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Quarta-feira, 26/10/2005 Sobre o gênio que é Harold Pinter Guilherme Conte Pinter, nascido em 1930, é o principal dramaturgo da segunda metade do século XX. Seu texto é cortante e toca fundo na alma. Sempre com golpes precisos, atinge em cheio nas dificuldades inerentes às relações humanas. Ele mostra que viver é uma arte difícil, que exige sensibilidade. Sua obra é muito pouco conhecida por aqui. Só há uma peça traduzida e publicada: Volta ao Lar, assinada com a habitual competência por Millôr Fernandes, e já há muito esgotada - circulou nos anos 1970 na bela coleção Teatro Vivo, da Abril. É disputada a tapa por freqüentadores de sebos. A nossa imprensa em geral, como de praxe, bobeou (com algumas exceções, a exemplo de Mario Sérgio Conti, na NoMínimo). A imensa maioria das matérias sobre o prêmio discutiu o "lado político" de Pinter, que esculhambou recentemente Tony Blair e George Bush e se posicionou contra a invasão do Iraque. Ok, a Academia Sueca tem se mostrado propensa, sobretudo nos últimos anos, a premiar gente que se destacou também pela atuação política. Não só escritores, mas cientistas também. Mas no caso de Pinter isso é o de menos. Sua obra é genial, de um raro talento na escrita para teatro, e ponto final. É só dar uma olhada no parecer da Academia, justificando a escolha: "(...)Pinter devolveu o teatro a seus elementos básicos: um espaço fechado e um diálogo imprevisível, onde as pessoas perdoam umas às outras e onde não há lugar para a ambição." A ausência de Pinter, tanto em nossas livrarias quanto em nossos palcos, é um absurdo imperdoável. Daqueles casos inexplicáveis que o Brasil tem de monte. Seguimos quase que totalmente à margem de obras de uma importância inestimável, fundamentais para as artes e para o pensamento contemporâneo de um modo geral. É por isso que devemos aplaudir iniciativas de gente como Alexandre Tenório e de Denise Weinberg, de quem tratei em texto anterior, ou Ítalo Rossi, que encaram os textos difíceis e herméticos de Pinter com uma obstinação admirável. Mesmo que, muitas vezes, para pequenas platéias. Por quê? Porque ele tem que ser montado! Teatro é reflexão. Tem que incomodar, fazer pensar, estimular a discussão. Bom teatro não é aquele que te dá certezas, mas aquele que te enche de dúvidas. Sófocles, Shakespeare, Bernard Shaw, Strindberg - todos, de alguma forma, inquietaram seus espectadores e continuam incomodando até hoje. Harold Pinter não encontra, atualmente, paralelo à altura neste papel. Ficam os votos de que nossas editoras comecem a dar a Pinter sua devida importância. E que nossos diretores, atores, encenadores e produtores resolvam cada vez mais encarar esta dura e magistral obra. É um tesouro praticamente intocado. Para ir além http://www.haroldpinter.org Notas * E já que o momento é de preencher lacunas históricas, a Cosac & Naify lança com toda a pompa Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma das maiores peças de todos os tempos. A exemplo de Volta ao Lar, de Pinter, a única tradução que havia de Godot por estas bandas era do onipresente Millôr, na mesmíssima coleção Teatro Vivo. A célebre história dos dois vagabundos que passam o tempo a esperar Godot, que já foi classificada como "a certidão de óbito da esperança", ganha agora luxuosa edição. A tradução fica a cargo de Fábio de Souza Andrade, maior especialista em Beckett no Brasil atualmente. Ele já havia assinado a tradução de Fim de Partida, pela mesma editora, e escreveu um dos melhores estudos sobre a obra beckettiana: O Silêncio Possível, pela Ateliê Editorial. Esperando Godot é mais que necessária. É imprescindível. * O Armazém Companhia de Teatro aportou em São Paulo com seu espetáculo A Caminho de Casa (SESC Belenzinho / R. Álvaro Ramos, 915 / (11) 6602-3700 / Sexta, 21h; sábado e domingo, 20h / R$ 15,00 / Até 13/11). São três histórias, ligadas por um atentado, que colocam a fé no centro de seus questionamentos. A primeira, de longe a melhor de todas, é um engarrafamento gigantesco (inspirada em A auto-estrada do sul, conto de Júlio Cortázar). A segunda conta a história de um menino judeu e um velho sufi. A terceira, fraca, é o diálogo entre a mãe de um homem-bomba e Deus. O texto, de Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, também diretor da peça (e que dirige, também em SP, no SESC Consolação, O Pequeno Eyolf, de Henrik Ibsen), é bom e levanta questões interessantes. Visualmente muito bonito. * Três mulheres, "amigas para sempre", em diferentes momentos de suas vidas, se cruzando em diversos chás: de panela, de despedida, de bebê etc. Suas relações, as indas e vindas, as dificuldades, as descobertas, os diversos homens que encontram. Vontades, desejos, frustrações. É nesse universo que se encontra Chá de Setembro, de Júlio Conte (não, não é meu parente). No elenco, Lara Córdula, Lulu Pavarin, Mara Faustino e Nelson Baskerville. A direção é de Marcos Cardelíquio (em cartaz no Auditório da Aliança Francesa / R. Gal. Jardim, 182 / (11) 3188-4141 / Sábado e domingo, 18h / R$ 30,00 / Até 18/12). Um texto sensível, bem humorado e com momentos de emoção. Bonito. Guilherme Conte |
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