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Quarta-feira, 15/6/2005 Blogo, logo existo Alexandre Inagaki Enquanto dicionários como o Aurélio e o Houaiss perdem terreno para a Wikipedia por não terem criado ainda um verbete para a palavra blog, deixo aqui a minha definição: blog é um site regularmente atualizado, cujos posts (entradas compostas por textos, fotos, ilustrações, links) são armazenados em ordem cronologicamente inversa, com as atualizações mais recentes no topo da página. Criados com o auxílio de ferramentas de publicação como Blogger e Movable Type, blogs são páginas dinâmicas e democráticas - qualquer internauta razoavelmente alfabetizado é capaz de criar o seu. Podem ser espaço para observações do cotidiano, mural de recados, laboratório de experimentações literárias, depósito de links curiosos, relicário de agruras sentimentais, diário de viagem ou tudo isso ao mesmo tempo agora. Tamanha facilidade de publicação não passa impune: segundo o Technorati, há mais de 10 milhões de blogs. É de se pensar: quem lê tanta gente? Há quem diga que blogs são como escritos dentro de garrafas jogadas no mar, que bóiam pela Web em busca de poucos e raros destinatários; não é bem assim. Graças à comunicação feita por links e comentários deixados em outros blogs, estas garrafas virtuais coligam-se em comunidades, amealhando leitores de modo similar ao fenômeno boca-a-boca que transforma filmes obscuros em sucessos cult. Quem escreve em um blog em geral o faz com uma linguagem informal, descompromissada, não raro pontuada por erros de grafia que denunciam a urgência com que o internauta escreve seu texto, como rascunhos que já nascem com caráter definitivo. Do comando do cérebro ao ato dos dedos digitando no teclado, palavras borbotam e - click! - desembocam direto para a tela. Na Internet, prevalece a cultura do imediato: teias de aranha virtuais cobrem um site se este não é atualizado pelo enorme intervalo de. um dia. Repare: toda vez que um novo texto é publicado, os anteriores deixam de receber novos comentários. Na blogosfera, mais do que nunca prevalece a cultura do imediato: o post está morto, viva o novo post! Em nome da velocidade no carregamento do site, não mais que dez artigos são publicados na página inicial, enquanto os anteriores são empurrados para o quartinho dos fundos. Pergunto: quantos gatos pingados possuem o hábito recorrente de vasculhar os arquivos de um blog? Em precisa analogia, o escritor goiano Nelson Moraes compara os blogs a palimpsestos - "pergaminhos de couro utilizados por monges da Idade Média para registrar textos e gravuras, que de tempos em tempos eram lavados a fim de remover a tinta e gravar novos manuscritos que iam sendo sobrepostos aos anteriores". Ao contrário dos textos impressos, transportáveis para qualquer local e lidos a qualquer hora, o prazo de validade de um post é o tempo no qual é exibido na homepage. Depois, torna-se jornal virtual a embrulhar peixes cibernéticos precocemente envelhecidos, folheados por uma massa restrita de leitores. Em meio a tanta fugacidade, há no entanto aqueles que usam os blogs como escoadouro de toda uma produção literária represada. O que antes jazia em fundos de gaveta agora é compartilhado com um clique de mouse. É óbvio que toda essa facilidade de publicação possui dois gumes - há na Web muita literatice constrangedoramente capenga, assim como é possível garimpar autores preciosos que recorrem à interface do blog da mesma maneira que outras gerações criavam fanzines xerocados a fim de divulgar seus escritos. O blogueiro entra nessa história como um daqueles comediantes novatos que sobem em um palco tal qual no stand-up comedy notabilizado por nomes como Jerry Seinfeld. Despido de cenografia, dá a cara pra bater: ao narrar "causos" autobiográficos ou piadas de próprio punho, arrisca-se a receber apupos ou a indiferença de sua platéia, traduzida na ausência de comentários ou na estagnação das estatísticas de seu contador de acessos. Em contrapartida, há aqueles que graças aos blogs tornaram seus nomes conhecidos e foram acolhidos pelo mercado editorial brasileiro, como João Paulo Cuenca, Daniela Abade e Clarah Averbuck. É preciso falar ainda da crescente influência da blogosfera como meio livre de circulação de informações, tornando-se uma espécie de ombudsman coletivo da grande imprensa em geral. É inevitável citar o caso da demissão do âncora da rede de TV CBS Dan Rather, por ter coordenado a produção de uma reportagem sobre o passado militar do presidente George W. Bush feita com base em documentos falsos, em denúncia feita pelo blog Power Line. Em países sob regimes ditatoriais, como Irã, China e Coréia do Norte, a blogosfera ganha mais relevância ainda, tornando-se fonte alternativa de informação - representativa a ponto de sofrer severas repressões. O Committee to Protect Bloggers, no ar desde janeiro de 2005, foi criado com o objetivo de denunciar os casos de blogueiros presos simplesmente por publicarem em suas páginas notícias e idéias incômodas a certos governantes. É o caso do Irã, nação que mandou para a cadeia mais de 20 blogueiros no ano passado e que ainda mantém sob detenção Mohamad Reza Nasab Abdolahi e Motjaba Saminejad. No entanto, apesar da severa repressão, o processo de popularidade dos blogs entre os jovens iranianos (existem mais de 65.000 blogs em farsi, o dialeto persa) parece ser irrefreável, especialmente entre as mulheres, que vêem neles uma oportunidade rara de externar suas idéias e sentimentos. Outro aspecto importante: a fim de estabelecer contato com o mundo, muitos iranianos optam por escrever em inglês (vide este diretório), oferecendo a internautas de outros países a oportunidade de conhecer aspectos do cotidiano de um país no qual jovens correm o risco de serem presos por irem a uma festa ou caminhar ao lado de um amigo do sexo oposto. Ao final deste artigo, não posso deixar de reiterar aqueles que, a meu ver, são os aspectos mais positivos de um blog: o fomento de debates em tempo real, o estímulo à comunicação de idéias, a democratização da publicação de conteúdo na Web, e, principalmente, a liberdade de expressão. A pedido do editor, indico a seguir dez blogs que merecem sua visita por reunirem, indiscutivelmente, textos afiados e apurados, além servirem como uma breve, porém significativa amostra da riqueza e da pluralidade de visões que pode ser encontrada na Web tupiniquim: Ao Mirante, Nelson (Nelson Moraes), O Biscoito Fino e a Massa (Idelber Avelar), Na Cara do Gol (Rafael Lima), Código Aberto (Carlos Castilho), Discoteca Básica (Ricardo Schott), Filmes do Chico (Chico Fireman), Marina W, Nóvoa em Folha (Maria Helena Nóvoa & Christiana Nóvoa), Puragoiaba (Ruy Goiaba) e Rafael Galvão. Versão remixada e remasterizada de artigo publicado originalmente no Correio Braziliense em 30 de janeiro de 2005. Nota do Editor Texto reproduzido aqui com autorização do autor, que também assina o blog Pensar Enlouquece, Pense Nisso. Alexandre Inagaki |
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