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Sexta-feira, 17/6/2005
De volta às férias I
Eduardo Carvalho

Voltei de viagem com sete guias novos, de Budapeste a Paris, de estilos e com objetivos diferentes: uns para os melhores restaurantes, por exemplo, e outros para não me perder no metrô de uma cidade desconhecida. É bobagem dispensar guias, achando que é melhor descobrir tudo por acaso, ou que só a ajuda dos amigos basta para nos orientar em Varsóvia, digamos. Nem o Rough Guide nem o Navigator, da Wallpaper, condenam seu passeio às obviedades mais turísticas, e depende de você, sempre, escolher a galeria mais bacana para passar uma tarde em Londres ou o melhor esqui na Áustria. E guias podem até ser um antídoto às viagens convencionais - mesmo quando as recomenda. Assim, você pode evitar a visita ao castelo de Praga e, em vez disso, ir caçar javalis no subúrbio da cidade. Os roteiros para as mesmas cidades não precisam ser nem um pouco parecidos.

Eles se ajustam, na verdade, conforme a disposição e os interesses de quem viaja. Do final de dezembro ao começo de março, praticamente livre de obrigações - a não ser em janeiro, em Oxford -, passei uma semana na Bélgica, um mês na Inglaterra, uma semana entre Madrid e Barcelona, outra em Berlim, e na última, com problema em dois vôos e no ônibus de Munique para Budapeste, fiquei quase sempre administrando reservas de passagens para e hotéis em Libiuana e Zurique. Revi cidades, descobri hotéis, fiz esporte, li bastante. Montei um roteiro meio em cima da hora, com logística incompreensível, incluindo mais de 10 vôos - além dos trens, carros, ônibus, etc. Essa estruturação espontânea e solitária da viagem me ajudou a aproveitar e perceber vários interesses, que às vezes estão confusos, abafados, quando estamos presos a lugares ou idéias desinteressantes. Mas, apesar da flexibilidade do meu programa, também não foi nada tão solitário e espontâneo assim. Na verdade, foi como se fosse várias viagens dentro de uma só - e recebi e visitei amigos em quase todos os lugares por onde passei.

O primeiro foi a Bélgica: fiquei novamente em Knokke e visitei mais uma vez Bruxelas, Genth, Brugges. A Bélgica é um dos meus três paises favoritos na Europa. Passei o réveillon em Antuérpia, no veleiro do meu amigo que, em outra época, recebeu Thatcher e Gorbachev - e depois foi palco de um assassinato misterioso, envolvendo agentes secretos, charutos e multinacionais. Não conto essa história, nem outras que, mais engraçadas, aconteceram na noite do dia 31 de dezembro, enquanto procurávamos o melhor lugar para sair. É melhor preservar o silêncio sobre certos assuntos. A descrição desta viagem, na verdade, é o resumo dos seus melhores momentos - que foram muitos, e não cabem todos aqui. Preciso escrever com pressa para citar alguns, e mesmo assim superficialmente. Eu poderia escrever páginas sobre a sensação de visitar, em Brugges, uma fábrica de chocolates funcionando, sobre todas as variedades de bombons que experimentei em seu estoque, mas precisarei escrever simplesmente isto - e ponto. Vai ser mais importante o conjunto de experiências descritas com velocidade do que mergulhar em cada uma profundamente.

Sobre a Bélgica e Oxford, na verdade, já escrevi antes duas colunas. Mas faltaram algumas coisas: como a assustadora descrição que ouvi do Congo, um país que, desde 1998, está afundado na maior guerra do mundo - um desastre maior do que o Iraque e Tsunami juntos. E, mesmo assim, seus habitantes não se desgrudam do telefone celular, enquanto vendem bananas na rua. E, na Bélgica, onde velejar é o esporte preferido, foi bacana trocar idéias sobre a volta ao mundo solitária de veleiro, uma vontade que me persegue. E que me parece cada vez mais praticável. Gosto, aliás, das comparações entre a Bélgica e a Holanda, que são parecidos de longe mas, de perto, são tão diferentes como o Brasil e a Argentina: e nem preciso dizer que, em vários aspectos, na Bélgica - na região flamenga, pelo menos - se aproveita muito melhor a vida.

E de Knokke fui, no dia 4 de janeiro, para Paris, onde passei três dias antes de ir para Oxford. Minhas expectativas com relação a Oxford - a cidade e a universidade - eram enormes. E foram todas superadas. O ambiente de uma cidade pequena, com atmosfera cosmopolita, permite que você se retire da confusão para pensar, sozinho, sobre assuntos decisivos, numa época de transição. Era o que eu precisava. E tudo acontece, em Oxford, num nível bem mais alto, muito superior a outros lugares do mundo. E o exemplo mais evidente disso é o tipo de literatura que se consome na cidade. O estilo de gente que, em outras lugares, estaria restrita ao circuito academia-loja-balada, em Oxford está lendo e anotando Longfellow, sentada no café. E quem mora em São Paulo tem dificuldade de imaginar meninas tão lindas, tão elegantes, concentradas em Maupassant. As conversas, por isso, são estimulantes, e você não se sente um alienígena porque está lendo Evelyn Waugh. Num papo com amigos no bar do Oriel College - onde estudou, aliás, Sir Walter Raleigh -, os assuntos estavam tão variados e às vezes eruditos (Shakespeare, Segunda Guerra, Ruanda, aviões, etc.), que já imaginei alguém inconveniente quebrando o ritmo e dizendo: "Ai, gente, que papo chato! Vamos falar de coisas mais legais!" - como costuma acontecer em São Paulo, por exemplo.

