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Segunda-feira, 5/9/2005 Dos livros que li Marcelo Maroldi Outro dia um amigo me perguntou: o que faz um livro ou um autor ser considerado fantástico? Disse, ainda, que ele entende quando um determinado livro é bom e tudo o mais, mas, o que o faz melhor que um outro? Seriam as idéias nele contidas? Seria a forma de escrever do autor? A inovação do texto? O que seria, afinal? Eu tentei argumentar algo nessa linha, mas meu discurso não o convenceu, creio. Pensando nisso, depois, descobri que essa é uma resposta subjetiva. Pessoal. Gostar de um livro mais que o outro é algo particular de quem o lê. Deve existir, portanto, alguma coisa nos nossos livros (e autores) preferidos que nos atrai tanto. Quando eu era bem pequeno, sempre via um livro na minha estante: Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade. Demorei mais de 10 anos para pegar esse livro em mãos, mas esse título me acompanha por toda a vida desde a primeira vez que o vi (e posso dizer que me influenciou). Eu pensava: um livro com esse título não pode ser ruim, não faz sentido. Mas, com medo de me decepcionar, talvez, deixei de lado. Ainda fascinado por títulos, peguei outro, Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo. Esse foi o livro que mudou a minha vida. Não sei explicar direito o motivo, acredito que foi o primeiro livro que me fez refletir e sentir. Além disso, respondo dizendo que era o livro que eu gostaria de ter escrito (é o meu predileto, e eu escolho o livro que eu quiser para ser o meu número 1!). Pouco antes eu havia lido A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa. Um amigo do meu irmão, mais velho, supostamente havia me explicado do que se tratava. Eu cresci pensando na terceira margem do rio, imaginando que diabos aquele cara estava falando! Foi mais um exemplo de texto que me ajudou na minha formação. Logo depois, senti a força dos livros de contos (embora mais tarde me decepcionaria lendo O vampiro de Curitiba, de Dalton Trevisan, e outros que não mudaram minha vida em nada) e a capacidade que alguns deles têm de te fazer pensar. Depois, fiquei vários anos sem ler nenhum livro que me impactasse tanto. Até que um dia, já grandinho, li O muro, minha primeira experiência sartreana consciente. A sensação que eu tive foi a de levar um soco na cara... um soco forte, aliás. Eu fiquei alguns dias sob o efeito do livro, quase drogado. Não era possível que alguém pudesse incomodar tanto outro ser humano apenas com palavras escritas (e que nem a mim eram dirigidas!). Por que o cara me agredia daquele jeito? Eu poderia largar o livro, mandar aquele existencialista embora da minha casa e ir ver novela, mas, não foi o que eu fiz. Ali, eu descobri que a literatura, para mim, pelo menos, é incomodo, é reflexão, e, muitas vezes, é dor. Um livro que desperte isso em mim eu considero bom, ora... Antes disso - quase me esqueci - havia sentido esse mesmo mal-estar lendo Os sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe. Engraçado, mas aquela subjetividade que citei anteriormente senti com esse livro. Conheço pessoas que o leram e não sentiram absolutamente nenhum desconforto, nenhuma emoção diferente, nada, nada. Pra mim, este nunca será um livro comum. A mesma coisa se deu quando li O Processo, de Kafka. Como alguém pode ler O Processo e não dedicar algumas horas a seu destrinchamento? Em prosa, esse foram alguns dos livros que mais me incomodaram quando os li. Senti isso vários outras vezes, ainda, lendo poesia, por exemplo ao ler Gregório de Matos, e, principalmente, Mário de Sá-Carneiro. Com poesia minha perturbação mental foi tardia. Talvez por não entender o que diziam aqueles jovens tuberculosos, deixei-os de lado, retomando apenas na adolescência sua leitura. Lembro que um poema de Camões me fez sentir aquele cutucão que a literatura em prosa já havia me dado. Não é que era possível falar de assuntos complexos em poucas linhas? Alem disso, os poetas passam a sensação de conhecerem tanto do mundo, tanto das pessoas, tanto de amor, de dor, de pranto, etc, que é tudo o que eu queria entender. Simples assim. Li outros livros mais