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Terça-feira, 16/8/2005
De fato e de ficção
Fabio Silvestre Cardoso

Está na revista inglesa The Spectator da primeira semana de julho, ainda antes dos atentados terroristas de Londres. A propósito do lançamento do blockbuster A Guerra dos Mundos o crítico Mark Steyn escreve: "Em tempos interessantes, Hollywood faz filmes sobre nada". Em linhas gerais, e guardadas as devidas proporções, é o que pode ser dito a propósito do livro Fora de Controle - a dramática trajetória do vôo 800 da TWA (Ed. Landscape, 443 págs.), assinada por Nelson DeMille. Isso porque o livro explora os indícios suspeitos da explosão da aeronave que carregava 230 passageiros de Nova Iorque para Paris, em 1996. A princípio, como a própria introdução indica, há a expectativa de que a obra irá utilizar como matéria-prima o tema fundamental do noticiário internacional, o terrorismo. Contudo, o leitor é logo surpreendido por uma narrativa que investe na teoria da conspiração em boa parte dos 54 capítulos. Em outras palavras, o romance fica aquém do esperado porque se perde nas investigações internas, nas minúcias, nos arquivos, em vez de descobrir quem foi que perpetrou o ataque à aeronave.

Mas antes de falar acerca do livro em si, cabe dizer que romances sobre espionagem, terrorismo e complôs internacionais precedem a atual balança de poder na Ordem Internacional. Arrisco aqui na seara do escritor Luis Eduardo Matta, colunista deste Digestivo, que, melhor do que eu, sabe quais são as principais obras do gênero, assim como os melhores escritores, dentre os quais figuram Robert Lundlum (O círculo Matarese, A identidade Bourne) e Tom Clancy (A sombra de todos os medos). A rigor, são histórias que exploram os principais temas internacionais - no passado, a Guerra Fria e a Espionagem; hoje, o Terrorismo Internacional - e criam uma estrutura própria dentro de seus romances. A verossimilhança é tal que os leitores chegam a confundir realidade com a ficção, tomando emprestado a lógica de alguns romances para explicar o contexto em que se vive. Tudo isso aliado a uma técnica que prende o leitor do começo ao fim do livro. Grosso modo, são esses elementos que explicam o sucesso desse gênero junto ao público. Em Fora de Controle, Nelson DeMille é (parcialmente) bem sucedido em apenas metade dessa tarefa - na tática estilística -, o que torna o livro muito irregular.

No primeiro capítulo, DeMille leva o leitor a momentos antes da explosão. Até aí, nada de novo. O curioso é o pano de fundo escolhido para isso. Sexo extraconjugal. Um casal se esquiva à beira do lago para manter relações impróprias. Para apimentar a cena, decidem gravar o que fazem. Enquanto isso, porém, o inesperado acontece: um feixe de luz atravessa o céu e, instantes depois, um avião explode. O casal se veste e, rapidamente, foge em direção ao hotel. Eles não viram, mas gravaram a explosão. No carro, vêem a gravação e ficam em dúvida com o que fazer com a fita. O capítulo termina sem que nem as personagens saibam o que será da fita quanto menos os leitores. Como nos filmes, o capítulo seguinte corta para 2001, nos arredores do local da explosão. E o casal que aparece como protagonista tem John Corey, um ex-detetive da cidade de Nova Iorque, e Kate Mayfeld, que é agente do FBI. Ambos participam da cerimônia simbólica em memória aos que morreram na explosão do avião da TWA. É aqui que o leitor descobre. A versão oficial diz que o ocorrido não passou de um trágico acidente, provocado por uma pane na aeronave. Obviamente que a explicação oficial possui um sem número de desconfiados. Tanto é assim que um documentário na TV não descarta a hipótese de um atentado terrorista, levando a sério a existência de um míssil que possa ter abatido o avião. Ainda assim, são hipóteses conspiratórias que não atiçam o interesse geral.

A situação muda, no entanto, justamente durante a cerimônia. Interpelado por um outro agente, John Corey suspeita de que algo não procede com a versão oficial, muito embora ele não tenha trabalhado no caso à época. O círculo que vai acender de vez os ânimos se fecha quando a agente Kate Mayfeld conduz o marido para as pontas soltas na investigação. É assim que começa o desenvolvimento da história e, não por acaso, os problemas do livro.

De fato, até aqui o autor conduz a narrativa numa linha que mescla mistério ao benefício da dúvida, fazendo com que o leitor se questione juntamente com a personagem do ex-detetive John Corey. Entretanto, Nelson DeMille, em vez de apostar na investigação de grupos terroristas, prefere que seu protagonista prove os indícios do ataque. Na verdade, trata-se de um erro na concepção da obra, pois, como se lê, ela quer provar que "apenas" que houve um ataque e que isso foi escondido pelas autoridades norte-americanas. Nada mais. Não interessa, portanto, se foi obra de Osama Bin Laden, que chega a ser mencionado na história, ou de outro grupo terrorista. Eis uma das razões porque a obra não se sustenta.

Afora isso, o autor gasta tempo demais no aspecto descritivo dos fatos, sobretudo nos capítulos iniciais, quando não há qualquer tipo de movimentação ou tensão, elementos que garantem a fixação do leitor. A propósito, em dado momento, o único motivo que leva o leitor adiante nas páginas é a esperança de que a ação chegará logo e que o jogo de "gato e rato" vai ceder espaço à perseguição. Para o bem e para o mal, o autor não atende a essa expectativa do público e prossegue com uma narrativa que não surpreende os leitores; antes, permanece no campo estável do embate mental entre o ex-detetive e suas fontes, que teimam, para desespero de todos, em ser mais vagos do que os depoentes das CPIs no Brasil (a comparação é inevitável; perdoem-me, Leitores), com diálogos fracos, metáforas que se pretendem engraçadas e uma lógica para lá de estreita para um personagem que quer se destacar pelo raciocínio e não pela força. Em tempo, John Corey quer ser um modelo ideal, mesclando os dois estilos, mas sequer passa da média dos heróis do gênero policial.

De certa forma, Fora de Controle endossa não só a teoria do crítico Mark Steyn, mas também confirma aquilo que todos já suspeitavam. Os Estados Unidos ainda não conseguiram superar o medo dos atentados terroristas. Tanto é assim que as obras de ficção, que sempre foram uma extensão da política norte-americana (vide filmes como Nova York Sitiada e a série 24 Horas), produzem agora obras que fogem da temática principal (no caso, o terrorismo) e enveredam pela válvula de escape: a teoria da conspiração interna. E a ficção, que um dia se confundiu com a realidade, está cada vez mais distante do verossímil.

Para ir além





Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 16/8/2005

 

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