E passei mais de um mês em Oxford numa rotina deliciosa. Neste período, fiz três descobertas literárias maravilhosas: Evelyn Waugh, Henry James e Samuel Johnson. Aprendi sobre a Inglaterra, suas tradições e excentricidades, com Waugh. Henry James me ajudou a entender melhor as mulheres - e a separar as que merecem das que não merecem ser entendidas. E Samuel Johnson explica o mundo e a vida com uma simplicidade, com tanta clareza, que fica bem mais fácil e agradável viver depois de ler os seus ensaios. Combinei essas leituras com meu interesse por novos negócios. Assisti aulas de finanças e contabilidade na Said Business School e fui a um seminário de angel e venture capitalists num centro de empreendedorismo em Oxfordshire. No meio tempo, freqüentei provavelmente todos os cafés da cidade, o parque, o cinema, os museus, as livrarias. E acabei fazendo várias comparações entre Oxford e Cambridge - que é mais calma, mais countryside -, onde estive, por dois meses, há uns oito anos.

E foi bom também visitar Londres nos finais de semana. É curioso como a London School of Economics, em vários aspectos, se parece com a Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, onde estudei - mas na FGV fazem falta a quadra de squash e a biblioteca projetada por Norman Foster. Atravessando a rua, quase em frente à LSE fica o headquarter da BBC World, que presta serviço de notícias em mais de 30 línguas, e é onde trabalham Ivan Lessa e Rafael Gomes (ou Arcano9, para os leitores do Digestivo). Um tour pela BBC - por onde passaram, entre vários, George Orwell e Vinicius de Moraes - é praticamente uma volta ao mundo. Londres, aliás, é incomparável para comidas exóticas - como um suco tailandês gelado de feijão. E é fascinante para fine arts: é na National Galley que está exposto um dos meus quadros preferidos, que até usei para ilustrar uma coluna; e a coleção de tempestades de Thurner, na Tate Gallery, é sempre marcante.

Não sei direito se gosto ou não gosto de Londres. É uma sensação parecida com a que sinto por São Paulo. Acho que Londres também é uma cidade que varia entre extremos. Pode ser encantadora ou entediante, dependendo do tempo ou do bairro, da companhia ou do restaurante. Claro que isso acontece em todos os lugares, em Viena ou em Cairo, mas acho que essa diferença é mais forte, mais evidente em Londres - onde se encontra o melhor e o pior de tudo, mas escondido. A cidade mais óbvia, aberta aos turistas e iniciantes, é entediante. E a rua e o metro estão lotados do que, em bom português, a gente chama de white trash, um conceito que muitos brasileiros deveriam aprender antes de sair de casa. É patético ver estudantes brasileiros na Inglaterra imitando esse estilo. Aprendi bastante sobre o assunto, aliás, em Warwik, onde passei um fim de semana com outro Rafael, o Azevedo.

A Universidade de Warwick atrai vários alunos ingleses tipo FAAP, e é exemplo, hoje, de uma universidade inglesa bem administrada - atraindo vários alunos internacionais. A cidade ao lado, Coventry, onde moram a maioria dos alunos, foi um dia o pólo de produção da Jaguar e da Land Rover, mas agora é triste, decadente. Warwick mesmo, porém, compensa a visita: eu já tinha ido no castelo, mas aproveitei e visitei, à noite, o centro histórico, quando estava vazio - e fiquei com uma impressão de um ambiente tranqüilo, simpático, com um aspecto quase medieval. Foi bacana escolher entre os seus bares depois de assistir ao coral na catedral da cidade.

Meu circuito Oxford-Londres se encerrou no começo de fevereiro. Antes disso, fui a concertos de Mozart e Shostakovsky, no Barbican e no Festival Hall, como uma espécie de despedida da cidade. Para pegar o avião e, da Inglaterra, voar para Madri. Comecei na Espanha esta terceira fase da viagem - depois do réveillon entre França e Bélgica e, depois, a temporada em Oxford. Foi uma viagem acelerada. Mas bem diferente do espírito backpacker, que é o menos recomendável para se viajar na Europa. Escrevo sobre Madri, Barcelona, Berlim, Munique, Budapeste e Zurique, portanto, na próxima coluna.

Eduardo Carvalho
São Paulo, 17/6/2005

 

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