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Sexta-feira, 23/9/2005
Feedback
Julio Daio Borges

Entre os muitos trabalhos de um editor que nunca aparecem, estão os feedbacks. A cada texto publicado no Digestivo Cultural, por exemplo, corresponde um ou mais feedbacks. Em teoria, se você dirige uma publicação, tem de apontar os caminhos para as pessoas que escrevem - tem de, pelo menos, dizer se elas estão erradas ou certas, a cada matéria. Não adianta, depois, você dizer que a orquestra foi prum lado e que o solista foi pro outro - se você não fez o seu papel de maestro. Mas é um trabalho que não aparece; porque no Digestivo Cultural, por exemplo, você não lê os meus feedbacks - você apenas lê os textos e pode concluir talvez, indiretamente, por eles, que existe uma amarração interna (ou uma tentativa de...).

Do mesmo jeito, numa empresa. Hoje, eu tento ser um bom "chefe", no sentido de dizer às pessoas sinceramente o que penso do trabalho delas - mas sei, por experiência própria, que isso raramente acontece. Em geral, as pessoas deixam os feedbacks se acumularem e dão um feedback negativo de uma vez - em forma de bronca; o feedback positivo fica subentendido na falta de qualquer outro feedback. Por exemplo: no meu primeiro estágio numa empresa, logo nas primeiras semanas, recebi um feedback do dono, dando conta de que o meu chefe, na época, estava muito impressionado com o meu empenho (feedback positivo); quase um ano depois, em compensação, voltei de uma semana de provas na faculdade e fiquei sabendo - por esse mesmo dono - que eu deveria procurar outro estágio, pois não estavam contentes com o meu desempenho (feedback negativo). Ou seja: entre o feedback positivo e o negativo, passaram-se quase doze meses e - salvo alguns "humpfs", outras interjeições e outros muxoxos - eu não tive nenhuma indicação, objetiva, de que estava à beira da dispensa.

Já no meu primeiro emprego, eu uma vez recebi um "alerta" porque, segundo o meu chefe direto, eu estava "lendo muito jornal" (o alerta vinha do chefe do meu chefe). Depois, passados alguns meses, quando eu pedi para sair - porque havia recebido a oferta de outro emprego -, ouvi do chefe do chefe do meu chefe (o superintendente) que eu era muito elogiado e que eles (os chefes todos) lamentavam muito a minha saída naquele momento... Ou seja: mesmo sabendo que esse feedback positivo não mudaria em nada a minha decisão, de sair da empresa, eu gostaria de ter tido outros feedbacks no meio do caminho (entre o do jornal e o do elogio repentino).

E no meu segundo emprego, eu tive basicamente dois chefes: um, bastante sênior, que acompanhava marginalmente o meu trabalho e achava tudo uma maravilha; e outro, muito júnior, que usava a técnica do morde-e-assopra: premiava seus funcionários com muitas "chicotadas" no dia-a-dia, fazia piadinhas depreciativas e anunciava aos berros, para o departamento inteiro, quando alguém ameaçava tirar férias (e, ah, promovia aumentos em situações extremas, sempre que um subordinado ameaçava enlouquecer). Eu, naturalmente, adorava o chefe sênior e detestava o chefe júnior. Quando o sênior se mandou, eu e meus colegas ficamos lamentando, pelos anos subseqüentes, a sua saída; enquanto que falamos com pesar, até hoje, sobre o comportamento do chefe júnior, como se fosse uma época de bastante sofrimento (embora houvesse, claro, algumas recompensas). Ou seja: por que os dois extremos em uma mesma empresa? E por que o famoso RH não tomava nenhuma providência?

No Digestivo, como chefe, eu já sofri dando e recebendo feedbacks. No início, dava feedbacks mais gerais (e broncas genéricas também); concluí, depois de um tempo, que não dava certo. Parti então para feedbacks pessoais, e quase nenhuma mensagem em caráter genérico - funcionou bem, embora consumisse muito mais tempo, fosse mais trabalhoso e árduo (principalmente quando eu tinha de chamar a atenção de alguém). Hoje, com o Digestivo crescendo, e eu assumindo outras funções que não a de editor apenas, me vejo procurando o meio-termo. Lógico que, em qualquer situação, as pessoas preferem ser tratadas individualmente, mas do mesmo modo que os colaboradores de uma empresa exigem special treatment, eu descobri, a duras penas, que, mais do que eles, quem exige isso são os clientes...

Um "cliente" que não parece muito evidente para quem pensa no Digestivo Cultural é o Leitor. Como todo autor jovem estreando na profissão, no começo eu mandei uma banana para o Leitor. Escrevia, respondia, até discutia, mas não estava muito preocupado - os feedbacks eram obtusos e o Leitor, salvo raríssimas exceções, era aquele sujeito que não entendia o que eu estava escrevendo; como poderia me aconselhar? E cansei de ver essa mesma postura principalmente em Colunistas jovens: eles geralmente anseiam por Comentários (na verdade, por consagração), mas, quando vêm as respostas, não sabem lidar com feedbacks vários e preferem solenemente ignorar.

