|
Quarta-feira, 22/6/2005 Páginas do Diário de Um Leitor Ricardo de Mattos O leitor que perdoe minhas maneiras folgadas, mas eu não esperava esta pausa. Desde abril envolvido num projeto profissional, com dedicação praticamente exclusiva, descubro na semana passada que não há previsão de prazo para entrega dos trabalhos. É certo que o tempo mais largo permite-me concluir sem pressa o que falta e aperfeiçoar o que já aprontei. Se eu soubesse antes da demora, não teria largado leituras e textos. Nem posso retomar o que parei, pois logo adiante precisaria interromper novamente. Agora, contudo, quero aproveitar para trocar as botinas pelos chinelos que eu pensei que a faxineira houvesse jogado fora, folgar o cinto e acender o cachimbo com meu tabaco favorito, que já está no fim e não encontro mais para comprar. Sans Souci. Pronuncio à francesa: "san sucí". Vendedores diversos pronunciam de modos diversos: "tchan tchouci", "saint tchouçai", etc. Vendedores deixam a desejar. Fugi uma noite para a única livraria de porte momentaneamente restante em Taubaté. Escolhi o recente Os Livros e Os Dias, do excelente Alberto Manguel, e distraía-me olhando sem pressa as lombadas. Folheava o Homem Chavão para ver do que se tratava quando fui abordado pelo vendedor. Queria saber se eu havia lido o novo livro do Jô Soares. Se eu conhecia algum. O que eu achava. Começou a desfiar comentários e comparações. Num primeiro momento, por educação, comentei entre dentes que já tinha visto uma resenha. Não adiantou. Antes que ele enveredasse pelo livro do Jean Willis, cortei: levo este aqui, você confirma o preço para mim? Quando soube do teor d'Os Livros e Os Dias, desejei comprá-lo imediatamente. Durante um ano, Manguel releu doze de seus livros favoritos, um por mês. Com o tal projeto em andamento, preciso fazer o mesmo com a leitura "não profissional". Ler é rezar, e não se tem uma "oração profissional". O que se faz em determinadas situações é concentrar os pedidos a este padroeiro em vez daquele. Contudo, ler um livro de cada vez permite-me aproveitá-lo sem ansiedade e com maior desfrute. Posso estar enganado, mas este é um dos maiores motivos pelos quais lemos. É algo a se observar quando a atual fase passar. O número diminui muito, é certo. Metade do ano já passou e tenho pouco mais de vinte títulos na lista que resolvi fazer. Revendo-a, porém, não fui surpreendido: eu li este livro!? Permitimo-nos ser vítimas da volúpia geral. Leia-se isto, leia-se aquilo, é imprescindível que o interessado conheça a mais recente descoberta sobre tal assunto, a obra de tal autor é obrigatória. Logo na adolescência aprendi a interromper a leitura duma coluna, escrita por quem quer que fosse, assim que deparasse com a recomendação duma obra como obrigatória. Não se deve tocar neste assunto antes de ler certo título, sua educação é falha se você ainda não leu a totalidade da obra de Nelson Rodrigues e seus exegetas todos. Por que a pressa? Depois que se retirou da vida pública é que Montaigne escreveu Os Ensaios. Manguel, falando sobre A Invenção de Morel do argentino Bioy Casares, repara na inexistência de uma tradução da obra para o inglês. Diz-se surpreendido com a ignorância do leitor de língua inglesa. Então que ele não se detenha na do leitor de língua portuguesa, sob pena de desânimo e abandono da escrita. O único título aparentemente familiar ao público brasileiro em geral seria Memórias Póstumas de Brás Cubas. Se fiquei impressionado com o que ainda me falta ler, estou convencido da necessidade de manter o ritmo. Não se trata dum livro de crítica literária. Aproximo-o d'A Louca da Casa, de Rosa Montero: juntos na prateleira, não brigam. Pelo visto, as resenhas que mo indicaram não foram além do primeiro capítulo. Há observações políticas, históricas e pessoais, paralelos com outras leituras, memórias. Há descrição do começo de vida do autor na nova casa numa aldeia ao sul da França. Cicerus disse em algum lugar que quem possui uma biblioteca e um jardim é senhor dum reino, e Manguel mostra conquistar o seu. Por coincidência, arrumei Os Livros... na estante e dias depois ganhei Contos de Horror do Século XIX, organizado pelo mesmo escritor. Ontem, antes de dormir, eu lia um conto do espanhol Alarcón, cuja obra mais famosa é O Chapéu de Três Bicos. Leitura com efeitos especiais. Perto da meia-noite uma coruja piou no quintal até a cachorrada, começar a latir e uivar. Como se diz por aqui, se fosse planejado não teria dado certo. Sem ser aficionado, dou atenção ao gênero. Passado o efeito desta leitura, pretendo encerrar um "causo" de assombração quase pronto. Vinculei Allan Poe definitivamente a Vincent Price, cujos filmes assisti com extrema simpatia e ando sentindo falta. Foi curioso notar na antologia nomes nunca associados ao tema: Eça de Queirós, Joseph Conrad, Jack London, Jules Verne e até um primo de Tolstoi. Não faltou A Volta do Parafuso, mas ficará por último. O norte-americano Ambrose Bierce eu já conhecia de outro volume, o Homens Lobos e Lobisomens - As Histórias Mais Fascinantes. Ele não devia gostar muito de panteras, pois nas duas histórias de sua autoria que eu conheço elas são responsáveis por algum mal. Se há contos indiferentes ao horror, há um decepcionante. Trata-se d'A Fera, de Conrad, cujo navio assassino, sinto muito, não convence. Estou de olho em dois outros livros: Clássicos do Sobrenatural - vários autores - e Historias Sobrenaturais, de Rudyard Kipling. Para ir além Ricardo de Mattos |
|
|