leves, claro, porém importantes. Alguns me causaram reflexão, mas não desconforto. Confissões é um desses. Santo Agostinho é um filósofo interessante, e um teólogo importante demais para não te despertar alguns pensamentos... Já Cem anos de Solidão, de Gabriel Gárcia Márquez, é uma leitura, digamos, café com leite. O que me impressionou nele foi à escrita elegante, deliciosa, e a ficção absurda (e envolvente) que ele conta. Há muitos outros livros que li e que me causaram sensações e reflexões. Estes, eu guardo como os melhores, para mim, evidente. Entendi, como o passar do tempo, que a literatura tem duas vertentes: a pessoal e a crítica. A crítica é a análise do texto feita por estudiosos. A pessoal é aquela que te faz gostar daquele livro que a crítica disse que era ruim. Ele pode ter te feito sonhar com a infância, pode ter te lembrado de algo ou de alguém, pode ter te ensinado alguma coisa, o que você decidir que faz um livro ser melhor que o outro. É a sua lista, você pode escolher os seus critérios. O meu, como disse, é o incômodo. Se me incomodar, é um forte candidato a ser bom. Seja qual for o seu critério, o importante para o leitor é o livro em si e, se você disser que algum livro é importante para sua vida, não há o que questionar... Eu posso até achá-lo péssimo, mas para você ele deve ser importante. Michel Melamed e a elite cultural Só agora vi Regurgitofagia, a consagrada peça de Michel Melamed. Ela é realmente muito boa, mas não é meu objetivo fazer uma crítica aqui. Para isto, basta procurar na internet que existem muitas. Queria comentar algo que me chamou a atenção. O teatro estava lotado, e eu, que ainda sou um jovem, estava me sentindo velho diante daquele público. Diria, provavelmente acertando, que a média de idade era de 18 ou 19 anos, no máximo. Gente muito jovem para compreender o Melamed citando Waly Salomão (aliás, nessa hora a menina do meu lado deu um suspiro, perguntou pra amiga quem era esse cara e ambas ficaram imaginando quem seria ele e rindo, rindo, me fazendo perder a seqüência rápida e letal das palavras que o ator dizia, droga!). O Michel merecia coisa melhor... Nem o nome dele tinha gente que sabia. Em um certo momento, o ator faz uma brincadeira com seu próprio nome (e sobrenome). Teve gente que não entendeu nada, não percebeu que ele falava de si próprio e perguntou o que ele estava falando. "Ah, deve ser mais uma piada dele!" Sinceramente, eu me pergunto o que essa gente fazia lá... e a resposta é simples: Regurgitogafia (ainda) está na moda (e o Michel também! Acreditam que no Orkut tem uma comunidade de meninas chamada "Eu daria pro Michel Melamed"?). A moda atraiu essa gente para lá. As pessoas com quem eu conversei não sabiam quem ele era, que ele era um apresentador, se era judeu ou coreano, se era poeta ou macumbeiro, etc. Estavam lá porque essa peça "vai pra Nova York nos próximos meses" e "esse cara está na crista da onda". Aquele status social que se obtém ao dizer que se foi ver o "cara que toma choque" (algo super cultural (sic)). Sem hesitar, aposto que 90% dos que ali estiveram não conseguem relacionar a peça a seu nome, explicar o que é regurgitofagia, nada disso. Todo mundo ali achava que o espetáculo era um espetáculo "pra dar risada", como ouvi dizerem. "Esse Michel é mesmo um belo humorista, não Maroldinho?". Eu sei, leitor que me acompanha, que eu sempre falo desse assunto... mas é que me cansa. Acredito que todas as pessoas têm direito de ir ao teatro, e de ver o Melamed. Eu só queria que estas pessoas pagassem o ingresso porque gostassem de teatro, ou do ator, ou de poesia, ou algo assim. Por que torram o dinheiro de seus pais e a nossa paciência indo verem o cara da moda? Que droga de status social é esse que a cultura pode oferecer? O Michel deveria ter algum prestígio, não o cara que vai vê-lo! O artista é ele... Por que eu tenho que aguentar pessoas se sentindo superiores as demais só porque viram o espetáculo? Não interessa se entenderam ou se foram lá passear: se você foi ao Regurgitofagia em São Carlos, você é a elite cultural dessa cidade... Marcelo Maroldi |
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