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Sexta-feira, 22/7/2005 De volta às férias II Eduardo Carvalho Dividi minhas férias, de janeiro e fevereiro, em duas partes: a primeira, que passei principalmente em Oxford, mais dedicada a pesquisas e à literatura, dentro e fora de salas de aula; e a segunda, em fevereiro, que passei pulando de cidade em cidade, em vários meios de transporte e com muitas companhias. Sai do Brasil sozinho, como já havia feito, antes, com direção a destinos menos convencionais. E sai de Londres, no começo de fevereiro, talvez mais sozinho do que havia deixado o Brasil em dezembro: porque Oxford e, em seguida, Londres estavam agradáveis, amigáveis, e tinham me feito sentir praticamente - ou temporariamente, pelo menos - em casa. Havia ainda muita coisa para conhecer em Oxford, que descobrirei depois; e estava com excelentes companhias em Londres, onde rapidamente estabeleci uma rotina que foi difícil abandonar. Mas eu precisava deixar a Inglaterra e continuar a minha viagem - mesmo sem saber exatamente para onde. Escolhi a Espanha como primeiro destino simplesmente porque nunca tinha ido para a Espanha - e por nada mais especial. Minha primeira impressão, quando pousei em Madri, é a de que estava em Marrocos, ou - para ser preciso - geograficamente fora da Europa. Aos poucos, essa sensação foi desaparecendo, não sei se porque freqüentei ambientes mais educados ou se me acostumei com o lugar. Devo ter me acostumado: até porque o estilo que é considerado cosmopolita na Espanha é parecido com o que se imita aqui em São Paulo. Andei muito em Madri - principalmente por Salamanca. Entrei em lugares escondidos, de restaurantes cool a bares universitários. Só que o que mais me marcou - apesar de eu, às vezes, escapar de museus em viagens - foi a coleção da Galeria Thyssen. Pensei que o Prado - com Goya, Velásquez, etc. - fosse me encantar mais: mas eu nunca tinha ficado tão deslumbrado antes em uma galeria. Meu gosto simples para artes plásticas estava totalmente satisfeito com o veleiro de Edward Hopper, por exemplo. Nem precisava da exposição temporária do Brucke que estava acontecendo lá - e que gerou, depois, bastante assunto para conversas em Berlim. Em Barcelona, dispensei quase todos os museus, galerias, etc. A gente sabe, tem o Picasso e o Miró, mas meu tempo estava curto para isso: eu precisava andar de avião no Parque de Diversões e, à noite, me alimentar bem. O Cinc Gats é famoso em Barcelona, porque um dia, há quase cem anos, foi ponto de encontros de Picasso, Cocteau, etc. Mas o clima e a comida desapontam, apesar de continuar reduto dos turistas mais bem informados. Fui jantar razoavelmente bem no Speak Ease - uma espécie de Gero local -, o restaurante do bar Dry Martini, considerado um dos melhores do mundo e especializado, óbvio, no drinque do James Bond. O concinillo mereceu nota 7,2 - que subiu por causa da combinação com o vinho que me recomendaram, impecável. Mas fui comer bem mesmo, acredite, em Praga, onde o ritmo gastronômico foi acelerado. De Barcelona, então, fui para Berlim - que estava congelando, em fevereiro. Encontrei um amigo e fomos de trem, no dia seguinte, para Praga. A cidade é a mais aberta e amigável entre as capitais das antigas províncias soviéticas. Foi a primeira a se abrir ao Ocidente e a entrar na moda. Há anos Praga está no roteiro de turismo mainstream dos europeus. Hoje, os mais antenados estão abrindo território em Moscou, Tallin, Riga, Beirute, Libjuana. Praga é tipo uma Trancoso européria: não é mais assim alternativa, você não vai mais ser único a ter ido para lá, mas só os atrasados - que são muitos (americanos e eurotrashes, principalmente) - vão com esse espírito. A Filarmônica de Praga é competente. E você almoça e janta deliciosamente: um cabrito no Café Flambé, um coelho no Hergetova Cihélna, ou uma dúzia de ostras no Bazzar, que há pouco tempo foi considerado um dos ambientes mais cool do mundo. E ainda há o castelo, o rio, as pontes e a neve, que à noite, no inverno - quando a cidade está vazia - formam o ambiente autêntico de um conto