A internet, infelizmente, criou uma dependência quantitativa, em termos de feedback, com relação ao que se publica nela. Aqui no Digestivo, por exemplo, todos nos fiamos pelo número de acessos e pelo número de Comentários - é a única ferramenta a promover resposta imediata ao que se escreve, e a aplacar a ansiedade de quem escreve. Acontece, porém, que alguns dos melhores feedbacks que já recebi, escrevendo, foram dados "ao vivo", de maneira qualitativa, às vezes tempos, às vezes anos depois. Por conta disso, hoje eu procuro extrair o máximo das pessoas, que me lêem, em conversas - e quando alguém me diz que leu tal Colunista e achou isso e aquilo, eu devolvo: "Então escreva pra ele, diga isso a ele, ele precisa saber...".

O grande salto acontece, no meu ponto de vista, quando você retira o aspecto "pessoal" de qualquer feedback. Quando você trata aquilo como "informação bruta", para orientar melhor o que vem fazendo. Um dos jeitos de se conseguir isso, no caso de um feedback escrito, é não tomar a coisa literalmente, digo ao pé da letra - e ficar tentando entender o que pode estar por trás daquele registro, qual a "emoção de fundo", quais as linhas gerais, as correntes, o Zeitgeist. É uma visão "macro" em vez de "micro". Exemplo prático: para quem realiza um único trabalho, um feedback negativo pode ser a morte; mas, para quem realiza vários, não. Quando você toma conta de uma empresa, no meu caso o Digestivo, tende a enxergar o panorama global e não levar toda e qualquer picuinha a sério (nem dá tempo); já quando o seu universo se restringe unica e exclusivamente a você, qualquer ataque te atinge em cheio, porque você não relativiza (nem consegue). Conselho de amigo (sei que, na linguagem, hoje estou bem corporativo): diversifique o seu portfolio. Dá certo.

Como prestador de serviços (falo de Parceiros, Anunciantes, Patrocinadores...), sou todo ouvidos. E prefiro ouvir uma reclamação a não ouvir nada. Se o meu trabalho não agrada, não funciona ou não atinge os objetivos, eu preciso saber do que se trata - onde está a minha falha - para poder aperfeiçoar sempre. Não me incomodo que um cliente venha e vá embora (no começo, é a morte, mas depois, você percebe, é a lei da vida), o que me incomoda é ele sair e entrar sem acrescentar nada ao meu trabalho. Gostou? Não gostou? Detestou? Por quê? Eu preciso saber. Porque quando vier um outro, assim, desse jeito, eu não quero repetir os mesmos erros, eu não quero prometer o que não vou cumprir, não quero entregar nada aquém do esperado, entende?

Como profissional da era da internet, passei tempo demais confiando no e-mail. Uma das maiores características do e-mail é o silêncio. O silêncio aparece numa situação difícil: a pessoa não sabe o que responder e responde com o seu silêncio. Você entende aquilo como um "não" e a coisa fica por isso mesmo. Hoje eu sou chato no sentido de ir atrás das respostas (continuo falando aqui dos meus clientes). Se recebi um "nada" (ou um silêncio) a uma Proposta enviada por e-mail, ligo e pergunto: "Recebeu? Não recebeu? O que achou?". Prefiro um não na cara (ou por telefone) do que um silêncio. "Está caro? Está barato? Era isso mesmo? Não era? Por quê?" Eu preciso saber!

Esta Coluna, portanto, tem uma razão de ser. Pessoalmente (e profissionalmente), eu acho que falta feedback. Os maiores mal-entendidos, os maiores problemas de comunicação, as maiores brigas têm sua origem na falta de feedback. Se as pessoas soubessem (antes), não chegariam a determinados extremos - ou não deixariam que a coisa acontecesse dessa (ou daquela) maneira. Claro que, ainda assim, muita gente, munida das mais variadas informações, prefere deixar a bomba estourar ou deixar a situação degringolar - por comodismo, por opção, por falta de coragem; mas que não seja, então, pela ausência de feedback.

Logo, Leitor: se você não gosta, escreva. Se gosta, escreva também. Ligue, xingue, mas - como dizem os americanos - have your say... Você, Parceiro: mesma coisa. Você, amigo: igualmente. Eu tenho uma dificuldade tremenda em não externar o que penso ou em não deixar estampado na face (quando me contam, ou me mostram, ou me pedem simplesmente uma opinião). Sei que não é a regra; sei que custa para muita gente - mas não deve ser assim... E corra atrás de feedbacks, você também. E procure saber o que pensam de você (e do seu trabalho, e da sua empresa). Peça avaliações. E reavaliações. Esclareça aspectos obscuros. Levante outros pontos de vista. Não fique no escuro; não deixe as pessoas no escuro. O diálogo sempre dá mais trabalho (do que o silêncio) mas, no final, é melhor para todo mundo.

Julio Daio Borges
São Paulo, 23/9/2005

 

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