente.

Franco Atirador - Blog de Lúcio Manfredi, roteirista da Globo (co-autor, entre outros, da minissérie Um só Coração). Manfredi faz ótimas críticas de filmes, do ponto de vista do roteiro, e fala sobre magia do caos e psicologia junguiana.

Mude - Blog do poeta Edson Marques, que foi plagiado por Cecília Meireles, num caso único de plágio post-mortem. Explica-se: a poesia "Mude" ("Mude, mas comece devagar,/ porque a direção é mais importante/ que a velocidade./ Sente-se em outra cadeira,/ no outro lado da mesa./ Mais tarde, mude de mesa./ Quando sair,/ procure andar pelo outro lado da rua./ Depois, mude de caminho,/ ande por outras ruas,/ calmamente,/ observando com atenção/ os lugares por onde /você passa...") foi usada em um comercial da Fiat e creditada à Cecília. Como os parentes da escritora receberam direitos autorais, negam-se a admitir quem é o verdadeiro autor, apesar de todas as provas em contrário. Além de detalhes da polêmica, o blog traz ótimas poesias do autor.

Leitura Aleatória - Blog daquela aluna que primeiro me falou sobre blog, a Carol Assis. Resenhas de filmes e livros misturam-se a posts sobre literatura e música amazônica (inclusive muito rock!).

O Contador de Histórias - Blog de Paulo Zab. Além de notícias sobre cultura, traz informações curiosas, como o nome e o e-mail dos deputados de Rondônia que foram filmados pedindo propina ao governador. Também traz artigos interessantes, como um sobre o "estranho hábito amazônida" de tomar vários banhos diários.

Nota do Editor
Gian Danton ou Ivan Carlo assina hoje o blog que leva seu nome.

Gian Danton
Macapá, 14/6/2005

 

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