de fadas. Praga é pequena e provinciana assim como Berlim, ao contrário, é ampla e cosmopolita. A cidade está espalhada em vários centros, e todos eles são freqüentados por um público variado e atualizado - como Mitte e Charlottenburg. Berlim parece ser, em alguns aspectos, o centro do mundo, se não for mesmo: e nem preciso comentar temas como música e literatura, que estão presentes nos melhores ambientes da cidade. Foi prático, claro, me hospedar no Funk Hotel, na Fasanenstrasse, que funciona no charmoso apartamento em que morou, nos anos 20, a atriz Asta Nielsen - e que preserva a decoração Art Nouveau da época. Passeei muito de bicicleta pela cidade, guiado por amigos que moram lá, e me abastecendo no Eisntein Café - que recomendo, aliás, especialmente o original, ao lado da embaixada americana. O documentário que assisti sobre a vida de Kubrick, no cinema da Universidade, me estimulou ainda mais a assistir Barry Lindon. E o que é interessante: essa turba de alemães médios, bêbada em Ibiza e Canários, é aparentemente parecida com os mais finos, mas a diferença - que é essencial - é gigante. Existe em Berlim um pessoal culto, elegante, que combina, digamos assim, os modos franceses e a cultura inglesa, e os enquadra num método germânico - e o resultado está longe do estereótipo que se fazem deles. Dizem que Berlim é o seguinte: imagine Paris civilizada. Uma noite na Filarmônica seguida por um jantar no Wintergarten im Literaturhaus faz tudo parecer menor. É uma fraqueza minha, confesso, mas ainda fico deslumbrado com mulheres lindas que conseguem conversar sobre Proust sem ser pentelhas. Não são poucas, acredite. Não, pelo menos, em Berlim. Mas precisei infelizmente sair correndo de lá, para conhecer Munique, esquiar na divisa com a Áustria, entre castelos que inspiraram Walt Disney, e depois cair numa roubada previsível: pegar um ônibus de Munique a Budapeste, atravessando a madrugada - ao lado de um gordo em ebulição. Fiquei em Peste, conheci Buda, e - como o personagem de Budapeste, de Chico Buarque - acabei estendendo meus planos na cidade porque meu avião falhou. Não foi ruim a noite à beira do Danúbio, com vista para os castelos da cidade, no hotel em que engraxei minha botina para seguir, na manhã seguinte, para Zurique. Um café no bar da Universidade, no topo da cidade, foi o suficiente para me convencer de que tenho que voltar para a Suíça com mais calma, talvez no próximo inverno, pelo menos para esquiar no Riders Palace. A escala na Suíça foi curta e, na manhã seguinte, eu estava em Paris. Para encerrar uma viagem completa: que passou do porto de Antuérpia ao Dinner Room do Oriel College, em Oxford; de um cinema obscuro em Paris a peregrinações noturnas por Londres; de eventos sobre venture capital a exposição de pedras e joalheiros em Munique; de uma overdose de TGV, entre Londres e Paris, à insônia viajando de ônibus, no interior da Hungria; de uma tarde perdido no meio da Bavária, sozinho, passeando por um centro de Olimpíadas de Inverno desativado, à leitura em êxtase de Henry James numa praça de Madri; de cervejas e tapas em Toledo, desacompanhado, a um passeio pelo Zoológico de Berlim, muito bem acompanhado; de papos toscos, com gente desinteressante, em bares de americanos em Praga, a conversas sofisticadas sobre a personalidade ingênua de Isabel Alrem; de aula avançada sobre precificação de ações alternativas ao maravilhoso clima de Natal em Ghent; do globo da biblioteca do Queen's College, em Oxford, que apenas a rainha pode girar, a um fliperama vazio na periferia de Budapeste. Para terminar meu trajeto na Feira de Agropecuária de Paris. E tirar uma foto com o maior boi do mundo - uma das cinco ou seis que eu touxe para casa. As melhores imagens e situações - que não aparecem em fotografias - eu prefiro guardar com mais cuidado, num lugar em que elas não se perdem nem se desgastam com o tempo: e em que andarão comigo, para sempre, e para todos os lugares do mundo, como se estivessem aqui, no meu bolso da minha camisa. Eduardo Carvalho |
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